LIMA, Vinicius Moreira de. Relação de trabalho versus relação de emprego: a luta pela nova Justiça do Trabalho. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 2012.
Após o comentário sobre o passamento do Professor Washington Peluso Albino de Souza, para a reativação deste blog, impunha-se viesse a lume um texto que tivesse que ver com o seu legado. E, com efeito, vem a lume o magnífico texto de um dos seus mais brilhantes discípulos - o Professor Vinicius Moreira de Lima -, a discutir a superação da limitação do conceito jurídico de trabalho, em face das transformações que se têm verificado no mundo contemporâneo. A obra, correspondente à tese de doutoramento por ele defendida perante a Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, vai sendo construída a partir do diálogo com sólida bibliografia, das mais diversas orientações, em que se indicam as razões de concordância e discordância a cada passo.
Antes de adentrar o tema específico, o autor estabelece como pressuposto epistemológico a conexão dialética entre política, economia e Direito como indispensável à compreensão das transformações por que passou o conceito, empreendendo a crítica ao normativismo, à diferenciação usual entre essência e existência, ao nominalismo, ao presentismo, ao agnosticismo, ao empirismo, ao dedutivismo, ao relativismo axiológico, ao historicismo, ao funcionalismo e ao cientificismo positivista, fincando seus pés no materialismo histórico - que faz questão de distinguir do "materialismo dialético", que vê como uma distorção própria do estalinismo -. Tendo este norte, passa a identificar o problema referente às formas de subordinação do trabalho ao capital adaptadas às novas estratégias de desenvolvimento das atividades empresariais, que não encontrariam resposta suficiente na dogmática tradicional do Direito do Trabalho, não só no que diz respeito às terceirizações, subcontratações, criação de cooperativas de trabalho, ao teletrabalho, entre outras tantas questões que viriam a explicar, também, o significado da alteração procedida nas disposições da Constituição brasileira de 1988 acerca da competência da Justiça do Trabalho. Aponta, também, para a necessidade de reorganização desta última, cuja estrutura é apontada como apta a gerar ineficiência na solução dos conflitos trabalhistas, representando "trabalho improdutivo irracional" em face do ágil processo de acumulação de capital cuja expressão maior estaria nas manifestações da concentração de empresas, notadamente trustes e cartéis (p. 45), apontando para expedientes de racionalização de tal sorte que, para os microconflitos referentes a pontuais inadimplências de obrigações do patrão para com o empregado - 13º, depósitos do FGTS, aviso prévio, horas extras - fosse criado um Juizado Especial, de instância única, ao mesmo tempo em que as estruturas mais complexas da Justiça teriam a si reservado o julgamento das grandes questões envolvendo direitos transindividuais, bem como para os riscos de um movimento de retrocesso na composição dos conflitos trabalhistas e a tendência a que todas as relações jurídicas que envolvam o fato econômico trabalho, assalariado ou não, desde que em um dos seus pólos esteja um trabalhador subordinado à outra parte, venham a cair sob o exame da Justiça Especializada. No capítulo seguinte, assinala os movimentos da propriedade capitalista, no sentido de procurar reduzir a participação do trabalho, tanto assalariado como não assalariado, enquanto sujeito da atividade econômica, elencando nada menos que onze tendências verificadas a partir do final do século XX e em curso no início do século XXI, dentre elas, a ilimitada e desregulamentada expansão do capital financeiro, a expansão do agronegócio com a conversão de contingentes de trabalhadores em peças de sobejo e a degradação ambiental, o discurso voltado à exacerbação do Direito Penal simultaneamente ao voltado à flexibilização dos direitos sociais (p. 69-72). É neste contexto que se procura verificar até que ponto o conceito de trabalho ainda teria lugar e, por outro lado, como fazê-lo operacional dialogando com o quadro econômico atual. Vem o autor a estabelecer o pressuposto do trabalho como atividade de apropriação e transformação do dado natural, adaptando o ambiente às necessidades do ser humano e traduzindo, por isto mesmo, o diferencial entre os homens e os outros animais, assinalando o desenvolvimento do trabalho intelectual como posterior ao trabalho manual, decorrendo principalmente das necessidades de comunicação que possibilitariam a troca de excedentes e gerando toda uma superestrutura que iria muito além dos conhecimentos para elaborar os equipamentos necessários à transformação da natureza, abrangendo também crenças, conhecimentos, valores e traduzindo, ainda, o fulcro das relações de poder estabelecidas entre as classes. Ao mesmo tempo em que versa a evolução do trabalho nos sistemas escravocrata, feudal e capitalista, indica as valorações, negativas a princípio, sobretudo a partir de Aristóteles, em sua célebre passagem n'A política, até o estabelecimento, por Hegel, da valoração positiva enquanto atividade que constrói o progresso do ser humano em direção à liberdade, embora com maior ênfase no trabalho intelectual, e a inversão, também neste ponto, de sua doutrina por Marx, ao valorizar o trabalho manual. Passa a fundamentar a opção pela teoria do valor-trabalho como apta a explicar tanto o valor de uso e o valor de troca e refere a construção em torno do valor-utilidade como um meio de fundamentar, ideologicamente, a manutençao do status quo no que tange às relações de classe. Toma a concepção do trabalho como fonte de todo valor como a base de uma teoria materialista da justiça, concebido o Direito enquanto reflexo da Economia mediado pela Política, sempre como "ordem ou estabilização repressiva ou regressiva", sempre a passo atrás da dinâmica das relações sociais (p. 82-3), identificando-se, no caso do Estado burguês, com os pressupostos inerentes ao direito individualista, com a igualdade abstrata de todos perante a lei, e o burocratismo. A seguir, ao versar a valorização do trabalho como fundamento erguido para a defesa da propriedade, especialmente após a Reforma Protestante levada a cabo por Lutero, vem a distinguir entre a propriedade pessoal sobre os frutos do trabalho, que não implicaria poder sobre o trabalho alheio, e a propriedade capitalista, passando a dissecar as seis acepções que o conceito de não-trabalho encontra no pensamento de Marx: "a) o capital 'em geral', com ênfase para o capital produtivo; b) o desemprego estrutural; c) o reino da liberdade, o ócio ou a emancipação social dos trabalhadores assalariados; d) o tempo de elaboração das ciências naturais e sociais; e) o capital financeiro (produtor de juros) em suas duas modalidades: capital prestamista e capital fictício; f) a renda fundiária urbana e rural e as cotas ou ações geradoras de dividendos" (p. 349). A identificação do "não-trabalho" e da categoria do "antivalor" teria como efeito prático extremá-la de outras situações em que o trabalho, ainda que não assalariado, se encontra presente, efetivamente subordinado, abrindo, pois, a possibilidade de equacionamento pela Justiça do Trabalho. Passa a examinar a questão da alegada "crise do trabalho", que nada mais seria que a "crise do trabalho abstrato", tratadas as relações de trabalho sem qualquer consideração pelas suas peculiaridades concretas, como se todas se resumissem a um tipo geral de relação de emprego, tomando, mais, em consideração o dado de que tanto o "valor-capital" como o "trabalho abstrato" pressuporiam a propriedade capitalista, distinta da propriedade não-capitalista, "baseada na produção simples de mercadorias" (p. 98). A seguir, combate as teses concernentes ao "fim do trabalho", demonstrando que, de um modo geral, ocorre mais propriamente uma realocação da força de trabalho e, além disto, mesmo os progressos da técnica não dispensam o trabalho vivo de quem irá tornar possível manter os equipamentos em funcionamento, agregando valor, inclusive mediante a possibilidade da submissão dos produtos do trabalho ao regime de propriedade industrial, sem contar com a prestação de serviços que, a despeito de não gerar renda para quem delas se serve (caso do trabalhador doméstico, no exemplo do autor), não deixa de ser caracterizada como "relação de trabalho", com a prestação material de trabalho que se exclui do conceito de relação de emprego e se enquadra como "relação de consumo" ou como "prestação de serviços" não abrangida por aquela, a utilização de trabalhadores que fazem funcionar o capital-serviço privado na esfera de produção (geradora de mais-valia) e de distribuição (não geradora de mais-valia, embora apta a gerar lucro), os que fazem funcionar o capital-serviço público das empresas estatais e os que, remunerados pela receita proveniente dos tributos, desempenham as atividades próprias da Administração direta do Estado, atividades, estas, que sob o ponto de vista capitalista são francamente improdutivas, a despeito de necessárias. Postas estas premissas, passa a analisar as novas formas de subordinação do trabalho ao capital, notadamente a partir do aumento e complexificação das empresas, com a constante delegação de funções que antes eram desempenhadas diretamente pelo empresário a trabalhadores especializados, para se chegar ao momento das terceirizações, enquanto formas de reagir à queda da taxa de lucros, por um lado e, por outro, de realizar a maior rotatividade do trabalhador, seja ele de que nível for, trazendo também a lume a situação do trabalho parassubordinado, formalmente autônomo, mas dependente economicamente dos tomadores dos respectivos serviços, das empresas de economia popular solidária, das cooperativas de trabalho, da constituição de microempresas "satélites", caracterizando o mascaramento constante e reiterado como materialização do denominado "dumping social" e exemplificando, ao final, com a jurisprudência identificadora das hipóteses de fraude aos direitos trabalhistas. Desenvolve o seu raciocínio em torno da configuração da relação de trabalho em se tratando da contratação de profissionais liberais, trazendo em seu apoio juçgados do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, da relação da empresa de autogestão com os clientes improdutivos, de contratos civis de atividades ou de colaboração quando a respectiva execução seja confiada diretamente a pessoas físicas, dos contratos de parceria rural, da representação comercial, da atuação das cooperativas de trabalho, dos contratos de trabalho com indígenas - trazendo, aqui, interessante precedente do Tribunal Superior do Trabalho -, dos trabalhadores avulsos em relação às empresas exploradoras de instalações portuárias, nos termos da Lei 8.630, de 1993, dos trabalhadores para instituições religiosas. Emergem, ainda, as questões pré-contratuais, atuais ou pós-contratuais que mereceriam exame por parte da Justiça Especializada, como seria o caso das práticas discriminatórias previstas na Lei 9.029, de 1995, inclusive no momento da admissão do empregado, e da crítica à ausência de competência desta mesma Justiça para o julgamento dos crimes concernentes à relação de trabalho, bem como ao recrudescimento da repressão penal em se tratando dos crimes praticados pelos segmentos menos aquinhoados ao lado da maior brandura em se tratando dos crimes cujo sujeito ativo seja o titular do capital. Toma, ainda, como passíveis de se enquadrarem na competência da Justiça do Trabalho as questões que envolvam direitos de propriedade intelectual - tanto autorais quanto relativos a propriedade industrial - do empregado em face do empregador, trazendo jurisprudência em seu abono. Após o exame de todas estas manifestações do trabalho, para além da relação de emprego, e sua repercussão na identificação da competência da Justiça Especializada, vista como algo mais nobre que uma simples Justiça de Ofícios, o autor, servindo-se da lição de Washington Peluso Albino de Souza, procura extremar o tratamento dado ao trabalho pelo Direito Econômico e pelo Direito do Trabalho, salientando a pertinência da aplicação das regras de Direito Econômico pela Justiça Especializada, quando estiver em questão o contorno jurídico da política econômica referente ao trabalho, máxime no que tange ao "direito ao trabalho". A seguir, enfrenta a questão concernente à relação de trabalho com entes de direito público externo, trazendo à balha a mitigação da imunidade jurisdicional em se tratando de relações desta natureza. Passa a tratar do "antivalor burocrático da Justiça do Trabalho", apontando para o estrangulamento em que esta estrutura se acha, a despeito de um grande aparato para o exame dos poucos conflitos que chegam ao seu conhecimento e, ao mesmo tempo, as transformações nas relações de trabalho que se colocam fora de seu controle imediato, com a expansão do trabalho improdutivo tanto no âmbito público quanto no âmbito privado, gastando-se o tempo que poderia ser destinado à oferta de jurisdição certeira e ágil na condução de rotinas puramente administrativas. Enfrenta o problema do trabalho improdutivo enquanto tendência irracional do sistema capitalista, porque não desenvolve diretamente as forças da produção, mas, no âmbito privado, mesmo não gerando mais-valia, gera lucro, e no âmbito estatal, corresponderia ao interesse da manutenção do poder econômico da classe dominante. A seguir, vem a apontar para as formas próprias da cogestão na resolução dos conflitos trabalhistas, com ênfase nas soluções extrajudiciais, reservada a atuaçaõ da Justiça do Trabalho apenas ao controle da legalidade de tais soluções, referindo a experiência do Núcleo Intersindical de Conciliação Trabalhista na comarca de Patrocínio/MG, contribuindo para o desafogo do Judiciário (p. 329-330). Traz à questão os critérios para se apurar a responsbilidade do Estado pela demora irrazoável na oferta da prestação jurisdicional trabalhista e, ao cabo, enfrenta o vício da formação eminentemente burocrática ofertada, de um modo geral, nas Escolas de Direito como causa, também, das dificuldades em cumprir satisfatoriamente a Justiça do Trabalho o papel que dela se esperaria.
Antes de adentrar o tema específico, o autor estabelece como pressuposto epistemológico a conexão dialética entre política, economia e Direito como indispensável à compreensão das transformações por que passou o conceito, empreendendo a crítica ao normativismo, à diferenciação usual entre essência e existência, ao nominalismo, ao presentismo, ao agnosticismo, ao empirismo, ao dedutivismo, ao relativismo axiológico, ao historicismo, ao funcionalismo e ao cientificismo positivista, fincando seus pés no materialismo histórico - que faz questão de distinguir do "materialismo dialético", que vê como uma distorção própria do estalinismo -. Tendo este norte, passa a identificar o problema referente às formas de subordinação do trabalho ao capital adaptadas às novas estratégias de desenvolvimento das atividades empresariais, que não encontrariam resposta suficiente na dogmática tradicional do Direito do Trabalho, não só no que diz respeito às terceirizações, subcontratações, criação de cooperativas de trabalho, ao teletrabalho, entre outras tantas questões que viriam a explicar, também, o significado da alteração procedida nas disposições da Constituição brasileira de 1988 acerca da competência da Justiça do Trabalho. Aponta, também, para a necessidade de reorganização desta última, cuja estrutura é apontada como apta a gerar ineficiência na solução dos conflitos trabalhistas, representando "trabalho improdutivo irracional" em face do ágil processo de acumulação de capital cuja expressão maior estaria nas manifestações da concentração de empresas, notadamente trustes e cartéis (p. 45), apontando para expedientes de racionalização de tal sorte que, para os microconflitos referentes a pontuais inadimplências de obrigações do patrão para com o empregado - 13º, depósitos do FGTS, aviso prévio, horas extras - fosse criado um Juizado Especial, de instância única, ao mesmo tempo em que as estruturas mais complexas da Justiça teriam a si reservado o julgamento das grandes questões envolvendo direitos transindividuais, bem como para os riscos de um movimento de retrocesso na composição dos conflitos trabalhistas e a tendência a que todas as relações jurídicas que envolvam o fato econômico trabalho, assalariado ou não, desde que em um dos seus pólos esteja um trabalhador subordinado à outra parte, venham a cair sob o exame da Justiça Especializada. No capítulo seguinte, assinala os movimentos da propriedade capitalista, no sentido de procurar reduzir a participação do trabalho, tanto assalariado como não assalariado, enquanto sujeito da atividade econômica, elencando nada menos que onze tendências verificadas a partir do final do século XX e em curso no início do século XXI, dentre elas, a ilimitada e desregulamentada expansão do capital financeiro, a expansão do agronegócio com a conversão de contingentes de trabalhadores em peças de sobejo e a degradação ambiental, o discurso voltado à exacerbação do Direito Penal simultaneamente ao voltado à flexibilização dos direitos sociais (p. 69-72). É neste contexto que se procura verificar até que ponto o conceito de trabalho ainda teria lugar e, por outro lado, como fazê-lo operacional dialogando com o quadro econômico atual. Vem o autor a estabelecer o pressuposto do trabalho como atividade de apropriação e transformação do dado natural, adaptando o ambiente às necessidades do ser humano e traduzindo, por isto mesmo, o diferencial entre os homens e os outros animais, assinalando o desenvolvimento do trabalho intelectual como posterior ao trabalho manual, decorrendo principalmente das necessidades de comunicação que possibilitariam a troca de excedentes e gerando toda uma superestrutura que iria muito além dos conhecimentos para elaborar os equipamentos necessários à transformação da natureza, abrangendo também crenças, conhecimentos, valores e traduzindo, ainda, o fulcro das relações de poder estabelecidas entre as classes. Ao mesmo tempo em que versa a evolução do trabalho nos sistemas escravocrata, feudal e capitalista, indica as valorações, negativas a princípio, sobretudo a partir de Aristóteles, em sua célebre passagem n'A política, até o estabelecimento, por Hegel, da valoração positiva enquanto atividade que constrói o progresso do ser humano em direção à liberdade, embora com maior ênfase no trabalho intelectual, e a inversão, também neste ponto, de sua doutrina por Marx, ao valorizar o trabalho manual. Passa a fundamentar a opção pela teoria do valor-trabalho como apta a explicar tanto o valor de uso e o valor de troca e refere a construção em torno do valor-utilidade como um meio de fundamentar, ideologicamente, a manutençao do status quo no que tange às relações de classe. Toma a concepção do trabalho como fonte de todo valor como a base de uma teoria materialista da justiça, concebido o Direito enquanto reflexo da Economia mediado pela Política, sempre como "ordem ou estabilização repressiva ou regressiva", sempre a passo atrás da dinâmica das relações sociais (p. 82-3), identificando-se, no caso do Estado burguês, com os pressupostos inerentes ao direito individualista, com a igualdade abstrata de todos perante a lei, e o burocratismo. A seguir, ao versar a valorização do trabalho como fundamento erguido para a defesa da propriedade, especialmente após a Reforma Protestante levada a cabo por Lutero, vem a distinguir entre a propriedade pessoal sobre os frutos do trabalho, que não implicaria poder sobre o trabalho alheio, e a propriedade capitalista, passando a dissecar as seis acepções que o conceito de não-trabalho encontra no pensamento de Marx: "a) o capital 'em geral', com ênfase para o capital produtivo; b) o desemprego estrutural; c) o reino da liberdade, o ócio ou a emancipação social dos trabalhadores assalariados; d) o tempo de elaboração das ciências naturais e sociais; e) o capital financeiro (produtor de juros) em suas duas modalidades: capital prestamista e capital fictício; f) a renda fundiária urbana e rural e as cotas ou ações geradoras de dividendos" (p. 349). A identificação do "não-trabalho" e da categoria do "antivalor" teria como efeito prático extremá-la de outras situações em que o trabalho, ainda que não assalariado, se encontra presente, efetivamente subordinado, abrindo, pois, a possibilidade de equacionamento pela Justiça do Trabalho. Passa a examinar a questão da alegada "crise do trabalho", que nada mais seria que a "crise do trabalho abstrato", tratadas as relações de trabalho sem qualquer consideração pelas suas peculiaridades concretas, como se todas se resumissem a um tipo geral de relação de emprego, tomando, mais, em consideração o dado de que tanto o "valor-capital" como o "trabalho abstrato" pressuporiam a propriedade capitalista, distinta da propriedade não-capitalista, "baseada na produção simples de mercadorias" (p. 98). A seguir, combate as teses concernentes ao "fim do trabalho", demonstrando que, de um modo geral, ocorre mais propriamente uma realocação da força de trabalho e, além disto, mesmo os progressos da técnica não dispensam o trabalho vivo de quem irá tornar possível manter os equipamentos em funcionamento, agregando valor, inclusive mediante a possibilidade da submissão dos produtos do trabalho ao regime de propriedade industrial, sem contar com a prestação de serviços que, a despeito de não gerar renda para quem delas se serve (caso do trabalhador doméstico, no exemplo do autor), não deixa de ser caracterizada como "relação de trabalho", com a prestação material de trabalho que se exclui do conceito de relação de emprego e se enquadra como "relação de consumo" ou como "prestação de serviços" não abrangida por aquela, a utilização de trabalhadores que fazem funcionar o capital-serviço privado na esfera de produção (geradora de mais-valia) e de distribuição (não geradora de mais-valia, embora apta a gerar lucro), os que fazem funcionar o capital-serviço público das empresas estatais e os que, remunerados pela receita proveniente dos tributos, desempenham as atividades próprias da Administração direta do Estado, atividades, estas, que sob o ponto de vista capitalista são francamente improdutivas, a despeito de necessárias. Postas estas premissas, passa a analisar as novas formas de subordinação do trabalho ao capital, notadamente a partir do aumento e complexificação das empresas, com a constante delegação de funções que antes eram desempenhadas diretamente pelo empresário a trabalhadores especializados, para se chegar ao momento das terceirizações, enquanto formas de reagir à queda da taxa de lucros, por um lado e, por outro, de realizar a maior rotatividade do trabalhador, seja ele de que nível for, trazendo também a lume a situação do trabalho parassubordinado, formalmente autônomo, mas dependente economicamente dos tomadores dos respectivos serviços, das empresas de economia popular solidária, das cooperativas de trabalho, da constituição de microempresas "satélites", caracterizando o mascaramento constante e reiterado como materialização do denominado "dumping social" e exemplificando, ao final, com a jurisprudência identificadora das hipóteses de fraude aos direitos trabalhistas. Desenvolve o seu raciocínio em torno da configuração da relação de trabalho em se tratando da contratação de profissionais liberais, trazendo em seu apoio juçgados do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, da relação da empresa de autogestão com os clientes improdutivos, de contratos civis de atividades ou de colaboração quando a respectiva execução seja confiada diretamente a pessoas físicas, dos contratos de parceria rural, da representação comercial, da atuação das cooperativas de trabalho, dos contratos de trabalho com indígenas - trazendo, aqui, interessante precedente do Tribunal Superior do Trabalho -, dos trabalhadores avulsos em relação às empresas exploradoras de instalações portuárias, nos termos da Lei 8.630, de 1993, dos trabalhadores para instituições religiosas. Emergem, ainda, as questões pré-contratuais, atuais ou pós-contratuais que mereceriam exame por parte da Justiça Especializada, como seria o caso das práticas discriminatórias previstas na Lei 9.029, de 1995, inclusive no momento da admissão do empregado, e da crítica à ausência de competência desta mesma Justiça para o julgamento dos crimes concernentes à relação de trabalho, bem como ao recrudescimento da repressão penal em se tratando dos crimes praticados pelos segmentos menos aquinhoados ao lado da maior brandura em se tratando dos crimes cujo sujeito ativo seja o titular do capital. Toma, ainda, como passíveis de se enquadrarem na competência da Justiça do Trabalho as questões que envolvam direitos de propriedade intelectual - tanto autorais quanto relativos a propriedade industrial - do empregado em face do empregador, trazendo jurisprudência em seu abono. Após o exame de todas estas manifestações do trabalho, para além da relação de emprego, e sua repercussão na identificação da competência da Justiça Especializada, vista como algo mais nobre que uma simples Justiça de Ofícios, o autor, servindo-se da lição de Washington Peluso Albino de Souza, procura extremar o tratamento dado ao trabalho pelo Direito Econômico e pelo Direito do Trabalho, salientando a pertinência da aplicação das regras de Direito Econômico pela Justiça Especializada, quando estiver em questão o contorno jurídico da política econômica referente ao trabalho, máxime no que tange ao "direito ao trabalho". A seguir, enfrenta a questão concernente à relação de trabalho com entes de direito público externo, trazendo à balha a mitigação da imunidade jurisdicional em se tratando de relações desta natureza. Passa a tratar do "antivalor burocrático da Justiça do Trabalho", apontando para o estrangulamento em que esta estrutura se acha, a despeito de um grande aparato para o exame dos poucos conflitos que chegam ao seu conhecimento e, ao mesmo tempo, as transformações nas relações de trabalho que se colocam fora de seu controle imediato, com a expansão do trabalho improdutivo tanto no âmbito público quanto no âmbito privado, gastando-se o tempo que poderia ser destinado à oferta de jurisdição certeira e ágil na condução de rotinas puramente administrativas. Enfrenta o problema do trabalho improdutivo enquanto tendência irracional do sistema capitalista, porque não desenvolve diretamente as forças da produção, mas, no âmbito privado, mesmo não gerando mais-valia, gera lucro, e no âmbito estatal, corresponderia ao interesse da manutenção do poder econômico da classe dominante. A seguir, vem a apontar para as formas próprias da cogestão na resolução dos conflitos trabalhistas, com ênfase nas soluções extrajudiciais, reservada a atuaçaõ da Justiça do Trabalho apenas ao controle da legalidade de tais soluções, referindo a experiência do Núcleo Intersindical de Conciliação Trabalhista na comarca de Patrocínio/MG, contribuindo para o desafogo do Judiciário (p. 329-330). Traz à questão os critérios para se apurar a responsbilidade do Estado pela demora irrazoável na oferta da prestação jurisdicional trabalhista e, ao cabo, enfrenta o vício da formação eminentemente burocrática ofertada, de um modo geral, nas Escolas de Direito como causa, também, das dificuldades em cumprir satisfatoriamente a Justiça do Trabalho o papel que dela se esperaria.
Claro que o texto, com todo o seu brilhantismo, não conta com a minha adesão incondicional. A começar pelos pressupostos epistemológicos, porquanto não me convenci das deficiências dos pressupostos de Max Weber - que, de resto, constituem a base do pensamento do nosso Mestre comum, Washington Peluso Albino de Souza - e do acerto da parte prescritiva do pensamento marxiano. Assim como entre a narrativa dos fatos tais como são e a respectiva valoração positiva ou negativa vislumbro diferença significativa, e penso que não é ao cientista, enquanto tal, que compete estabelecer critérios de valor, mas sim identificar quais os que seriam pertinentes de acordo com atábua de valores vigente. Nada obstante estes senões, penso que a obra é digna do brilho de seu autor e vem a merecer as encomiásticas palavras com que Antônio Álvares da Silva, seu orientador - e também discípulo do Prof. Washington -, vem a saudá-la.