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domingo, 22 de novembro de 2009

DIREITO CONCURSAL, EFICIÊNCIA E FUNÇÃO SOCIAL

CASTRO, Moema Augusta Soares de & CARVALHO, William Eustáquio de [coord.]. Direito Falimentar contemporâneo. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 2008.

A obra que ora se resenha tem como origem os debates travados no seio da Pós-Graduação da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais e se propõe a ser um ponto de partida sobre uma das matérias que mais angustiam a quantos se preocupam com a questão maior de se dar solução adequada a crises.

Eduardo Goulart Pimenta, ao analisar as atribuições e o perfil do administrador judicial, do gestor judicial e do comitê de credores na Lei 11.101/05, refere que o primeiro, como resultado da reestruturação das tradicionais figuras do síndico da falência e do comissário da concordata, pessoa física com habilitação específica ou jurídica especializada, seria o principal auxiliar do juízo na condução dos processos de falência e de recuperação judicial, e se distinguiria, por seu caráter eminentemente fiscalizador do feito e da conduta do devedor, do gestor judicial, que seria a pessoa física habilitada ou jurídica especializada, que seria nomeada pela assembléia geral de credores para gerir a empresa devedora, no caso de os gestores originários incorrerem em alguma das situações aptas, de acordo com a lei, comprometer a respectiva credibilidade, e discute as vantagens e desvantagens, sob o prisma da eficiência, da instituição, em cada processo, do comitê de credores, para a concreção do princípio da preservação da empresa que inspira o diploma sob comentário.

A discussão dos aspectos da sucessão do falido e do empresário em recuperação judicial na Lei 11.101/2005, feita por Fábio Guimarães Bensoussan, parte do pressuposto de que o enfoque legislativo “é norteado pela idéia da preservação da empresa como unidade geradora de empregos e de tributos, através de sua recuperação ou reorganização” (p. 31), e se volta ao afastamento, como regra geral, da sucessão tributária e trabalhista na hipótese de alienação de estabelecimento em processo de falência e recuperação judicial, voltando-se a tornar mais atrativa ao investidor a aquisição de ativos de empresa em apuros.

Felipe Fernandes Ribeiro Maia, ao esmiuçar a tensão recuperação judicial vs. Fisco, a partir do escopo da lei no sentido de assegurar que a empresa desempenhe sua função social, discute a abrangência da exclusão da sucessão tributária, a exigência da apresentação da prova de quitação de todos os tributos e a compatibilidade do parcelamento tributário com o princípio da par conditio creditorum, sustentando merecer rechaço qualquer interpretação que não venha em benefício do empresário e do estímulo da atividade econômica e venha em benefício do Fisco.

Marcelo Vieira de Mello versa a situação dos créditos dotados de garantia na recuperação judicial como inspirada no escopo de redução das taxas de juros bancários, ante a relação destes com as dificuldades de recuperação, por parte das instituições financeiras, dos valores por eles mutuados, distinguindo: (a) as garantias pessoais e reais; (b) o regime da concordata, que excluía os créditos não quirografários, e o da recuperação judicial, que os abrange; (c) o tratamento dos credores com garantia pessoal, equiparados aos quirografários, e o dos credores com garantia real. Traz, ainda, ao debate a possibilidade de substituição ou renovação da garantia, que será acolhida ou rejeitada pelo juiz tendo em vista a aptidão para concretizar o princípio da preservação da empresa enquanto atenda à sua função social.

As teses envolvendo o Supremo Tribunal Federal e a nova lei de falências são discutidas na contribuição ofertada por Marcelo de Andrade Feres, na qual sustenta a constitucionalidade da distinção, em termos de valores, para fins de assegurar a preferência, do tratamento dado à restituição do numerário ofertado em adiantamento de câmbio para exportação e da prioridade aos créditos constituídos durante a recuperação judicial, como medidas destinadas a coibir as fraudes em relação à coletividade de credores, beneficiando, assim, os realmente necessitados, a diminuir os riscos de inadimplência no que tange ao comércio internacional, com repercussões nas taxas de juros, e a propiciar a recuperação da empresa, de sorte que se mostre vantajosa, inclusive para os credores, o restabelecimento e manutenção da fonte produtora, geradora de empregos e de recursos tributários.

Partindo do pressuposto da impossibilidade de se conceber a atividade mercantil sem o crédito enquanto catalisador da circulação da riqueza e tendo em mente o papel do juízo concursal enquanto instrumento de sua proteção, Moema Augusta Soares de Castro debate a ordem de preferência dos credores, com foco nos créditos trabalhistas na falência, principiando pelos efeitos desta sobre os créditos em geral, a classificação destes de acordo com a lei, as razões do tratamento dos créditos trabalhistas superiores a cento e cinqüenta salários mínimos como quirografários – apontando os motivos por que as vê como “uma falácia” (p. 135) -, a questão da subsistência dos contratos de trabalho mesmo após da decretação da falência, bem como a atração, a partir da constituição do respectivo título executivo, da execução trabalhista ao juízo falimentar.

Natália Cristina Chaves discute o teor do artigo 59 da Lei 11.101, de 2005, indagando se a situação nele prevista traduziria novação ou inovação, dado que aquela categoria jurídica implica extinção – e, ipso iure, liberação – do devedor da obrigação originária, substituindo-se-a consensualmente por uma nova, ao passo que, com o escopo de assegurar que a empresa superasse o estado de crise econômico-financeira, viabilizando-lhe o atendimento da função social, foi determinado no aludido artigo que o plano de recuperação, uma vez aprovado, implicaria novação de todas as obrigações anteriores, sem prejuízo das garantias e privilégios, de tal sorte que a satisfação plena do que no plano se contenha implicaria a liberação do devedor, ficando, entretanto, o efeito novativo sob condição resolutiva, vez que, não cumprido o plano e convolada em falência a recuperação, estariam restabelecidas as obrigações antigas, com todos os seus caracteres.

Ao realizar apontamentos sobre o princípio da preservação da empresa, William Eustáquio de Carvalho vem a extrair seu fundamento primeiro do princípio da função social da propriedade, merecedor de exegese fiel à origem solidarista, no pensamento de Duguit, arredando, assim, a sua concepção meramente estática, em nome do tratamento da atividade empresarial como transcendendo o simples universo de obrigações entre a empresa e seus credores, assegurando, uma vez verificada a sua viabilidade, a mantença do abastecimento do mercado consumidor, a oferta de postos de trabalho – meio, por vezes, indispensável a que o mínimo existencial seja assegurado a um maior número de indivíduos, com o que se colocaria como uma das formas de realização da dignidade da pessoa humana – e a geração de recursos tributários, ao mesmo tempo em que se protege o crédito público e se intimida a inadimplência.

Segue-se estudo de Maria Celeste Morais Guimarães sobre as alterações no Código de Processo Civil em matéria de execução e suas repercussões na nova lei de falências, no qual, a partir do pressuposto de que esta buscou o equilíbrio entre a segurança no crédito e o fortalecimento das empresas enquanto meio de se concretizarem as aspirações do crescimento econômico e da redução das desigualdades sociais, distingue a ausência de pagamento e indicação de bens à penhora enquanto mero incidente na execução ou no cumprimento de sentença, da situação que rende ensejo à verificação do estado falimentar, que é a da execução frustrada pela ausência de bens suficientes a satisfazerem o crédito exeqüendo.

Leonardo Guimarães, por seu turno, verifica minuciosamente quais os documentos a serem acostados, obrigatoriamente, à petição inicial da recuperação judicial, extremando esta, como instituto processual-contratual, em que grande é a relevância da vontade manifestada pelos credores, da extinta concordata, como instituto tipicamente processual, comentando cada um dos fatos a serem reconstituídos e ressaltando os perigos de uma interpretação excessivamente formalista, que poderia, ao cabo, frustrar o emprego de um instrumento destinado a permitir à empresa séria, porém em dificuldades temporárias, “efetuar turnaround financeiro nessa situação, preservando-se a fonte produtora, geradora de empregos e de arrecadação do Estado” (p. 258).

Gustavo Oliva Galizzi & Leonardo Netto Parentoni questionam, a partir de artigo dos Profs. Baird & Rasmussen, publicado na Stanford Law Review, se a sugerida aplicação, pelos autores norte-americanos, da teoria da empresa de Ronald Coase, para atender a mecanismos mais ágeis e menos custosos para a realização dos créditos, é o fim da falência ou se, pelo contrário, em face da realidade da economia contemporânea, cuja forte competitividade determina a insolvência de quantos não tenham condições de enfrentar tal competição, impondo a sua expulsão do mercado e o estabelecimento de critérios que, ao invés de submeterem a realização do direito à maior agilidade do credor, venham a balizá-la pela maior relevância atribuída por lei a determinados créditos, não imporia a disciplina de um procedimento concursal, ainda mais quando se verifica o papel desempenhado pela empresa, no propiciar empregos, abastecer o mercado consumidor e gerar recursos para o erário, de tal sorte que a sua permanência no mercado deixa de ser apenas uma questão particular dos acionistas e dos credores privados para se converter em um problema social.

Claro que nem todas as teses que afloram na obra ora resenhada contam com a adesão do ora resenhista, como se pode registrar no tocante à renitência na caracterização da empresa como objeto e não como sujeito, que se vê, por exemplo, no último texto, ou à proscrição da interpretação que beneficie o Fisco, que se vê no texto de Felipe Ribeiro Maia. Entretanto, este e outros pontos merecedores de debate em outra ocasião não empanam a obra, que mostra, como traço de unidade, a caracterização da nova lei falimentar como a busca do equilíbrio entre a tutela do crédito e a preservação da empresa, para além da terapêutica cirúrgica, de simples expulsão do insolvente do mercado. De outra parte, os autores gravitam, ao analisarem a lei em questão, entre os postulados da Análise Econômica do Direito, buscando a interpretação mais acorde com a eficiência econômica, e os da doutrina solidarista de Duguit, no sentido de verificarem a melhor forma de assegurar o atendimento da função social por parte da empresa.

sábado, 27 de junho de 2009

RECUPERAÇÃO EMPRESARIAL E FUNÇÃO SOCIAL DOS BENS DE PRODUÇÃO

Corotto, Susana. Modelos de reorganização empresarial brasileiro e alemão - comparação entre a Lei de Recuperação e Falências de Empresas (LFRE) e a Insolvenzordnung (InsO) sob a ótica da viabilidade prática. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 2009.
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O texto sob comentário, versão comercial da tese de doutoramento defendida pela autora perante a Universidade Humboldt de Berlim, versa a evolução dos direitos concursais brasileiro e alemão de uma visão voltada muito mais à realização do ativo para a de uma reorganização da empresa, tendo em vista a repercussão que tem a quebra em termos não apenas de frustração da realização dos créditos como também no que tange ao recolhimento de tributos e ao próprio desenvolvimento econômico de um país.
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Historia o tratamento dado ao juízo concursal brasileiro desde as Ordenações Afonsinas, vigentes quando do descobrimento, passando de uma concepção voltada a excutir o patrimônio do devedor e obter a punição deste para uma outra destinada a preservar, basicamente, a unidade produtiva, a partir da distinção entre a falência sem culpa e com culpa, já adotada em Alvará do Marquês de Pombal posterior ao terremoto de Lisboa, passando pela introdução da concordata suspensiva pelo Código Comercial de 1850, pela substituição do pressuposto de "cessação de pagamentos" pelas noções de impontualidade e atos falimentares bem como pela introdução da concordata preventiva pelo Decreto 917, de 1890, pela instituição da concordata concedida por sentença por obra do Decreto-lei 7.661, de 1945, embora o período de vigência deste fosse marcado pelo desvirtuamento, na prática, dos institutos da falência e da concordata, até se chegar à vigente Lei 11.101, de 2005, que, voltada a dar maior concreção aos princípios constitucionais da função social da propriedade e do pleno emprego, atendendo, outrossim, a reclamos apresentados pelo Fundo Monetário Internacional e pelo Banco Mundial, tem a sua ênfase no processo de recuperação da unidade produtiva. São, a seguir, esmiuçados aspectos do tratamento dado ao devedor, pela recepção da teoria da empresa - a seu ver, caracterizada como atividade e não como sujeito de direito - e pela enumeração dos devedores excluídos do procedimento concursal por estarem sujeitos a regime próprio, o tratamento dado aos credores, indicando os créditos sujeitos e os não sujeitos ao regime concursal, o procedimento de verificação dos créditos para o fim de se elaborar o quadro geral de credores, o procedimento de recuperação de empresas cuja atividade se mostre economicamente viável, justificado pelo interesse público que existiria à volta da manutenção da atividade produtiva, devendo tal viabilidade ser avaliada de acordo com as circunstâncias do caso concreto, até chegar ao regime especial de recuperação das micro e pequenas empresas. Passa a examinar a evolução do direito falimentar tedesco, desde a Lei Concursal de 1877, voltada, predominantemente, ao devedor pessoa natural, seguindo inspiração eminentemente liquidatória, embora, para assegurar a continuidade da exploração da atividade econômica, fosse prevista, também, a alienação, total ou parcial, da empresa a terceiro enquanto se processava a liquidação do titular, passando pela Lei do Acordo, pela qual o devedor poderia evitar as conseqüências do juízo concursal ao propor acordo, fosse para a redução da dívida ou a dilação do pagamento, aos credores, desde que mostrasse honestidade e capacidade financeira para a satisfação de quota mínima estabelecida em 35%, as alterações legislativas decorrentes da frustração dos procedimentos falimentares a partir da crise verificada em 1973, para se chegar à Lei de Insolvências de 1994, que revogou tanto as leis precedentes em vigor na República Federal da Alemanha quanto as adotadas na antiga República Democrática da Alemanha, adotando como filosofia a reorganização patrimonial do devedor, tanto empresário quanto o devedor consumidor, centrando o seu enfoque no devedor empresário, observando a ausência, também no Direito Alemão, de uma definição unitária do conceito de empresa, esmiuçando, outrossim, a responsabilidade tanto do empresário pessoa natural como do empresário pessoa jurídica ou coletividade sem personalidade jurídica, passando a analisar a situação dos credores, bem como as respectivas posições em relação à massa, e o direito de terceiros a obterem a restituição dos respectivos bens quando sejam indevidamente arrecadados.
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No segundo capítulo, vem a tratar as peculiaridades procedimentais referentes aos planos de recuperação, no Direito brasileiro, e de insolvência, no Direito alemão, enquanto meios de reorganização da atividade da empresa, dando realce para as questões da legitimação para a sua propositura, para os poderes do juiz no exame da admissibilidade do plano, dos meios de recuperação, com destaque, no caso brasileiro, para a eliminação da sucessão obrigacional em se tratando da alienação de estabelecimento, da presença de elementos de autonomia privada e de coação estatal no tratamento do plano em ambos os ordenamentos, conduzindo às dificuldades da doutrina em precisar a respectiva natureza jurídica, a possibilidade de o julgador impor aos credores discordantes, tanto no Direito brasileiro como no alemão, a aceitação do plano aprovado pela maioria dos credores, a fim de evitar que a minoria determine a interrupção da atividade da empresa, inspirada no Bankruptcy Reform Act (EUA), os poderes de apreciação do mérito do plano em face do pronunciamento dos credores e as conseqüências do não cumprimento dos planos. Aponta, ainda, para um dado significativo de diferença entre o Direito Concursal brasileiro atual e o anterior, ao se converter em conteúdo do plano um ato que, antes, era havido como falimentar, qual seja, a convocação de credores pelo devedor para o fim de propor dilação, remissão de créditos ou cessão de bens, e, por outro lado, a visão que se coloca quanto à inspiração político-econômica do plano de insolvência na Alemanha e no Brasil seria a de enfatizar a autonomia privada, reduzindo-se ao máximo a coação, substituindo-se disposições imperativas por normas dispositivas: seria uma das expressões da desregulação da economia.
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No capítulo subseqüente, é examinado o procedimento de recuperação da empresa tal como disciplinado no Direito brasileiro, desde a legitimação para o instaurar - restrita ao devedor ou, extraordinariamente, no caso de morte do devedor empresário individual, ao cônjuge supérstite, aos herdeiros e ao inventariante, e, no caso de a sociedade empresária ficar reduzida a um sócio apenas, a este -, passando pelas condições que deve ostentar, elencadas no artigo 48 da Lei 11.101, de 2005, e pelo pressuposto objetivo da crise econômico-financeira da empresa, embora tal conceito tenha os seus termos "abertos" pela impossibilidade de o legislador elencar minuciosamente todas as hipóteses em que se poderia configurar, sem que se confunda com a mera inadimplência de obrigação líquida e certa, tendo como finalidade, mais do que evitar a falência, preservar a empresa, garantir o cumprimento de sua função social e o estímulo à atividade econômica. Recorda competir o processamento do pedido ao juízo estadual, diante do que dispõe o inciso I do artigo 109 da Constituição de 1988, do local onde se situe o estabelecimento principal ou a sede da filial de empresa estrangeira que atue no país. Observa que, em pleno contexto de globalização e integração econômica, o juízo concursal ainda seguiria o princípio da territorialidade, não abrangendo o restante dos países onde a empresa atue. Passa ao exame dos efeitos do ajuizamento do pedido de recuperação em relação às obrigações firmadas anteriormente a ele e à distinção entre créditos concursais e extraconcursais, tratando a classificação dentre estes últimos da obrigação contraída após o ajuizamento do pedido como apta a incentivar a continuidade da atividade empresarial, viabilizando não somente o acesso do devedor a financiamentos como também a própria mantença dos negócios dele com fornecedores e clientes, indicando, outrossim, a disciplina dos créditos quirografários anteriores ao ajuizamento do pedido, conversíveis em créditos com privilégio geral no caso de ser decretada a falência quando o respectivo credor, no período da recuperação, continue a prover o devedor de bens e serviços, e a interdição ao devedor da alienação ou oneração de bens do ativo empresarial, salvo se o juiz, ouvido o comtê de credores, reconhecer evidente utilidade na operação, ou quando esta aparecer como um dos meios recuperatórios previstos no plano. A seguir, examina o pedido de recuperação após a instauraçao, por qualquer credor, do processo de falência, sendo que somente quando se fundar no pressuposto objetivo da impontualidade e estiverem presentes os requisitos e condições postos para o processamento de tal pedido em caráter principal, poderá ele ser formulado no prazo para defesa. Prossegue distinguindo entre os atos judiciais que determinam o processamento do pedido de recuperação - despacho de mero expediente, não recorrível, de acordo com o entendimento firme do C. Superior Tribunal de Justiça -, a sua extinção - sentença, atacável via apelação - e a sua concessão - decisão interlocutória, atacável via agravo de instrumento -. Seguem-se considerações a respeito dos efeitos jurídicos do deferimento do pedido recuperatório, que são a nomeação de administrador judicial - normalmente, recaindo na pessoa do devedor ou, quando este seja sociedade empresária, nas pessoas que estejam encarregadas de tal mister, salvo quando presente alguma das hipóteses da lei que determinem o respectivo afastamento ou tal permanência venha a obstar ou dificultar a continuidade da atividade empresarial, com o que deverá recair tal encargo em outra pessoa idônea, a critério do juiz -, a abertura de prazo para a apresentação do plano de recuperação, o início da suspensão do curso da prescrição e das ações em face do devedor, a preservação das obrigações anteriores salvo definição em sentido diverso no plano de recuperação, o dever de apresentação mensal, por parte do devedor, de demonstrativos de receitas e despesas no período que durar o estado de recuperação. Discute, ainda, a permanência da necessidade da presença do Ministério Público nos procedimentos concursais diante do veto aposto pelo Excelentíssimo Senhor Presidente da República ao dispositivo que a previa, concluindo pela inoperância de tal veto, tendo em vista a presença, em tais procedimentos, de interesses transcendentes à economia interna das obrigações travadas pelo devedor. Por fim, debate a questão da exigência das certidões negativas de débitos tributários para a concessão do pedido recuperatório, considerando-a incompatível com a finalidade deste.
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No capítulo quarto, examina-se, à luz do Direito germânico, a reorganização enquanto alternativa prevista para a satisfação dos credores no processo de insolvência. O pedido de reorganização tem lugar com a confissão do devedor, embasada em prognósticos demonstráveis, do risco de se tornar incapaz de honrar seus compromissos acaso não deferido o pedido de reorganização, dependendo a sua permanência na administração de requerimento formulado por ele ou, no curso do processo de insolvência, de postulação dos credores. Em regra, no Direito tedesco é competente o juiz de primeira instância, especializado em Direito da Insolvência, na sede do Tribunal de Justiça do Estado (Land) em que se ache o centro da atividade econômica do devedor - regra aplicável inclusive aos grupos de empresas, em que a insolvência de cada uma não afeta as demais integrantes do grupo -, restando a solução das questões conexas sujeita ao Direito Processual geral. A competência do juízo especializado, à ausência de tratado internacional em sentido contrário, vem a estender-se também no plano internacional em relação ao processamento das causas concursais que extrapassem o âmbito da União Européia, e, no âmbito desta, a competência territorial será no país onde a empresa possuir o principal centro de interesses, que, até prova em contrário, será aquele declarado nos estatutos respectivos. Derrogada a regra geral da indelegabilidade de competência jurisdicional, o juiz de direito pode transferi-la ao Rechtspfleger, salvo no que diz respeito à condução do processo até a abertura da insolvência, à nomeação do respectivo administrador e à "condução do plano de pagamento do devedor consumidor" (p. 159). De acordo com o Bundesgerichtshof (Tribunal de Cassação Federal, equivalente ao Superior Tribunal de Justiça, no Brasil), não é somente o pedido de insolvência pelo credor que merece o controle de admissibilidade, como também a confissão, para se obviarem os riscos para a satisfação pontual dos créditos, com o que se deve verificar, primeiro, se o devedor tem a capacidade para a insolvência, se na peça em que requer estão indicados, objetivamente, fatos que a venham caracterizar ou a caracterizar o risco de ela se verificar, se o patrimônio do devedor seria suficiente para o pagamento de custas e se o pedido se mostraria compatível com o procedimento de insolvência para empresas. Admitido que seja o pedido, investe-se o juiz dos poderes para tomar todas as providências de interesse para o processo, conferindo-se-lhe ampla iniciativa probatória, ouvindo testemunhas e peritos. Escande, a seguir, as providências judiciais para a continuidade da atividade empresarial no período de pré-insolvência, como a nomeação de administradores - preferencialmente recaindo sobre pessoas não integrantes da administração ordinária da empresa devedora, somente se admitindo que os administradores desta permaneçam em caso de deferimento de pedido expresso dela ou do comitê de credores -, a proibição a que o devedor exerça sobre os bens integrantes do ativo da empresa o poder de disposição ou o condicionamento da eficácia dos atos que o materializem à anuência do administrador provisório, a proibição ou suspensão provisória de medidas executivas sobre o patrimônio do devedor, a determinação de intervenção na correspondência deste e de que bens objeto de garantia que se mostrem essenciais à continuidade empresarial não sejam expropriados ao devedor em prol do credor. Aponta para o papel da fase de pré-insolvência, entre o ajuizamento do pedido de confissão de tal estado e a abertura da insolvência, ocmo apto a propiciar a obtenção de liquidez por parte do devedor, exemplificando com a transferência do encargo do pagamento dos salários atrasados até três meses antes da abertura ao Departamento Federal do Trabalho, permitindo-lhe poupar este dinheiro para se poder reequilibrar. Investiga, a seguir, os efeitos jurídicos da abertura da insolvência, principiando pela sanção de ineficácia a todos os atos de disposição praticados pelo devedor, nomeando o juízo administrador - em regra, pessoa estranha à administração ordinária da empresa, a partir de rol constituído por todos os profissionais que se coloquem à disposição do juízo e não de lista previamente elaborada por este (tema que foi objeto, inclusive, de pronunciamento do Tribunal Constitucional Federal à luz do princípio da igualdade de todos perante a lei), podendo, entretatnto, recair sobre a pessoa do devedor o encargo, desde que seja formulado pedido expresso por este ou pelo comitê de credores, sob a fiscalização de um supervisor -. Passa a examinar os efeitos da apresentação do plano de insolvência pelo devedor, com a suspensão das medidas voltadas à realização do ativo até a respectiva aprovação e homologação, salvo quando implicar tal suspensão prejuízo para a massa, o regime dos contratos vigentes quando da abertura da insolvência - com especial referência ao direito de opção do administrador entre o cumprimento do contrato e a exigência à outra parte de que atenda a respectiva obrigação e o não cumprimento respectivo, convertendo a 0utra parte em credora da insolvência, bem como à extinção dos contratos de mandato e da relação decorrente da gestão de negócios -, a situação dos credores com garantia, o papel do juízo da insolvência como fiscal da lei e como responsável pela viabilização da solução negociada entre o devedor e os credores. Expõe, ainda, as incumbências do administrador da insolvência, sobretudo no que diz respeito à continuidade da atividade empresarial, cuja última palavra, a bem de ver, caberá ao comitê dos credores. Salienta, por fim, a ausência de intervenção do plano de insolvência nas relações que se estabelecem com os sócios ou acionistas.
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A comparação entre os ordenamentos brasileiro e tedesco, propriamente dita, vem a ser feita no capítulo quinto. Principia-se a investigação da legislação concursal enquanto concretizadora dos princípios constitucionais da isonomia e da função social da propriedade, albergados tanto na Constituição brasileira (artigos 5º, caput e XXIII, e 170, III) como na Lei Fundamental de Bonn (§ 1º, 3, e § 14, 2), referindo, em relação à brasileira, o papel por ela desempenhado no despertar a consciência jurídica para o papel da Constituição enquanto integrante do Direito positivo. Desenvolve, por outra parte, digressão sobre o surgimento e a evolução da análise funcional dos institutos básicos da economia de mercado, quais sejam, a propriedade e a liberdade contratual, desde a obra de Enrico Cimbali, publicada em 1884, passando por Karl Renner, Rudolf von Jhering e Otto von Gierke, enquanto verificação da necessidade de se buscar um título de legitimação, perante quantos sejam afetados por seu exercício, dos poderes inerentes aos que se coloquem em posição de vantagem, de tal sorte que se chegou à formulação, no § 153 da Constituição de Weimar, repetida no nº 2 do § 14 da Lei Fundamental de Bonn, à idéia de decorrer, da propriedade individual, obrigação para o proprietário. No âmbito do Direito brasileiro, estuda a evolução do tratamento de propriedade, com a recepção da idéia de função social nos textos constitucionais, olhos postos sobretudo no inciso XXIII do artigo 5º da Constituição de 1988, apontando, ainda, para a distinção entre bens de consumo e bens de produção como um dos fatores aptos a permitirem o reconhecimento de uma dimensão positiva para a funcionalização da propriedade individual, ao lado da óbvia dimensão negativa. Quanto à função social do contrato, refere a contribuição de Luís Renato Ferreira da Silva no sentido de a considerar como decorrência do princípio solidarista posto no inciso I do artigo 3º da Constituição de 1988, indicando, assim, que a linha de interpretação mais adequada para a legislação concursal brasileira haveria de ser muito mais aquela que garantisse a preservação da função social da atividade empresarial do que aquela que priorizasse a satisfação de créditos em caráter privilegiado, com o que considera, mesmo, inconstitucional a exclusão de credores com garantia da sujeição ao processo recuperatório. Quanto à legislação concursal alemã, o enfoque se coloca principalmente na garantia do direito de propriedade, de tal sorte que se reduzam os pedidos de insolvência e, assim, a noção de função social se coloca no sentido de se garantir a higidez do crédito enquanto responsável pela circulação de riquezas – a recuperação do devedor se coloca, antes, no sentido de se evitar que, com a sua eliminação, os créditos percam a sua efetividade – e, com isto, explicar-se-ia o porquê de se incluírem na fase de saneamento da empresa os credores com garantia, bem como o afastamento de tradicionais privilégios, como o do Fisco. Indica estar voltada a reorganização empresarial, naquele país, voltada especialmente ao setor de prestação de serviços, ali predominante, e cuja maior riqueza está nos bens imateriais, como o know how. Salienta a escassa utilização do plano de reorganização na Alemanha, atribuindo-a tanto à resistência do devedor em ajuizar o pedido de confissão antes que a crise econômica da empresa tenha alcançado o estado de efetiva insolvabilidade quanto ao regime de extremo rigor a que sujeita a responsabilidade do administrador judicial, questionando, ao final, a adequação da concepção da reorganização como meio de realização do ativo, indicando a necessidade de mudança do enfoque para o escopo de manutenção da atividade empresarial. Após referir como ponto de convergência entre os direitos brasileiro e germânico a oferta de meios judiciais para que o devedor venha a atalhar a configuração da total insolvabilidade, indica, a partir da experiência de duas grandes empresas que entraram em crise e postularam a reorganização logo após ter entrado em vigor a Lei brasileira, a necessidade de aperfeiçoamento desta legislação, postas a preservação da função social da empresa e a par conditio creditorum - argumento principal erguido pela autora tanto contra a ausência, no Direito brasileiro, da vinculação de todo o universo de credores (p. 222) quanto contra a preeminência concedida aos créditos com garantia (p. 224) - como balizadores para a verificação da seriedade dos pedidos, para a escolha do administrador, bem como para se investigar a viabilidade econômica da atividade empresarial. Quanto ao Direito germânico, refere a maior vantagem representada pela elevação do pedido de reorganização à categoria de processo autônomo para o fim de dar maior efetividade ao instituto, baseando-se no dado objetivo da ameaça de impossibilidade de honrar os pagamentos aliado à viabilidade econômica da recuperação da empresa, pondo-se a manutenção desta como conditio sine qua non "para a melhor satisfação dos credores e também para a manutenção de empregos" (p. 245). Assim, o enfoque passa a ser, antes, o da função social da empresa do que o da realização dos créditos, impondo a adequação das regras procedimentais à nova finalidade da legislação concursal, inclusive no que tange à intervenção no direito societário, de sorte que os feitos que envolvam a reorganização de empresas de um mesmo grupo sejam tratados como uma unidade. Como desafios comuns a ambos os ordenamentos jurídicos, aponta as dificuldades na definição da viabilidade econômica da empresa, a escolha do administrador de acordo com as peculiaridades do caso concreto, recaindo, quando for o caso, em pessoa jurídica especializada e, ao cabo, a definição da forma de remuneração.
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Nota-se que a obra tem como um dos principais méritos o reconhecimento da presença de um interesse que refoge ao aspecto estritamente privatista. Nem todas as proposições contam com a adesão do resenhista: a crítica a respeito da incompatibilidade da sistemática da definição dos efeitos da recuperação da empresa e da falência no âmbito internacional toma como exemplo o dado de que sentença proferida no Brasil não teria produzido efeitos no exterior (p. 130, nota 388), quando, neste particular, não seria merecedor de quaisquer censuras o legislador brasileiro, porquanto não poderia legislar para produzir efeitos em outro país. De outra parte, a insistência da autora, explicável por conta da formação na área do Direito Comercial, em tratar a empresa como objeto e não como sujeito de direito, quando, a bem de ver, salvo pronunciamento em sentido contrário do legislador, a gama de interesses nela individualizáveis, não se confundindo com os do empresário, já foi pelo resenhista afirmada, com lastro na autoridade de Washington Peluso Albino de Souza em mais de uma ocasião. Mas, de qualquer sorte, o brilho da obra não se encontra empanado por estas observações.