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sábado, 9 de julho de 2016

A ante-sala da globalização na obra de Epitácio Pessoa

FRANCA FILHO, Marcílio Toscano; MIALHE, Jorge Luís; JOB, Ulisses da Silveira [org.]. Epitácio Pessoa e a Codificação do Direito Internacional. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 2013.

O caso de Epitácio Pessoa, que praticamente ocupou todos os cargos públicos que se põem à disposição do bacharel em Direito no Brasil, e de seu Projeto de Código de Direito Internacional Público, interessou a este grupo de estudiosos, que organizou esta coletânea a partir da seguinte estrutura: o significado e a repercussão da obra do homenageado, a obra em si e a respectiva biografia. A contribuição para a História do Direito Internacional Público e a compreensão desta contribuição brasileira veio a ser o mote da respectiva confecção.

Marcílio Toscano Franca Filho, ao emitir pronunciamento "à guisa de introdução: algumas questões preliminares e metodológicas", analisa a biografia e o papel desempenhado, nas múltiplas facetas de sua vida pública, por Epitácio Pessoa, e situa a importância de se conhecer e discutir o Projeto de Código de Direito Internacional Público por ele elaborado em 1911, num contexto em que cada vez mais se internacionalizam as relações jurídico-econômicas (p. 32-3).

O primeiro estudo, da lavra de Alessandra Correia Lima Macedo Franca, sobre "a jurisdição, a imunidade dos Estados e o espaço da relatividade: do código à rede", examina as vicissitudes da parêmia "par in parem non habet imperium", partindo de uma concepção de imunidade jurisdicional absoluta, assinalando no Projeto de Código de Direito Internacional Público uma das primeiras tentativas de disciplinar o assunto, passando pela distinção entre "atos de império" e "atos de gestão", encaminhando-se para os casos de exceção à regra imunitária, como é o caso das "Regras de Hamburgo", urdidas em 1891, pelo Instituto de Direito Internacional, o dissenso das legislações acerca da extensão da imunidade em sede trabalhista, a caracterização da execução forçada como espaço de resistência da imunidade absoluta e a dificuldade da aplicação ou não aplicação desta em face dos direitos humanos, diante do debate que se trava entre universalistas e relativistas neste campo.

Alice Rocha da Silva examina o modo como se procurou equacionar "a responsabilidade internacional do Estado no Projeto de Epitácio Pessoa", salientando a tendência à ampliação da área a ser coberta por tal sistema de responsabilização, especialmente diante do aumento do espectro dos direitos humanos, a importância da disciplina da responsabilidade na mitigação do estado de indeterminação nas relações internacionais, a evolução das bases da responsabilidade, a equiparação dos estrangeiros aos nacionais para o efeito de acesso à ordem jurídica interna em cada Estado, os casos em que a guerra civil poderia render ensejo à responsabilidade, a exigência de esgotamento dos recursos do direito interno, o modo de se operar a reparação dos danos e a imputação, ao Poder Central, da responsabilidade pelos atos das entidades locais, no contexto dos Estados Federais no âmbito internacional.

"Os prisioneiros de guerra no Projeto de Código de Direito Internacional de Epitácio Pessoa" ocupam a atenção de Érika Seguchi, que os situa no contexto da mitigação da atrocidade do conflito armado, olhos postos tanto no Direito da Convenção de Genebra como no Direito da Convenção de Haia. Aponta para a influência desta última na sistematização feita por Epitácio Pessoa, com a definição do conceito de "prisioneiro de guerra", da respectiva identidade, da submissão respectiva às leis, ordens e regulamentos vigentes no espaço dominado pelos captores, a questão do sustento dos prisioneiros, do trabalho que lhe pode e que não lhe pode ser exigido, do tratamento a ser dado em caso de tentativa de fuga, a prestação de assistência religiosa e por entidades humanitárias, sobre a centralização das informações acerca das vicissitudes dos prisioneiros, inclusive óbitos, salientando, ainda, a influência dos artigos redigidos pelo jurista brasileiro na atuação da Agência Internacional dos Prisioneiros de Guerra, criada pela Cruz Vermelha Internacional em 1914.

Eugênio Vargas Garcia faz a narrativa da experiência de "Epitácio Pessoa diplomata: de Versalhes ao Catete", quando o protagonista desta coletânea, ao participar da Conferência de Paz subsequente à I Guerra, em 1919, entrou em tratativas com o Presidente Woodrow Wilson, dos EUA, para a obtenção do reconhecimento da dívida da Alemanha decorrente do confisco do produto da venda de sacas de café estocadas em portos europeus e da incorporação de navios alemães apreendidos à marinha mercante brasileira, além de acompanhar da formação da Liga das Nações e de ser eleito, ainda em missão diplomática, para a Presidência do Brasil.

Fredys Orlando Sorto, ao comentar "a condição da pessoa humana no Projeto de Código de Direito Internacional Público de Epitácio Pessoa", indica, na obra deste, este ponto mais conforme à doutrina tradicional do Direito Internacional Público, que somente reconhecia personalidade aos entes dotados da capacidade de fazer a guerra e celebrar tratados, isto é, os Estados, e contrasta-o à evolução doutrinária que, principalmente diante do desenvolvimento do Direito Internacional dos Direitos Humanos, reconhece a personalidade no âmbito internacional também aos indivíduos.

Gustaaf Janssens, ao comentar a relação pessoal entre o Presidente Epitácio Pessoa e o rei belga Albert I, bem como a solidariedade prestada pelo Brasil à Belgica em 1914 quando do ataque perpetrado pela Alemanha e o estabelecimento de parcerias comerciais que renderam ensejo à recuperação do reino europeu, salienta o traço comum aos dois governantes quanto à preferência pelas soluções da concórdia e da conformidade ao Direito, e aos esforços por que por meios pacíficos se resolvessem as controvérsias internacionais.

Já Gustavo Ferreira Ribeiro, a quem coube examinar "o comércio internacional no Projeto de Código de Epitácio Pessoa", contextualiza o Brasil no comércio internacional na transição do século XIX para o século XX, quando era exportador, principalmente, de café, ensaiando diversificação no que toca, por exemplo, à borracha, a experiência brasileira em tratados bilaterais de amizade, comércio e navegação,bem como de participação nas Conferências Pan-Americanas (1889-1890, 1901-1902, 1906, 1910, 1923 e 1928) e a mudança do eixo diplomático brasileiro de Londres para Washington durante a gestão, à frente o Ministério das Relações Exteriores, do Barão do Rio Branco, quando foi cometida a Epitácio Pessoa a tarefa de confeccionar o Código, orientando a disciplina do comércio internacional, principiando pelo tratamento da "liberdade de trânsito", ressalvando o poder dos Estados disciplinarem, como bem lhes aprouvesse, o comércio uns com os outros, a liberdade de comércio marítimo, desde que respeitadas as disposições de natureza fiscal, sanitária e policial, a medida do tratamento igualitário entre nacionais e estrangeiros, a uniformização de pesos e medidas, apontando para a semelhança com as soluções albergadas no GATT.

Ao dedicar-se João Carlos Jarochinski Silva ao estudo sobre "a guerra civil no Código de Epitácio Pessoa", aponta para a tentativa de se estabelecer um parâmetro para a disciplina das relações com terceiros países em tais contextos, sobretudo considerando as experiências de conflagrações vivenciadas pelo protagonista da coletânea, buscando, em primeiro lugar, evitar a definição normativa do conceito de guerra civil, bem como os deveres de não intervenção dos Estados estrangeiros, regulando, ainda, o reconhecimento do estado de beligerância, de tal modo que são atraídas, em relação aos revoltosos, as disposições relacionadas ao direito da guerra.

"O reconhecimento da beligerância no Projeto de Código de Direito Internacional de Epitácio Pessoa" é explorado por Jorge Luís Mialhe, ao situar tal conceito no contexto da preocupação de estabelecer regras de conduta para a guerra, minimizando, assim, os seus efeitos colaterais, sobretudo em relação às populações civis, indicando os precedentes internacionais de tentativa de codificação do Direito Internacional Público, salientando a contribuição epitaciana, bem como a atualidade do conceito de beligerância, no mínimo, para que mesmo a guerra civil não se converta no teatro em que vigora a regra segundo a qual tudo é permitido contra o vencido, trazendo ainda os problemas atuais do procedimento e dos efeitos do reconhecimento deste estado.

A contribuição de Lilian Castillo volta-se aos direitos e deveres dos Estados no Projeto de Código de Direito Internacional de Epitácio Pessoa, assinalando a influência, neste, dos conceitos desenvolvidos por Johann Kaspar Bluntschli, embora avançando em domínios sequer cogitados por este último, como a alusão a um direito dos Estados proverem a respectiva conservação e prosperidade e o dever respectivo de não utilizarem símbolos de outros, marcando o Projeto, como um todo, diante das soluções adotadas em termos de Tratados, como demonstrativo de um sólido conhecimento do Direito Internacional e de uma efetiva capacidade de inovar.

Liliana Lyra Jubilut, ao comentar "o conceito de soberania: modificações e responsabilidade", trabalha a evolução teórica deste fundamento do Direito Internacional Público, a partir do século XVI, e da evolução de sua compreensão na prática das relações internacionais desde a Paz de Westfália, realiza a análise da variação das limitações a que se pretendeu submeter a soberania nos âmbitos interno e externo, bem como do tratamento procedido pelo Projeto Epitácio Pessoa às noções de "domínio reservado", "não intervenção", "igualdade entre os Estados" e "responsabilidade", examinando, a seguir, a evolução do Direito Internacional Privado no pós Segunda Guerra, com a criação da ONU, o período da Guerra Fria e a contínua preocupação em não se estabelecer sinonímia entre "soberania" e "onipotência" (p. 265), no que permaneceria atual a preocupação do homenageado.

Luciana Pessanha Fagundes examina os "rituais de hospitalidade e encenações da história: visitas de Chefes de Estado no Governo de Epitácio Pessoa (1919-1922)", partindo do pressuposto de que visitas desta natureza teriam como escopo a construção de alianças, e analisa o que significaram elas num contexto de consolidação de uma política externa brasileira voltada aos EUA, bem como os próprios acordos comerciais firmados com a Bélgica - de que teria sido também decorrência a instalação, em 1921, da Companhia Siderúrgica Belgo-Mineira - e o fortalecimento dos vínculos de amizade com Portugal, então ainda combalido pela crise que, em 1926, iria render ensejo ao protagonismo de um Oliveira Salazar.

Marcelo D. Varella, ao versar o "Direito Humanitário no início do século XX e a codificação de Epitácio Pessoa", salienta que esta, não obstante não tivesse, no particular, inovado, tomou posição em temas polêmicos à época, como a proteção da população civil, as garantias desta e dos servidores públicos nos territórios ocupados, os direitos dos feridos e do pessoal ligado à prestação dos serviços de saúde, os direitos e deveres em relação aos territórios ocupados, de tal sorte que a sua ousadia consistiria em trazer tais posições para o "corpus" sistematizador.

O estudo "sobre a linha: o Código de Epitácio, o tema da fronteira e o Direito Internacional do Espaço", de Marcílio Toscano Franca Filho, examina o problema da delimitação territorial da soberania a partir da compreensão geométrica da linha e de sua função, separando superfícies, não desempenhando papel diverso no que tange à superfície onde se exerce a autoridade estatal, para perscrutar, a seguir, de que modo foram as questões concernentes aos requisitos para a demarcação e delimitação de fronteiras, bem como para o respectivo desaparecimento, foram equacionadas no Projeto Epitácio.

Ao discorrer sobre o tratamento da "propriedade intelectual no Projeto de Código de Direito Internacional de Epitácio Pessoa", salienta Maria Edelvacy P. Marinho as características peculiares do bem imaterial, a expansão da proteção deste para além das fronteiras dos Estados, a distinção, neste campo, entre a concorrência das legislações entre si e a cooperação internacional, a inserção da temática no artigo 278 do Projeto, pressupondo a distinção dos regimes de propriedade industrial, de um lado, e de propriedade artística e literária, de outro, a modificação da metodologia de elaboração dos Códigos de Direito Internacional Público (a cargo de Epitácio Pessoa) e de Direito Internacional Privado (a cargo de Lafayette Rodrigues Pereira), em 1912, que conduziu a que a matéria viesse a ser versada, mais tarde, no Código Bustamante.

Matheus de Oliveira Lacerda, ao comentar "a codificação do Direito Internacional Público: a materialização do padrão realista jurídico-pragmático da política externa brasileira", discute as origens do panamericanismo, o pragmatismo brasileiro na condução de sua política externa em meio a potências militarmente mais poderosas, e o papel desta prática na elaboração do Projeto Epitácio Pessoa.

Cabe a Rogério Duarte Fernandes dos Passos versar "a estruturação da nacionalidade e a condição jurídica dos nacionais e estrangeiros à luz do Código de Direito Internacional Público de Epitácio Pessoa", retomando as noções de nacionalidade e cidadania, mostrando o tratamento particularizado da questão da nacionalidade em relação à pessoa humana, aos navios e aeronaves, aos efeitos decorrentes da cessão territorial, à situação da mulher casada e dos filhos menores, à proteção diplomática, à responsabilidade dos nacionais por fatos verificados no exterior, à condição jurídica do estrangeiro, bem como dos problemas relacionados à aquisição de bens imóveis por pessoas jurídicas de direito público estrangeiras.

Rui Décio Martins versa, em pormenor,  o tema do nascimento dos Estados para os efeitos do Direito Internacional Público, até hoje carecedor de uma disciplina procedimental específica, regrado somente pela prática consuetudinária, no estudo intitulado "Dos Estados. Reconhecimento. Ontem e hoje".

Salem Hikmat Nasser e Adriane Sanctis de Brito, ao estudarem a "unidade, fragmentação e regimes jurídicos: narrativas de hoje e de Pessoa", examinam a busca da sistematização mediante o Projeto, em especial, como uma aspiração voltada a reduzir as colisões presentes em um contexto de relações jurídicas disciplinadas de modo fragmentário.

A contribuição, no tocante às relações internacionais, de "Rui, Epitácio e Fernando Henrique: do Brasil para o mundo" é dissecada minuciosamente por Susana Camargo Vieira.

"Epitácio Pessoa e o Direito Internacional americano" é o texto que cabe a Ulysses da Silveira Job, contextualizando a elaboração do Projeto em meio a uma identidade das Américas que se pretendia afirmar ante a comunidade internaciona, respeitando os princípios e valores presentes já em tratados preexistentes e harmonizando-os num texto único, adiantando-se a seu tempo em várias nuanças, como o status da mulher casada, medidas concernentes à circulação física, disciplina das soluções pacíficas de controvérsias internacionais, terminando por um comentário à sua atuação em questões de interesse americano.

Os "apontamentos do Direito dos Tratados no Projeto de Código de Direito Internacional Público de Epitácio Pessoa",  a cargo de Valério de Oliveira Mazzuoli, encerram esta primeira parte, salientando a influência do Projeto, neste campo, sobre a Convenção de Havana de 1928, bem como os pontos que vieram a ser superados, em especial no tocante à forma e à validade dos Tratados, com a evolução do Direito Internacional.

A seguir, é reproduzido o Projeto comentado nos estudos anteriormente resenhados.

Por fim, o retrato pessoal do jurista e político a que esta obra é dedicada, com a nota bibliográfica assinada por Joyce Sant'Anna Simões e Renato José Ramalho Alves, bem como fotografias ligadas à sua atuação no âmbito das relações internacionais.


Num momento em que se discutem temas como a permanência da distinção entre civilização e barbárie, da necessidade ou da superação da era das codificações, dos abalos que a própria ideia de soberania sofre diante da homogeneização jurídica do espaço econômico, a que se dá o nome de globalização, em que povos ocupantes de espaços territoriais buscam, por um lado, o reconhecimento e, por outro, comparecem forças não ligadas a nenhum Estado que se tornam atores impensados aos tempos em que se celebrou a Paz de Westfália, uma obra como a presente mais que se justifica, como uma das grandes contribuições brasileiras na tentativa de reduzir o quanto de arbitrário que ainda existe no âmbito das relações internacionais.

sexta-feira, 8 de maio de 2009

TRIBUTAÇÃO, MITO E REALIDADE

Tipke, Klaus & Lang, Joachim. Direito Tributário. Trad. Luís Dória Furquim. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris,2008, v. 1, 765 p.

Para os cultores da Filosofia do Direito, do Direito Constitucional, do Direito Internacional, do Direito Comunitário e do Direito Econômico, além, é claro, dos voltados ao Direito Tributário, é auspicioso que a tradução desta obra, considerada um clássico, venha a lume no Brasil, ainda mais nos tempos que correm, em que há uma grita generalizada contra a tributação, enquanto uma atividade que comprometeria, supostamente, a eficiência do funcionamento da economia baseada na livre iniciativa. A multiplicidade de informações prestadas com riqueza de detalhes, aprofundando cada um dos temas, torna extremamente difícil a elaboração de resenha para este livro - no qual não existe, sem qualquer hipérbole, nenhuma palavra irrelevante - dos dois eminentes Professores da Universidade de Colônia, Alemanha. Com efeito, a partir da constatação de que, dentre todos os ramos do Direito, o Direito Tributário seria o que se mostraria mais marcado pelo encontro do particular com o Estado, e somente poderia ser concebido enquanto parte de um ordenamento jurídico de orientação liberal, por pressupor a propriedade privada garantida como direito individual. O tratamento do Direito Tributário em sua dimensão constitucional, bem como nos contextos internacional e comunitário, a identificação dos princípios gerais que norteariam a disciplina, bem como a opção clara pela Teoria Sistemática de Canaris como a que asseguraria maior coerência da edição e aplicação da legislação tributária com os princípios do Estado de Direito e do Estado Social, os problemas gerados em relação à legitimação dos gravames tributários a ponto de criarem no imaginário popular a percepção dos delitos fiscais como "delitos de cavalheiro", a possibilidade do uso extrafiscal do tributo encontrando como limites a preservação do mínimo existencial e da propriedade privada, a inferência do princípio da capacidade contributiva do princípio da igualdade geral e a incompatibilidade com tal princípio da tese fisiocrática do imposto único, o tratamento dos tributos no contexto do Estado Federal, os cânones hermenêuticos adequados à temática tributária, o início do exame dos tributos em espécie a partir das dificuldades com a fixação do montante passível de tributação no que tange ao imposto de renda são alguns dos temas que vêm versados nesta obra, com a necessária profundidade, contribuindo para o esclarecimento de conceitos e a dissolução de preconceitos acerca da matéria. Cabe, agora, uma palavra sobre a tradução levada a cabo pelo Prof. Luís Dória Furquim. A rigor, a despeito de determinadas questões como a identificação do Wirtschaftsrecht - Direito da Economia -, conjunto de todas as normas jurídicas de conteúdo econômico em cada um dos ramos do Direito, com o Direito Econômico, que é ramo do Direito autônomo, cujas normas se inserem, contudo, no Direito da Economia, ela é, além de primorosa, um trabalho hercúleo, quer pelo volume de páginas traduzido, quer pela preocupação em manter a atualidade dos conceitos ali presentes, quer pela preocupação com a fidelidade ao ponto de urdir neologismos (como "jusestatalidade", para referir a qualidade inerente ao Estado de Direito) para ofertar maior correspondência às idéias originais do texto, que deve ser valorizado, no mínimo, por quantos desejem fazer uma investigação séria em sede de Direito Comparado, vencendo as barreiras idiomáticas.

ORDENAMENTOS JURÍDICOS EM CONCORRÊNCIA

Wegner, Gerhard. Instituições nacionais em concorrência. Trad. Urbano Carvelli. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 2007.
Os tempos que ora correm, em que se pretende a superação das soberanias estatais em prol da conversão do mundo em um grande mercado regulado exclusivamente pelo que os agentes econômicos decidirem livremente em seus contratos – a denominada lex mercatoria - , mostram a oportunidade da publicação desta obra do eminente Professor da Universidade de Erfurt. O problema da convivência de diferentes tipos de regulamentação da economia entre os Estados participantes da União Européia e seus efeitos sobre a concorrência entre os agentes econômicos no âmbito daquela Comunidade Internacional, e, fora desta, no âmbito das relações internacionais econômicas, rastreando as discussões que se travaram no âmbito dos foros internacionais acerca dos limites e possibilidades do estabelecimento de uma autoridade que assegurasse a concorrência internacional, as relações que se estabelecem entre os produtos e serviços migrando de uma concorrência baseada exclusivamente nas características intrínsecas a eles para uma concorrência entre regimes jurídicos, os efeitos das regulamentações tanto na restrição às possibilidades de decisão dos agentes econômicos como no subministrar elementos para a tomada de decisões, tais são alguns dos temas que são versados nesta obra, que dialoga constantemente com as teses do denominado Ordoliberalismo, corrrente de pensamento jurídico e econômico voltada a adaptar a visão liberal clássica aos tempos posteriores à II Guerra, reagindo ao intervencionismo, na qual se destacam nomes como Walter Eucken e Friedrich August von Hayek. A questão da adequação da concorrência entre as instituições exteriores ao mercado, de tal sorte que umas podem ser mais conformes às preferências dos destinatários dos ordenamentos do que outras, revela, aqui, no pensamento do autor que ora se resenha, uma outra faceta da relação entre a economia e o Direito, no sentido de que esta mesmo passa a ser visto como um artigo de consumo – os agentes econômicos buscam os ordenamentos que se mostrem menos restritivos em questões como relações trabalhistas, consumo, meio ambiente, os consumidores, por seu turno, encontram na regulamentação uma possibilidade maior de obterem as informações acerca dos bens e serviços a serem adquiridos -, o que, modo certo, não deixa de trazer outros temas recorrentes, como o da tendência da concorrência entre instituições se colocar em sentido oposto à da concorrência econômica, ou seja, se esta tende à concentração, aquela tende à perpetuação e, por outro lado, a própria negociação em torno do ordenamento a ser escolhido para reger as transações realizadas no mercado, como tem sido comum nos contratos internacionais dotados de cláusula de arbitragem. Claro que, de certo modo, não deixa de se mostrar algo chocante o tratamento dos ordenamentos jurídicos como artigos de consumo, postos à negociação no mercado: contudo, não se pode negar que tal ponto de vista, dentre os juristas, sequer constitui novidade, porquanto na doutrina do Direito Internacional Privado tem sido recorrente a tese da possibilidade de as partes escolherem o ordenamento jurídico que deverá reger a solução das controvérsias que se instaurarem em torno de seus contratos. Por outro lado, a tendência a perpetuação da concorrência entre os ordenamentos jurídicos – não só as vicissitudes do MERCOSUL como as da própria União Européia ilustram tal assertiva – vem a traduzir um contraditor nada desprezível à idéia de homogeneização do espaço jurídico econômico que se pretende nominar como globalização. Em suas oitenta e oito páginas, a obra vem a se mostrar uma das mais vivas explicitações do acerto da frase de Bobbio quanto a não ser bastante sustentar a prevalência do econômico para merecer a qualificação de marxista. Em que pese a concisão, vários temas são versados na obra ora resenhada, como se pôde ver, abrindo caminhos para um sem-número de pesquisas para quantos tenham interesse nos temas da concorrência, da globalização e da formação de Comunidades Econômicas.

quarta-feira, 6 de maio de 2009

TEMAS VERSADOS EM OBRAS INDIVIDUAIS DO RESPONSÁVEL POR ESTE BLOG

Camargo, Ricardo Antônio Lucas. Doutor em Direito Econômico pela Universidade Federal de Minas Gerais. Membro da Fundação Brasileira de Direito Econômico e do Instituto Brasileiro de Advocacia Pública – IBAP/RS


OBRAS INDIVIDUAIS

Breve introdução ao Direito Econômico. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1993.

Discutem-se nesta obra os caracteres distintivos dos ramos do Direito para se investigar o caráter do Direito Econômico enquanto tal, para o efeito de interpretar o texto do inciso I do artigo 24 da Constituição brasileira de 1988.

Direito Econômico e reforma do Estado – 1 – a experiência européia de Constituição Econômica “socialista”: bases para a crítica. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, Data, 1994. Prefácio da Profa. Luíza Helena Moll.

Pelo exame das Constituições dos Países da Europa do Leste antes da queda do Muro de Berlim e de Portugal, procura-se identificar o que caracterizaria como “socialista” um ordenamento jurídico, bem como quanto haveria de socialismo nas Constituições tanto dos Países da Cortina de Ferro quanto na Constituição de Portugal, após a Revolução dos Cravos, como base para uma crítica responsável.

Direito Econômico e reforma do Estado – 2 – o “liberalismo” na experiência francesa, alemã, italiana e comunitária. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, Data, 1994. Prefácio do Prof. Werter R. Faria.

O exame dos ordenamentos jurídicos dos Países que deram início à formação da Comunidade Européia, bem como o desta, vem para o efeito de se verificar o quão coerentes teriam eles sido com os postulados de um liberalismo puro, ao mesmo tempo em que se procuram identificar os institutos neles adotados, como a co-gestão, e a economia concertada.

A atualidade dos direitos econômicos, sociais e culturais. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, Data, 1995. Prefácio do Min. Ruy Rosado de Aguiar Jr.

A partir de uma premissa positivista, o texto investiga a sobrevivência dos direitos econômicos, sociais e culturais, no contexto de um mundo que aponta para uma liberalização da economia e para um discurso voltado à retração da atuação estatal no domínio econômico, bem como para a própria exeqüibilidade de tais direitos.

Ordem jurídico-econômica e trabalho. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1998.

O trabalho, aqui, é tratado como objeto da regulamentação da política econômica, em enfoque diverso, embora complementar, do Direito do Trabalho, envolvendo questões como o Direito ao Trabalho, a participação dos empregados nos lucros da empresa, o trabalho escravo, as migrações internas, e os desafios impostos à solução para estes problemas nos quadrantes do Estado Democrático de Direito.

O capital na ordem jurídico-econômica. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1998.

O capital é, aqui, versado sob enfoque diverso daquele posto pelo Direito Comercial, adentradas as questões concernentes à política econômica a ele referentes, como a alienação de controle das companhias abertas, com sua influência no que tange ao poder dos agentes econômicos no mercado, a propriedade industrial, a especulação imobiliária, o tratamento dos lucros perante o Direito, os contratos ligados ao mercado de capitais, o tratamento dos juros e do mercado de bens simbólicos.

Agências de regulação no ordenamento jurídico-econômico brasileiro. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 2000.

O tema das agências reguladoras é tomado a partir do questionamento do quanto de, efetivamente, novo existiria em sua criação, e como se poderiam enquadrar no desenho constitucional pátrio, bem como as possíveis perplexidades que se poderiam identificar pelas premissas identificadas na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal ao manusear os conceitos que são trazidos nesta obra.

Direito Econômico – aplicação e eficácia. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 2001. Prefácio do Prof. Washington Peluso Albino de Souza.

Neste livro – versão comercial da tese de doutoramento do autor defendida em 5 de agosto de 1996 -, discutem-se as vinculações entre o Direito Econômico e o Direito Processual, sem se chegar, por um lado, a um Direito Processual Econômico e trazendo à balha, por outro, o papel da jurisprudência em relação à política econômica.

Os meios de comunicação no Direito Econômico. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 2003.

Esta obra pretende iniciar um debate sobre o regime jurídico dos meios de comunicação enquanto objeto de atividade econômica e enquanto centros de poder econômico, ao mesmo tempo em que se coloca a sua inserção enquanto instrumentos de agentes econômicos vinculados a atividades diversas.

Interpretação jurídica e estereótipos. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 2003. Prefácio do Dr. Paulo Peretti Torelly.

Discute-se aqui, a partir de quatro textos aparentemente independentes, interligados, contudo, por um motivo condutor, o papel dos estereótipos na predeterminação do sentido do objeto interpretado, e como isto vem a afetar, necessariamente, a interpretação dos textos jurídicos, seja no campo da legislação, seja no campo da doutrina, a partir do pensamento de Arthur Schopenhauer e de um quadro de Eugène Delacroix.

Advocacia Pública – mito e realidade. São Paulo: Memória Jurídica, 2005. Prefácio do Dr. Luiz Vicente de Vargas Pinto.

Procura-se lançar as bases para a identificação dos traços essenciais do que sejam as carreiras voltadas à Advocacia Pública – disciplinadas nos artigos 131, 132 e 134 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 -, bem como a ligação com temas como os direitos humanos, as ações civis públicas e de improbidade administrativa e a evolução do sentido de “economicidade” nos pareceres da Procuradoria-Geral do Estado do Rio Grande do Sul.

Direito Econômico e Direito Administrativo – o Estado e o poder econômico. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 2006.

A partir da polêmica acerca de constituir ou não o direito econômico ramificação do Direito Administrativo, a obra mostra, pelo estudo de temas comuns a ambos, que, embora se trate de ramos distintos do direito, não há, necessariamente, entre eles, relação de exclusão, mas sim de complementariedade e, mediante este enfoque, são examinados, à luz da doutrina e jurisprudência, temas como a privatização da economia, o neoliberalismo em face da dicotomia público/privado, exemplos históricos - o Convênio de Taubaté e a Madeira-Mamoré - de atuação do estado no domínio econômico em que os interesses deste e do empresariado privado não se mostraram antagônicos, a operacionalização do dispositivo constitucional que integra o mercado interno no patrimônio público nacional, os aspectos jurídicos da política econômica de transportes, os balizamentos da aplicação da súmula 473/STF em se tratando da política econômica pública e as conseqüências da definição do planejamento.

Direito Econômico, Direito Internacional e Direitos Humanos. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 2006.

Em tempos de globalização da economia, a identificação do referencial jurídico para a adoção de medidas de política econômica, bem como as suas repercussões no âmbito do Direito Internacional e na própria compreensão dos direitos humanos, vem a ser a principal preocupação desta obra. O desafio proposto é tratar temas como as tensões poder econômico público/poder econômico privado, a amplitude da autonomia da vontade negocial em face da ordem pública (bem como a extensão desta última), a medida em que os interesses dos seres humanos mereceriam tutela jurídica e o pensamento que subjaz às correntes que a restringem, o papel do utilitarismo e do economicismo como parâmetros hermenêuticos na própria definição dos sujeitos de direito, sem enveredar pelos passionalismos que normalmente inçam tais discussões, não deixando, entretanto, de posicionar-se acerca de cada um deles.

Liberdade de informação, direito à informação verdadeira e poder econômico. São Paulo: Memória Jurídica, 2007.

Primeiro livro de uma tetralogia, utilizando como metáfora a tragédia Hipólito, de Eurípides, a obra procura aprofundar o problema da instrumentalização de conceitos trazidos pelo liberalismo político, tais como a liberdade de manifestação do pensamento e de informação, condicionados pelo direito à informação verdadeira e pelo próprio tratamento da concentração dos meios de comunicação em sede constitucional.

Direito Econômico, Direitos Humanos e segurança coletiva. Porto Alegre: Núria Fabris, 2007. Prefácio do Prof. Alberto Dias Vieira da Silva.

Recordando a advertência de Carlos Maximiliano, segundo a qual quem somente conhece o Direito nem mesmo a este conhece, o autor se propõe, a partir de um encontro entre a Literatura, o Direito, a Filosofia e a Economia, a uma reflexão sobre os problemas da insegurança na vida atual e as suas relações com a ordem jurídico-econômica, trabalhando, como metáfora, uma tragédia grega escrita no século V a.C. - Hécuba, de Eurípides -, a respeito de um episódio que se seguiu a Guerra de Tróia, dando seguimento à tetralogia. O livro não se destina somente ao bacharel em Direito, embora este seja o público preferencial, pela própria formação do autor, mas a quantos se preocupem tanto com o problema da segurança coletiva quanto com as manipulações que por vezes, têm sido feitas em seu redor para se justificar, inclusive, o esquecimento de conquistas da civilização na redução do arbítrio e na viabilização da convivência entre os seres humanos.

“Custo dos direitos” e reforma do Estado. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 2008. Prefácio do Prof. Fernando Antônio Lucas Camargo.

O discurso em voga no sentido de que alguns dentre os direitos humanos não teriam como ser realizados, tendo em vista o custo que acarretam, bem como o próprio dado de implicarem a adoção de uma postura ativa por parte do Estado que iria contra o movimento em prol da minimização deste, vem a ser objeto de análise, tomada por metáfora uma tragédia grega do século V a. C. - As fenícias, de Eurípides -, mediante o exame da concepção contratual que vem a ser difundida em relação ao serviço público, com ênfase especial para a Análise Econômica do Direito, das noções e espécies de custo - bem como a verificação de sua evitabilidade ou inexorabilidade -, do histórico da denominada "ampliação dos direitos", dos meios pelos quais o Estado se faz presente no domínio econômico sem qualquer objeção do empresariado - como na tutela coercitiva do direito de propriedade e do cumprimento dos contratos e no fomento econômico -, dos instrumentos mediante os quais o Estado vem a diminuir a sua atuação direta no domínio econômico, com as implicações financeiras daí decorrentes - como a alienação de participação societária, a abertura de capital, o estabelecimento de ações de classe especial, a alienação, arrendamento, locação, comodato ou cessão de bens ou instalações das empresas estatais, os contratos de gestão, as Parcerias Público-Privadas -, ilustrando, por vezes, com precedentes tanto das Cortes brasileiras quanto da Corte Interamericana de Direitos Humanos.

Mercado de precatórios e crédito tributário. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 2008.

Discutem-se os problemas decorrentes da possibilidade aberta pelo § 2º do artigo 78 do ADCT em relação à utilização dos precatórios como “moeda” para o pagamento de créditos tributários, especialmente no que diz respeito à mercantilização dos créditos judiciais, às funções da moeda e ao desequilíbrio estabelecido entre os agentes do mercado, à luz da jurisprudência.

ICMS e equilíbrio federativo na Constituição Econômica. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 2008.

Esta obra se volta às repercussões do tratamento jurisprudencial do diferencial de alíquotas do ICMS nas operações interestaduais em face dos princípios da proteção à concorrência e da redução das desigualdades regionais e sociais, tomada a Constituição como um sistema.

Direito, globalização e humanidade. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 2009. Prefácio do Prof. Luís Afonso Barnewitz.

Encerrando a tetralogia, a partir da tragédia Medéia, de Eurípides, a obra pretende discutir até que ponto o avanço da globalização não teria colocado em cheque o próprio conceito de sujeito de direito e, mesmo, a identificação deste com a condição de integrante da humanidade, pela paulatina substituição dos ordenamentos jurídicos nacionais e internacional pela lex mercatoria e pela sobrevalorização da utilidade do indivíduo ou da categoria de indivíduos para o mercado como critério de respeitabilidade.

Advocacia Pública e Direito Econômico - o encontro das águas. Porto Alegre: Núria Fabris, 2009. Prefácio do Prof. Mário Lúcio Quintão Soares.
Nestes tempos em que, por um lado, a presença, em maior ou menor intensidade, do Estado em vários domínios - especialmente o econômico - vem a colocá-lo como partícipe necessário de um sem-número de relações jurídicas, sua configuração enquanto Estado de Direito vem a trazer à baila sua presença freqüente em juízo e a necessidade da especialização de um corpo de profissionais tanto para sua defesa em litígios quanto para a tutela da higidez de sua atuação no âmbito da legalidade. Esta obra vem como uma coletânea de textos destinada a estimular a reflexão sobre estes dois temas, reflexão, esta, indispensável para a adequada compreensão da própria idéia de reforma do Estado.

NA PROTO-HISTÓRIA DO DIREITO INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS

Azevedo, Luiz Henrique Cascelli de. Jus gentium em Francisco de Vitória – a fundamentação dos Direitos Humanos e do Direito Internacional na tradição tomista. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 2008, 256 p.
O autor, Consultor Legislativo da Câmara dos Deputados, vem a preencher uma lacuna de que a literatura jurídica se ressentia, ou seja, a contribuição de Frei Francisco de Vitória (1483?-1546) à formação do direto internacional público e, especialmente, do direito internacional dos direitos humanos. Com efeito, antes de Bartolomé de las Casas (http://viagensamerica.blogspot.com/2009/03/escada-e-espiral-capitulo-15.html), este teólogo dominicano vem a compadecer-se da sorte dos índios da América e, a partir de Santo Tomás de Aquino e de Aristóteles, trazia argumentos notáveis quanto à unidade do gênero humano, no qual estavam incluídos os selvagens. A evolução do conceito do ius gentium, desde Aristoteles, passando pelos romanos Cícero, Gaio, Ulpiano, chegando a Justiniano, pelos teólogos Agostinho de Hipona, Isidoro de Sevilha e Alberto Magno até chegar a Santo Tomás de Aquino, fonte principal de Vitória, é estudada minuciosamente, para apontar para a semeadura das noções fundamentais do Direito Internacional Público e da própria temática dos Direitos Humanos, posto o pensador escolhido na condição de habitante da fronteira entre o teocentrismo medieval e o humanismo renascentista, abrindo ensejo, inclusive, à consideração da projeção universal do ser humano enquanto titular, em si mesma, de direitos.
Para que se verifique a importância da obra que ora se resenha para o estudioso do Direito Econômico, é preciso recordar que Vitória atuou precisamente aos tempos em que a filosofia mercantilista imperava nos Estados Nacionais europeus e foi o grande motor da aventura colonial. Por outro lado, após a queda do Muro de Berlim, houve toda uma movimentação no sentido de reduzir o ser humano às dimensões de produtor, investidor, trabalhador ou consumidor, de tal sorte que, quem não se pudesse enquadrar em nenhuma destas categorias não mereceria consideração inclusive como pessoa - a função econômica enquanto passaporte para a dignidade humana -, comprometendo a idéia da unidade do gênero humano como se fosse uma bem-intencionada, mas catastrófica, porque contrária à eficiência econômica, utopia, de tal sorte que o Direito passava a sofrer transformações no sentido do reforço do poder econômico privado, com a adoção de um processo intenso de desregulamentações e privatizações, e a restrição aos gastos públicos erguida como fundamento para denegar a concreção de direitos que não se enquadrassem dentre os clássicos direitos patrimoniais. A revisita a Vitória, ainda mais depois da crise de 2008, para superar a tentativa da redução do Direito ao econômico, impõe-se para dialogar com tal tendência.