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sábado, 27 de fevereiro de 2010

Lei de Falências e a busca da eficiência

BATTELLO, Sílvio Javier [org.]. Principais controvérsias na nova Lei de Falências. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 2008.

Esta obra, produto das discussões na Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Rio grande do Sul, tem como ponto de intersecção entre seus textos uma tentativa levada a cabo no âmbito do Common Law no sentido de tomar a eficiência econômica como parâmetro principal na solução dos problemas jurídicos, debruçando-se especificamente sobre a nova disciplina da crise econômico-financeira das empresas.

O primeiro capítulo, assinado por Elenise Peruzzo dos Santos, a partir da retomada do debate em torno do valor dos Princípios normativo, discute a dimensão que guardou a nova Lei Falimentar fidelidade àqueles já tradicionais, como a par conditio creditorum (com suas derrogações parciais com o estabelecimento das preferências, com ênfase especial nas disposições protetivas do trabalhador), a celeridade como fator inibidor dos "custos sociais" e eliminador de incertezas que comprometem o cálculo do resultado das Transações, a publicidade, como condição para uma concreção dos anteriores, em que albergou e novos, como uma empresa da preservação, a respectiva viabilidade e a maximização do valor dos bens do falido, concluindo pela necessidade de ponderação entre os tradicionais e os novéis princípios, de tal sorte que o crédito, em sua função multiplicadora, venha a ser protegido e se impeça o perecimento de empresas viáveis.

O segundo capítulo, de autoria de Stefania Eugênia Baricchello, a partir do referencial da Análise Econômica do Direito, procura identificar os aspectos em que a eficiência econômica seria promovida pela legislação falimentar, tratando a esta como instrumento de “regulação indireta” dos mercados, por não procurar organizar ou disciplinar estes, mas disciplinar procedimentos para “intervir no seu funcionamento espontâneo”, apontando para o seu papel no estabelecimento de uma cooperação entre os credores das diferentes classes, aumentando as expectativas de retorno do capital investido e instaurando um ambiente de negócios sadio, buscando maior segurança nas negociações e a valorização dos ativos, principalmente pela criação de mecanismos como a recuperação extrajudicial, como meio mais flexível e menos custoso para remediar as situações de desequilíbrio, a outorga à recuperação judicial de maior abrangência quanto ao universo de credores e de maior margem de negociação que as existentes na concordata do regime do Decreto-lei 7.661, de 1945, a posição de preeminência dada aos créditos com garantia em face dos créditos fiscais e dos trabalhistas superiores a 150 salários mínimos, de tal sorte que se fortalecem os contratos firmados antes da configuração da insolvência.

O terceiro capítulo, elaborado por Hernán Demartini, debate a natureza jurídica da recuperação extrajudicial, enquanto inovação da Lei 11,101, de 2005, buscando retirar ao máximo do Estado uma solução empresarial da crise, para se a outorgar, aos agentes do mercado, discutindo, especificamente, os seus requisitos, traduzindo ato negocial plurilateral, sujeito, contudo, a condição suspensiva em relação a sua eficácia, qual seja, a homologação judicial.

O quarto capítulo coube a Elenise Peruzzo dos Santos, e versa sobre a situação das instituições finnceiras na aplicação da nova lei, partindo, em primeiro lugar, da identificação das atividades próprias destas instituições, com ênfase especial para a atividade de fomento da economia como um todo, mediante a celebração de contratos que são delas privativos, como os financiamentos vinculados às cédulas de crédito rural, industrial e comercial, o factoring, o desconto, o adiantamento sobre contrato de câmbio, passando para o papel do crédito na capacidade de a empresa sobreviver no mercado e da abertura significativa para a recuperação das empresas em crise mediante a possibilidade de concessão de financiamentos, quando estas se mostrassem viáveis, por decorrência, sobretudo, da alteração da ordem de preferência na satisfação dos créditos, reduzindo o risco de inadimplência e, conseqüentemente, a taxa de juros.

O quinto capítulo, da lavra de Márcia Sílvia Stanton, discute a exigibilidade da certidão negativa ou positiva com efeitos de negativa como condição para a homologação da recuperação judicial, como instrumento que, a seu ver, seria incompatível com a própria intenção da lei, que pospôs o crédito fiscal aos créditos com garantia, para permitir a mais ágil recuperação das empresas que se mostrassem viáveis, permitindo-lhes o atendimento de sua função social, argumentando, ainda, com os inúmeros privilégios processuais do Fisco na perseguição ao seu crédito, tratando como contrária tal exigência - que se coloca para o atendimento em sentido positivo do pedido de recuperação judicial - aos princípios de razoabilidade e proporcionalidade, quando haja forma menos gravosa de atender aos interesses do Fisco à disposição das partes.

O sexto capítulo incumbiu a Ney Caminha Monteiro Júnior, e nele é examinado o papel do administrador judicial, enquanto amálgama das antigas figuras do síndico e do comissário, que deverá auxiliar o julgador na condução dos processos regulados na nova lei falimentar, onde, para a aferição da capacidade de administrar a empresa em crise e permitir a realização plena do ativo, a experiência e a idoneidade de quem desempenhar tal múnus, fiscalizando o processo, a transparência e a comunicação entre os sujeitos que nele comparecem, serão fundamentais.

O sétimo capítulo, da lavra de Lisandra Coletti Lisboa, examina a configuração dos atos falenciais na nova lei concursal, salientando, sob o aspecto processual, a ampliação das hipóteses em que admissível o depósito elisivo em face da disciplina anterior, as situações em que, mercê do descumprimento do plano de recuperação judicial (cujos requisitos, possibilidades e limites são detalhadamente escandidos), além dos atos falenciais que já eram previstos no revogado Decreto-lei 7.661, de 1945.

O oitavo capítulo, de autoria do organizador da coletânea, Sílvio Javier Battello, volta-se ao exame das falências que envolvem mais de um ordenamento jurídico, trabalhando desde a questão da competência para deflagrá-las, até os poderes de credores e síndicos estrangeiros, inclusive no que tange à habilitação dos créditos, apontando, ainda, para os problemas decorrentes da necessidade de homologação dos atos decisórios perante os Tribunais Superiores, indicando, numa realidade em que os ordenamentos se entre comunicam, a imposição de que se simplifique a recepção dos atos que reconhecem a presença da situação falimentar como um fator de segurança do crédito.

Como se vê, a tônica da coletânea é a compatibilização entre o procedimento concursal e a eficiência econômica, que, por mais que nos pareça algo restrito, tem a grande virtude de demonstrar a insuficiência do enfoque estritamente privatista, do castigo à inadimplência, que muitas vezes preside o exame da matéria falimentar e, de outra parte, vem a reforçar a tese da íntima relação entre a matéria processual e a política econômica, ainda que não se chegue à configuração de um Direito Processual Econômico. Tendo em vista o tema da minha tese de doutoramento, esta comprovação empírica não poderia deixar de ser recebida com alvíssaras pelo signatário da presente resenha.

domingo, 22 de novembro de 2009

DIREITO CONCURSAL, EFICIÊNCIA E FUNÇÃO SOCIAL

CASTRO, Moema Augusta Soares de & CARVALHO, William Eustáquio de [coord.]. Direito Falimentar contemporâneo. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 2008.

A obra que ora se resenha tem como origem os debates travados no seio da Pós-Graduação da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais e se propõe a ser um ponto de partida sobre uma das matérias que mais angustiam a quantos se preocupam com a questão maior de se dar solução adequada a crises.

Eduardo Goulart Pimenta, ao analisar as atribuições e o perfil do administrador judicial, do gestor judicial e do comitê de credores na Lei 11.101/05, refere que o primeiro, como resultado da reestruturação das tradicionais figuras do síndico da falência e do comissário da concordata, pessoa física com habilitação específica ou jurídica especializada, seria o principal auxiliar do juízo na condução dos processos de falência e de recuperação judicial, e se distinguiria, por seu caráter eminentemente fiscalizador do feito e da conduta do devedor, do gestor judicial, que seria a pessoa física habilitada ou jurídica especializada, que seria nomeada pela assembléia geral de credores para gerir a empresa devedora, no caso de os gestores originários incorrerem em alguma das situações aptas, de acordo com a lei, comprometer a respectiva credibilidade, e discute as vantagens e desvantagens, sob o prisma da eficiência, da instituição, em cada processo, do comitê de credores, para a concreção do princípio da preservação da empresa que inspira o diploma sob comentário.

A discussão dos aspectos da sucessão do falido e do empresário em recuperação judicial na Lei 11.101/2005, feita por Fábio Guimarães Bensoussan, parte do pressuposto de que o enfoque legislativo “é norteado pela idéia da preservação da empresa como unidade geradora de empregos e de tributos, através de sua recuperação ou reorganização” (p. 31), e se volta ao afastamento, como regra geral, da sucessão tributária e trabalhista na hipótese de alienação de estabelecimento em processo de falência e recuperação judicial, voltando-se a tornar mais atrativa ao investidor a aquisição de ativos de empresa em apuros.

Felipe Fernandes Ribeiro Maia, ao esmiuçar a tensão recuperação judicial vs. Fisco, a partir do escopo da lei no sentido de assegurar que a empresa desempenhe sua função social, discute a abrangência da exclusão da sucessão tributária, a exigência da apresentação da prova de quitação de todos os tributos e a compatibilidade do parcelamento tributário com o princípio da par conditio creditorum, sustentando merecer rechaço qualquer interpretação que não venha em benefício do empresário e do estímulo da atividade econômica e venha em benefício do Fisco.

Marcelo Vieira de Mello versa a situação dos créditos dotados de garantia na recuperação judicial como inspirada no escopo de redução das taxas de juros bancários, ante a relação destes com as dificuldades de recuperação, por parte das instituições financeiras, dos valores por eles mutuados, distinguindo: (a) as garantias pessoais e reais; (b) o regime da concordata, que excluía os créditos não quirografários, e o da recuperação judicial, que os abrange; (c) o tratamento dos credores com garantia pessoal, equiparados aos quirografários, e o dos credores com garantia real. Traz, ainda, ao debate a possibilidade de substituição ou renovação da garantia, que será acolhida ou rejeitada pelo juiz tendo em vista a aptidão para concretizar o princípio da preservação da empresa enquanto atenda à sua função social.

As teses envolvendo o Supremo Tribunal Federal e a nova lei de falências são discutidas na contribuição ofertada por Marcelo de Andrade Feres, na qual sustenta a constitucionalidade da distinção, em termos de valores, para fins de assegurar a preferência, do tratamento dado à restituição do numerário ofertado em adiantamento de câmbio para exportação e da prioridade aos créditos constituídos durante a recuperação judicial, como medidas destinadas a coibir as fraudes em relação à coletividade de credores, beneficiando, assim, os realmente necessitados, a diminuir os riscos de inadimplência no que tange ao comércio internacional, com repercussões nas taxas de juros, e a propiciar a recuperação da empresa, de sorte que se mostre vantajosa, inclusive para os credores, o restabelecimento e manutenção da fonte produtora, geradora de empregos e de recursos tributários.

Partindo do pressuposto da impossibilidade de se conceber a atividade mercantil sem o crédito enquanto catalisador da circulação da riqueza e tendo em mente o papel do juízo concursal enquanto instrumento de sua proteção, Moema Augusta Soares de Castro debate a ordem de preferência dos credores, com foco nos créditos trabalhistas na falência, principiando pelos efeitos desta sobre os créditos em geral, a classificação destes de acordo com a lei, as razões do tratamento dos créditos trabalhistas superiores a cento e cinqüenta salários mínimos como quirografários – apontando os motivos por que as vê como “uma falácia” (p. 135) -, a questão da subsistência dos contratos de trabalho mesmo após da decretação da falência, bem como a atração, a partir da constituição do respectivo título executivo, da execução trabalhista ao juízo falimentar.

Natália Cristina Chaves discute o teor do artigo 59 da Lei 11.101, de 2005, indagando se a situação nele prevista traduziria novação ou inovação, dado que aquela categoria jurídica implica extinção – e, ipso iure, liberação – do devedor da obrigação originária, substituindo-se-a consensualmente por uma nova, ao passo que, com o escopo de assegurar que a empresa superasse o estado de crise econômico-financeira, viabilizando-lhe o atendimento da função social, foi determinado no aludido artigo que o plano de recuperação, uma vez aprovado, implicaria novação de todas as obrigações anteriores, sem prejuízo das garantias e privilégios, de tal sorte que a satisfação plena do que no plano se contenha implicaria a liberação do devedor, ficando, entretanto, o efeito novativo sob condição resolutiva, vez que, não cumprido o plano e convolada em falência a recuperação, estariam restabelecidas as obrigações antigas, com todos os seus caracteres.

Ao realizar apontamentos sobre o princípio da preservação da empresa, William Eustáquio de Carvalho vem a extrair seu fundamento primeiro do princípio da função social da propriedade, merecedor de exegese fiel à origem solidarista, no pensamento de Duguit, arredando, assim, a sua concepção meramente estática, em nome do tratamento da atividade empresarial como transcendendo o simples universo de obrigações entre a empresa e seus credores, assegurando, uma vez verificada a sua viabilidade, a mantença do abastecimento do mercado consumidor, a oferta de postos de trabalho – meio, por vezes, indispensável a que o mínimo existencial seja assegurado a um maior número de indivíduos, com o que se colocaria como uma das formas de realização da dignidade da pessoa humana – e a geração de recursos tributários, ao mesmo tempo em que se protege o crédito público e se intimida a inadimplência.

Segue-se estudo de Maria Celeste Morais Guimarães sobre as alterações no Código de Processo Civil em matéria de execução e suas repercussões na nova lei de falências, no qual, a partir do pressuposto de que esta buscou o equilíbrio entre a segurança no crédito e o fortalecimento das empresas enquanto meio de se concretizarem as aspirações do crescimento econômico e da redução das desigualdades sociais, distingue a ausência de pagamento e indicação de bens à penhora enquanto mero incidente na execução ou no cumprimento de sentença, da situação que rende ensejo à verificação do estado falimentar, que é a da execução frustrada pela ausência de bens suficientes a satisfazerem o crédito exeqüendo.

Leonardo Guimarães, por seu turno, verifica minuciosamente quais os documentos a serem acostados, obrigatoriamente, à petição inicial da recuperação judicial, extremando esta, como instituto processual-contratual, em que grande é a relevância da vontade manifestada pelos credores, da extinta concordata, como instituto tipicamente processual, comentando cada um dos fatos a serem reconstituídos e ressaltando os perigos de uma interpretação excessivamente formalista, que poderia, ao cabo, frustrar o emprego de um instrumento destinado a permitir à empresa séria, porém em dificuldades temporárias, “efetuar turnaround financeiro nessa situação, preservando-se a fonte produtora, geradora de empregos e de arrecadação do Estado” (p. 258).

Gustavo Oliva Galizzi & Leonardo Netto Parentoni questionam, a partir de artigo dos Profs. Baird & Rasmussen, publicado na Stanford Law Review, se a sugerida aplicação, pelos autores norte-americanos, da teoria da empresa de Ronald Coase, para atender a mecanismos mais ágeis e menos custosos para a realização dos créditos, é o fim da falência ou se, pelo contrário, em face da realidade da economia contemporânea, cuja forte competitividade determina a insolvência de quantos não tenham condições de enfrentar tal competição, impondo a sua expulsão do mercado e o estabelecimento de critérios que, ao invés de submeterem a realização do direito à maior agilidade do credor, venham a balizá-la pela maior relevância atribuída por lei a determinados créditos, não imporia a disciplina de um procedimento concursal, ainda mais quando se verifica o papel desempenhado pela empresa, no propiciar empregos, abastecer o mercado consumidor e gerar recursos para o erário, de tal sorte que a sua permanência no mercado deixa de ser apenas uma questão particular dos acionistas e dos credores privados para se converter em um problema social.

Claro que nem todas as teses que afloram na obra ora resenhada contam com a adesão do ora resenhista, como se pode registrar no tocante à renitência na caracterização da empresa como objeto e não como sujeito, que se vê, por exemplo, no último texto, ou à proscrição da interpretação que beneficie o Fisco, que se vê no texto de Felipe Ribeiro Maia. Entretanto, este e outros pontos merecedores de debate em outra ocasião não empanam a obra, que mostra, como traço de unidade, a caracterização da nova lei falimentar como a busca do equilíbrio entre a tutela do crédito e a preservação da empresa, para além da terapêutica cirúrgica, de simples expulsão do insolvente do mercado. De outra parte, os autores gravitam, ao analisarem a lei em questão, entre os postulados da Análise Econômica do Direito, buscando a interpretação mais acorde com a eficiência econômica, e os da doutrina solidarista de Duguit, no sentido de verificarem a melhor forma de assegurar o atendimento da função social por parte da empresa.

sábado, 29 de agosto de 2009

A EFETIVIDADE DA CONSTITUIÇÃO NO JUDICIÁRIO PARA ALÉM DA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE

RÊGO, Bruno Noura de Moraes. Argüição de descumprimento de preceito fundamental. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 2003.

A grave lacuna deixada, muitas vezes, pela impossibilidade de se examinar, em sede de ação direta de inconstitucionalidade, a violação de determinadas normas constitucionais, conduzindo, em razão disto mesmo, aos caminhos mais lentos e tortuosos do controle difuso, conduziu à criação da argüição de descumprimento de preceito fundamental. Com efeito, surgem situações em relação às quais a ausência de um remédio mais pronto fizeram com que explodissem conflitos judiciais da mais variada natureza: o atentado ao plano plurianual, à lei de diretrizes orçamentárias e ao orçamento, por exemplo, constituem crimes de responsabilidade. Entretanto, e na hipótese de haver neles alguma inconstitucionalidade, considerando que não são tidos como diplomas aptos a autorizarem o controle em sede de ação direta, de acordo com a jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal Federal? A discussão acerca do que constituiria ou deixaria de ser preceito fundamental, e a própria compatibilização de tal discussão com o entendimento remansoso do Supremo Tribunal Federal acerca da inexistência de hierarquia entre as disposições constitucionais, ainda que aparentemente contraditórias entre si, vem, de outra parte, a atrair diretamente o interesse do juseconomista, além do constitucionalista, tendo em vista que o fenômeno das aparentes antinomias nos Textos Constitucionais emerge com freqüência no que tange ao tratamento dos temas econômicos. Por outro lado, inúmeros atos legislativos de vigência transitória, mas cujos efeitos se protraíram no tempo, como é o exemplo clássico da retenção de ativos financeiros que se verificou de 1990 a 1992, ficaram sem um pronunciamento definitivo acerca da sua validade em face do Texto Constitucional. Para situações desta natureza, em que a própria vontade do povo manifestada nas urnas correria o risco de ser desautorizada, com o comprometimento do equilíbrio entre os Poderes da República, em que se sopesam os limites entre o atendimento a interesse transindividual juridicamente relevante e a preservação dos direitos individuais, como sói acontecer em todas as questões envolvendo políticas públicas, que se constituiu o remédio da argüição de descumprimento fundamental. O autor, mestre pela Universidade de Brasília e Professor no Instituto de Educação Superior de Brasília - IESB, registrando as incertezas geradas na doutrina acerca do alcance do instituto previsto no § 1º do artigo 102 da Constituição brasileira de 1988, regulamentado pela Lei 9.882, de 1999, procura situá-lo dentro do quadro das ações constitucionais, bem como a própria caracterização por ela assumida no sistema de controle de constitucionalidade, apontando as dificuldades encontradas quanto à constitucionalidade mesma do remédio, na medida em que reforça, mediante atuação do legislador ordinário, o sistema concentrado em detrimento do sistema misto de fiscalização da constitucionalidade. As dificuldades teóricas resultantes, sobretudo, de ainda não haver sido precisado o caráter da argüição de descumprimento de preceito fundamental pelo Supremo Tribunal Federal são enfrentadas com brilho pelo autor, embora, evidentemente, haja alguns pontos de franca divergência, como, por exemplo, a questão de ter o legislador ordinário, sem manifestação do poder constituinte derivado, criado nova modalidade de controle concentrado, quando, a juízo deste resenhista, a lei disciplinadora da ADPF apenas veio a conferir eficácia ao § 1º do artigo 102 da Constituição brasileira de 1988, bem como a questão do alegado per saltum, quando o que se tem na ADPF é apenas a solução da questão de direito, ficando ao juiz de primeiro grau a plena possibilidade de apreciação dos fatos a serem reconstituídos.

domingo, 9 de agosto de 2009

POLÍTICAS PÚBLICAS E INTERESSE TRANSINDIVIDUAL

BARROS, Marcus Aurélio de Freitas. Controle jurisdicional de políticas públicas - parâmetros objetivos e tutela coletiva. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 2008, 238 p.

Muitos dentre os dogmas do constitucionalismo clássico, fortemente influenciados pela doutrina do Direito Administrativo, no sentido da caracterização das questões políticas, por vezes, têm levado os estudiosos a verdadeiro estado de perplexidade, considerando os próprios pressupostos teóricos do Estado de Direito, voltado a reduzir ao máximo o espaço da vontade puramente subjetiva de quem exerce o poder público. Por outro lado, o reconhecimento dos direitos econômicos, sociais e culturais rendeu ensejo a que se viesse a falar na necessidade de uma atuação positiva do Estado, inclusive mediante a formulação de políticas, para o fim de sua implementação. Por esta razão, procurando enfrentar as objeções habituais, o autor, Promotor de Justiça na Comarca de Natal/RN, traz a sua experiência pessoal para o debate acadêmico e centra o debate nos modos como as políticas publicas podem ser controladas, quer no que tange à formulação, quer no que tange à execução, quer no que tange, mesmo, à respectiva transparência. Sem deixar de referir os mecanismos de controle político e social, máxime tendo em vista os progressos da idéia da democracia participativa, aponta para os limites e possibilidades do controle jurisdicional, com especial destaque para a ação civil pública. Refutando o surrado argumento de que os direitos individuais não ultrapassam a noção de direitos de defesa, que apenas exigem a conduta negativa do Estado, bem como o próprio argumento falaz dos custos como obstáculos para a realização dos direitos econômicos, sociais e culturais, e delimitando adequadamente os pontos que, efetivamente, traduziriam o domínio reservado dos Poderes providos em caráter eletivo, reforçando sua argumentação com exemplos da própria legislação recente, como é o caso da Lei de Responsabilidade Fiscal, em seus artigos 48 e 49, enfatizando o caráter normativo da Constituição como base de seu raciocínio, trata-se de obra cuja leitura se torna obrigatória, a despeito, evidentemente, de alguns pontos passíveis de debate que não empanam o mérito da obra, como, por exemplo, ao considerar que a possibilidade do controle jurisdicional de políticas públicas seria decorrência da superação do positivismo e não, tão-somente, do legalismo privatista típico da Escola de Exegese, uma vez que em asserções como esta vem revelado um inconsciente compromisso com a tese de que a Constituição não integraria o direito positivo. Mas, como dito, não se tem empanado o mérito da obra e, mais do que isto, vem ela como um auxílio ao bacharel formado para o praxismo burocrático e que, por vezes, ao se deparar com um problema que escapa aos velhos formulários, vem a cair num estado de perplexidade e não consegue descobrir sequer a formulação da questão jurídica pertinente, quanto mais a solução mais adequada. Todos os motivos, pois, para se receber alvissareiramente esta obra e quantas se dediquem a este tema, na constante busca da redução do espaço do arbítrio.
O tema, em relação ao Direito Econômico, mostra-se de grande relevância, considerando tratar este precisamente das medidas de política econômica, tanto no que tange à forma pela qual vêm elas a ser implementadas - medidas provisórias, leis, decretos-leis, decretos - como no que tange aos parâmetros constitucionais para sua implementação e, ainda, os efeitos sobre as situações jurídicas já definidas. Embora se entenda tradicionalmente que se trata de domínio reservado aos Poderes "Políticos", o fato é que tais medidas, para serem implementadas, têm, necessariamente, de vir à luz mediante algum ato jurídico, e, se ao Judiciário é vedado ingressar no mérito das medidas, no sentido de se dizer se elas são "boas" ou "más", o controle da respectiva juridicidade não está a ele interditado. Por outro lado, dentro da linha que adotei em minha tese de doutoramento (Direito Econômico - aplicação e eficácia. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 2001), a partir da doutrina de Washington Peluso Albino de Souza e Ronaldo Cunha Campos, não existe somente a política econômica pública, porquanto o particular também formula e põe em prática medidas como as fusões, incorporações, as joint ventures e tantos outros expedientes para a conquista de mercados e enfrentamentos - e, mesmo, eliminação - da concorrência -, sem contar com o dado de que, no seio da política econômica pública, não são somente o Executivo e o Legislativo que as formulam e executam, porquanto o Judiciário, ao firmar jurisprudência em torno do meio mais adequado para conferir maior celeridade à cobrança de determinados créditos ou mesmo quando adota a política de auto-restrição não deixa de o fazer.
Bem se vê, pois, o quanto se vai reduzindo a aparente estranheza das relações entre o Direito Processual e o Direito Econômico, ainda que não se marche para um Direito Processual Econômico, quando se verifica a recorrência do enfrentamento deste tema.

sábado, 9 de maio de 2009

RAZÃO E EMOÇÃO NO OFÍCIO JUDICANTE

NOGUEIRA, Roberto Wanderley. Justiça acidental: nos bastidores do Poder Judiciário. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 2003.
Racionalmente fazendo profissão de fé democrática, a sociedade atomizada em corporativismos, em que as posições de poder acabam se encarnando nos indivíduos que compõem os grupos sociais respectivos e afloram a cada vez que cada um pretenda fazer valer a sua vontade sobre a do seu adversário: tal, em última análise, a idéia-força desta obra, versão comercial de dissertação apresentada à Universidade Federal de Pernambuco. Sujeitos às vicissitudes próprias da condição humana, os juízes, no Brasil, não podem ser considerados exceção a esta regra, de acordo com os dados coligidos pelo autor, Magistrado Federal, que vão desde a atitude do julgador perante os jurisdicionados e os processos até as questões propriamente administrativas e corporativas. Na Teoria geral da política, Norberto Bobbio lembra o postulado da teoria da argumentação segundo o qual "a conduta que precisa ser justificada é aquela não-conforme as regras". Entretanto, numa sociedade em que os valores da cultura escravagista fincaram raízes no inconsciente coletivo, conforme o sujeito que adote a conduta, ser-lhe-á exigida ou não justificativa. Disto, em última análise, é que trata o texto ora resenhado. Não conta o texto, evidentemente, com adesão do ora resenhante em todos os pontos: o efeito vinculante, por exemplo, não me parece uma tentativa de amesquinhar a liberdade de convencimento do julgador acerca dos fatos, mas sim a busca de se assegurar o tratamento igualitário para as questões que sejam iguais, evitando que aspectos contingentes venham a contribuir para a própria insegurança dos cidadãos acerca do que podem e do que não podem fazer, do que devem e do que não devem fazer. Mas, em muito, pode contribuir para o estudo do problema do voluntarismo na aplicação do direito e, portanto, da própria questão da possibilidade do convívio social, com a afirmação das prerrogativas próprias do sujeito de direito a todos os seres humanos.

UM ALERTA CONTRA O VOLUNTARISMO

KEMMERICH, Clóvis Juarez. O direito processual na Idade Média. Porto Alegre: Sérgio
Antônio Fabris, 2006.
O interesse prático desta obra em que se examina a evolução do processo na Europa desde a queda de Roma ao fim da Guerra dos Cem Anos avulta, eis que hoje voltam discursos que sustentam ser a ineficiência do Estado apta a autorizar os cidadãos a fazerem justiça por suas próprias mãos. A partir do retorno, com o fim da Antiguidade, da admissão da vingança privada, substituível por uma indenização, julgada por uma assembléia popular, em que existiam feitos que, pelo fato de o réu haver sido pego em flagrante, estava proibido de se defender, em que a instrução, freqüentemente, tinha efeitos decisórios, como é o caso dos ordálios, do duelo, em que a disciplina procedimental visava precipuamente a eficientização do exercício da força sobre aquele que viesse a padecê-la, passando pelo renascimento verificado no século XII, quando as glosas ao Direito Romano buscaram, a um só tempo, ofertar maior segurança às partes - limitação do arbítrio - e o fortalecimento da autoridade do príncipe, tornando-o livre da lei humana e fazendo da sua vontade a lei, vem a explicar o porquê da admissão da tortura como meio de prova, o papel desempenhado pelo juramento, e traz também o gérmen - a partir do julgamento de Adão - da tese esboçada por Durantis, no século XIII (mais tarde encampada por Thomas More), segundo a qual mesmo o demônio mereceria as garantias legais (p. 162). O livro contém passagens notáveis, como no momento em que mostra que sem o respeito ao devido processo legal, o poder se converte em medida da moralidade em si e por si, e com tal pressuposto ficam justificados inclusive "ataques preventivos" (p. 30), a falibilidade do resultado dos ordálios como instrumento de reconstituição da verdade dos fatos (p. 70), principalmente ante as exigências de segurança para o comércio que se ia desenvolvendo à margem dos feudos (p. 118), o caráter de lei conferido ao que agradasse ao príncipe (p. 74 e 144), a centralização no Papa do poder jurisdicional em matéria religiosa, a partir de Gregório VII (p. 102), o trabalho desenvolvido pelos canonistas para o efeito de demonstrar a ortodoxia do abandono das fórmulas introduzidas pelos bárbaros germânicos (p 104), o embate entre os místicos - defensores dos ordálios, em que o julgamento decorreria de fatores estranhos ao controle humano e, portanto, da vontade de Deus - e os dialéticos, defensores do contraditório exercido pela demonstração lógica (p. 127), a contribuição da revalorização do Direito Romano para a judicialização da execução, que aos inícios da Idade Média era levada a cabo pessoalmente pelo credor (p. 56 e 138-137), a possibilidade, deferida ao Papa, de condenar, nos crimes "notórios" contra a religião, sem processo (p. 148-150), em suma, demonstrando, por outras palavras, a experiência histórica de situações cujos efeitos foram tais que se as abandonou, mas que uma sociedade assustada em um mundo que praticamente perdeu as suas referências ressuscita o homem amedrontado da Idade Média. Como se vê, o texto do Mestre em Direito Processual pela UFRGS, em realidade, mais que um estudo de processo e um estudo de história, muito bem fundamentado ao longo de sua exposição, traduz um alerta para todos nós, que vemos trazerem à vida cadáveres insepultos cuja negação foi responsável pela criação do Estado de Direito em todas as suas manifestações. A idéia de se legitimar a exclusão de direitos, ao argumento da suposta ausência de virtude do padecente ou de este ser uma ameaça aos homens de bem, como se tal não fosse a preparação da redução do círculo dos beneficiários da ordem jurídica é bem uma ilustração de uma das frases aparentemente acacianas que se contêm na obra ora resenhada, merecedora de todo acatamento (p. 26): "a ignorância da história e a falta de comparação entre as diversas doutrinas são causas freqüentes de incidência em erros já superados por outros estudiosos".