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domingo, 28 de janeiro de 2018

A república ainda precisa de pensadores no Direito

SORTO, Fredys Orlando [org.]. O pensamento jurídico entre Europa e América - estudos em homenagem ao Professor Mario G. Losano. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2018.


A obra multifária do Professor Mario G. Losano, em si, dispensa apresentações, tanto pela sua quantidade quanto pela sua qualidade, tanto pelo exame de temas ligados à história do Direito quanto pelas reflexões em torno das influências do desenvolvimento científico e tecnológico sobre ele, e isto, com toda a certeza, explica que uma trintena de autores das mais diversas nacionalidades tenha acorrido à presente coletânea.

Abelardo Levaggi trabalha, esmiuçando a obra e o pensamento de Tomás Jofré, a influência de Chiovenda na formação da processualística argentina, aos tempos em que se estava a discutir a autonomização do Direito instrumental em face do Direito material, com todas as consequências que isto teria em termos de valorização do caráter oral, dispositivo e público do processo.

Alessandra Facchi versa a situação da mulher em face das categorias dos direitos humanos -- direitos civis e políticos, direitos econômicos, sociais e culturais -- e a relação entre tais categorias  e a amplitude da autodeterminação que lhe seja assegurada.

Alfonso Ruiz Miguel retoma os dilemas da democracia liberal, com referência especial ao problema da garantia de maior participação dos segmentos do povo no exercício do poder, por um lado, e a proteção, contra maiorias autoritárias, de um núcleo de direitos básicos, trazendo a indeterminação como um dado inexorável que somente teria como ser extinto com a extinção da própria democracia.

André-Jean Arnaud discute a relação entre a estrutura social e a formação do pensamento jurídico, olhos postos, sobretudo, no papel dos juristas durante o período feudal-cristão na Europa, nas transformações verificadas no pensamento jurídico quando da formação dos Estados Nacionais até a quase superação desta noção pelo contexto da globalização, a substituição de conceitos de "identidade" pelos de "diferenciação", de "universalismo" pelos de "globalismo", as tensões entre o "pluralismo de fontes" e a centralização da produção do Direito no Estado.

Ángeles Solanes Corella, retomando um debate muito presente na obra de Bobbio e também do homenageado, discute o papel da "função promocional do Direito" -- o chamado "Direito premial" -- no contexto do Estado Social, abalando a ênfase que se costuma dar ao caráter coativo da norma jurídica.

Carla Faralli resenha os debates em torno das concepções contratualistas do Direito e do Estado, desde a Antiguidade até a Contemporaneidade, indicando, hoje, os problemas da extensão das noções tipicamente contratuais para a fundamentação da autoridade pública, em especial as concernentes à capacidade para obrigar-se.

Carlos E. Dalpiazzo fere o problema da viabilização das contratações públicas e da solução dos conflitos a elas inerentes mediante o estabelecimento de uma uniformização ("convergência") de regimes jurídicos e de meios tecnológicos.

Francesco Belvisi, em face dos conflitos que emergem em sociedades nas quais múltiplas culturas convivem entre si e, por isto mesmo, do próprio "paradoxo da tolerância", debate a eficácia do princípio da não-discriminação em razão da identidade e a proteção dos valores erigidos como fundantes da ordem constitucional.

Francisco Javier Ansuátegui Roig, ao estudar as condições de uma cidadania baseada em direitos, retoma a ligação necessária entre o Estado de Direito e os direitos fundamentais, a imprescindibilidade de um aparato para a realização desses mesmos direitos, que outros, que não o titular, nem sempre estão muito dispostos a reconhecer espontaneamente,  a democracia e suas tensões.

Fredys Orlando Sorto faz uma releitura de Montesquieu a partir de sua obra principal, enfatizando seja o seu papel enquanto voltado a, no campo do pensamento social, procurar extrair suas proposições a partir da generalização de elementos comuns a mais de um ente concreto, para a compreensão do espírito das leis que regem os povos, o seu "não-contratualismo" na explicação da origem da sociedade, o estabelecimento da tipologia das formas de governo, atualizando, no particular, Aristóteles, a contribuição, na teoria da separação dos poderes, do Judiciário enquanto função estatal separada das demais.

Gilberto Bercovici introduz o tratamento do solo rural e urbano na Constituição de 1988, bem como as tensões decorrentes da necessidade de, ao mesmo tempo em que se assegura o caráter de direito fundamental à propriedade privada, ser promovida a realização de uma política de utilização do espaço que venha a reduzir o potencial conflitivo, ante o caráter de exclusividade que é inerente a esse mesmo direito sobre bem escasso.

Hugo Cancino dedica seu estudo às reflexões do homenageado sobre a identidade jurídico-política da América Latina, no quanto esta identidade, em muito, traduz uma adaptação dos elementos europeus às conveniências das oligarquias locais.

Jacques Ziller versa a relação entre o regime de proteção de dados informáticos na União Europeia e sua repercussão em face dos regimes de países que não a integram, trazendo a questão da transferência de dados com a Argentina.

João Maurício Adeodato estuda as questões envolventes das retóricas empregadas nos discursos sobre o Direito no Brasil, nascidas basicamente de um casamento entre a "escolástica", com seu apego às formas e ao culto da autoridade, e o "praxismo", bem como as falácias mais frequentes, quer no texto que se apresenta ao foro, quer no texto que se produz com o objetivo de refletir sobre o Direito.

Klaus Kempf traz sua contribuição discutindo o advento e o desenvolvimento do acervo da "Biblioteca Híbrida", isto é, a que se compõe tanto de acervo físico quanto digital, estudando o caso específico da Biblioteca Estatal da Baviera.

Luigi Bonanate debate o tema das tensões geradas pelas noções de "identidade", "cidadania" e "humanidade", no que toca à própria sobrevivência da democracia, tanto no âmbito nacional como no supranacional.

Luís Lloredo Alix. realiza um comentário à obra mais conhecida de Rudolf von Jhering (A luta pelo Direito), identificando um desdobramento das ideias do Catedrático de Göttingen no sentido de tratar a defesa dos direitos subjetivos como um dever moral que repercutiria na saúde do próprio sistema político.

Maria Áurea Baroni Cecato retoma a temática da efetividade e essencialidade dos direitos fundamentais do trabalhador na Constituição brasileira de 1988, a partir da sua consideração como ligada à proteção da dignidade da pessoa humana.

María Belén Cardona Rubert enfrenta o tratamento jurisprudencial da proteção de dados pessoais relativos ao trabalhador, em especial no que tange a filiação sindical e saúde, e os limites em que o poder de direção do empregador pode utilizar tais dados sem perfurar o direito do trabalhador à intimidade.

Maria Cristina Hermida del Llano, a partir das reflexões de Francisco de Vitória sobre a igualdade natural dos seres humanos e a própria concepção universalista do que seja um ser humano, trabalha as projeções de tal contribuição nas questões concernentes a direitos humanos e, em especial, ao caso das migrações.

Martin Laclau realiza o percurso acerca da formação das teses de Heidegger e Gadamer que têm influenciado as tendências contemporâneas da hermenêutica jurídica, num progressivo abandono das posturas normativistas tradicionais.

Miguel Ángel Ciuro Caldani, diante de um mundo marcado pela velocidade de mudanças decorrentes da tecnologia, aponta para a superação dos referenciais teóricos normativistas, próprios para o mundo do século XX, conduzindo à adoção de uma teoria trialista do mundo jurídico, na qual se apresentam as dimensões sociológica, normológica e dikelógica, lembrando em muito o tridimensionalismo de Miguel Reale.

Nelson Saldanha suscita a questão das peripécias do conceito de Direito desde o jusnaturalismo, passando pelos positivismos da Escola de Exegese em confronto com a Escola Histórica, bem como pela Pandectística, pelo normativismo e suas derivações, até chegar ao pragmatismo anglo-saxão contemporâneo e à teoria da argumentação, que tem em Alexy o nome principal, salientando o papel da sociologia jurídica, cujo desenvolvimento mostra o quão injustificável é a teoria geral do Direito atual ignorar suas contribuições, bem como a de pensadores do Direito de que dela se ocuparam, como Gény e Esser.

Norberto C. Dagrossa traz o aporte acerca das situações em que se verificou a vacância do Vice-Presidente da República na Argentina, e os modos por que se procurou resolvê-las, apontando para os riscos de acefalia a cada vez que um Vice vem a estar impedido de exercer o poder em que investido com a queda do titular.

Oscar Sarlo trabalha a tensão existente entre a teoria do Direito voltada à dogmática e a teoria do Direito centrada na argumentação dos respectivos artífices, referindo como questão central a da própria racionalidade tanto do discurso jurídico quanto do discurso sobre o Direito.

Paolo Garbarino recorda a presença de Bobbio no departamento de Filosofia do Direito da Universidade de Torino, mesmo depois que, em 1972, veio a ser substituído na regência da cátedra por seus discípulos Umberto Scarpelli e Enrico de Rubilant, o seu papel na construção do pensamento jurídico enquanto um dado a dialogar com outros ramos da ciência social, mesmo a partir de Kelsen, e no estabelecimento da linha editorial de livros jurídicos junto à Casa Einaudi.


Patricia Cuenca Gómez trabalha, a partir de Kelsen, a presença do dado de fato do poder enquanto fator inafastável da efetivação ou da frustração da eficácia do ordenamento jurídico, por mais sofisticado que este pretenda ser.

Ricardo Adriano Massara Brasileiro e Marco Antonio Sousa Alves, a partir da perspectiva do Direito enquanto discurso que se institucionaliza, versam as influências que o suporte do discurso - da oralidade à escrita e, depois, à digitalização - termina por manifestar sobre a própria substância do discurso.

Torquato Castro Júnior vem a trabalhar o papel das metáforas na construção da obra jurídico-filosófica de Pontes de Miranda.

Segue-se a relação da produção do homenageado, alcançando nada menos que 570 escritos.

Como se pode ver, a multiplicidade de temas versados nesta obra corresponde a todos os campos sobre os quais se debruçou o homenageado, e nos tempos atuais, em que os imediatismos parecem substituir os conceitos meditados e construídos para evitar as soluções à base da passionalidade, textos como este que ora se resenha vêm a parecer-se com a coruja de Minerva que, na metáfora hegeliana, alça voo no crepúsculo da Razão. A frase que levou Lavoisier à guilhotina não deve ser repetida.

sábado, 9 de julho de 2016

A ante-sala da globalização na obra de Epitácio Pessoa

FRANCA FILHO, Marcílio Toscano; MIALHE, Jorge Luís; JOB, Ulisses da Silveira [org.]. Epitácio Pessoa e a Codificação do Direito Internacional. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 2013.

O caso de Epitácio Pessoa, que praticamente ocupou todos os cargos públicos que se põem à disposição do bacharel em Direito no Brasil, e de seu Projeto de Código de Direito Internacional Público, interessou a este grupo de estudiosos, que organizou esta coletânea a partir da seguinte estrutura: o significado e a repercussão da obra do homenageado, a obra em si e a respectiva biografia. A contribuição para a História do Direito Internacional Público e a compreensão desta contribuição brasileira veio a ser o mote da respectiva confecção.

Marcílio Toscano Franca Filho, ao emitir pronunciamento "à guisa de introdução: algumas questões preliminares e metodológicas", analisa a biografia e o papel desempenhado, nas múltiplas facetas de sua vida pública, por Epitácio Pessoa, e situa a importância de se conhecer e discutir o Projeto de Código de Direito Internacional Público por ele elaborado em 1911, num contexto em que cada vez mais se internacionalizam as relações jurídico-econômicas (p. 32-3).

O primeiro estudo, da lavra de Alessandra Correia Lima Macedo Franca, sobre "a jurisdição, a imunidade dos Estados e o espaço da relatividade: do código à rede", examina as vicissitudes da parêmia "par in parem non habet imperium", partindo de uma concepção de imunidade jurisdicional absoluta, assinalando no Projeto de Código de Direito Internacional Público uma das primeiras tentativas de disciplinar o assunto, passando pela distinção entre "atos de império" e "atos de gestão", encaminhando-se para os casos de exceção à regra imunitária, como é o caso das "Regras de Hamburgo", urdidas em 1891, pelo Instituto de Direito Internacional, o dissenso das legislações acerca da extensão da imunidade em sede trabalhista, a caracterização da execução forçada como espaço de resistência da imunidade absoluta e a dificuldade da aplicação ou não aplicação desta em face dos direitos humanos, diante do debate que se trava entre universalistas e relativistas neste campo.

Alice Rocha da Silva examina o modo como se procurou equacionar "a responsabilidade internacional do Estado no Projeto de Epitácio Pessoa", salientando a tendência à ampliação da área a ser coberta por tal sistema de responsabilização, especialmente diante do aumento do espectro dos direitos humanos, a importância da disciplina da responsabilidade na mitigação do estado de indeterminação nas relações internacionais, a evolução das bases da responsabilidade, a equiparação dos estrangeiros aos nacionais para o efeito de acesso à ordem jurídica interna em cada Estado, os casos em que a guerra civil poderia render ensejo à responsabilidade, a exigência de esgotamento dos recursos do direito interno, o modo de se operar a reparação dos danos e a imputação, ao Poder Central, da responsabilidade pelos atos das entidades locais, no contexto dos Estados Federais no âmbito internacional.

"Os prisioneiros de guerra no Projeto de Código de Direito Internacional de Epitácio Pessoa" ocupam a atenção de Érika Seguchi, que os situa no contexto da mitigação da atrocidade do conflito armado, olhos postos tanto no Direito da Convenção de Genebra como no Direito da Convenção de Haia. Aponta para a influência desta última na sistematização feita por Epitácio Pessoa, com a definição do conceito de "prisioneiro de guerra", da respectiva identidade, da submissão respectiva às leis, ordens e regulamentos vigentes no espaço dominado pelos captores, a questão do sustento dos prisioneiros, do trabalho que lhe pode e que não lhe pode ser exigido, do tratamento a ser dado em caso de tentativa de fuga, a prestação de assistência religiosa e por entidades humanitárias, sobre a centralização das informações acerca das vicissitudes dos prisioneiros, inclusive óbitos, salientando, ainda, a influência dos artigos redigidos pelo jurista brasileiro na atuação da Agência Internacional dos Prisioneiros de Guerra, criada pela Cruz Vermelha Internacional em 1914.

Eugênio Vargas Garcia faz a narrativa da experiência de "Epitácio Pessoa diplomata: de Versalhes ao Catete", quando o protagonista desta coletânea, ao participar da Conferência de Paz subsequente à I Guerra, em 1919, entrou em tratativas com o Presidente Woodrow Wilson, dos EUA, para a obtenção do reconhecimento da dívida da Alemanha decorrente do confisco do produto da venda de sacas de café estocadas em portos europeus e da incorporação de navios alemães apreendidos à marinha mercante brasileira, além de acompanhar da formação da Liga das Nações e de ser eleito, ainda em missão diplomática, para a Presidência do Brasil.

Fredys Orlando Sorto, ao comentar "a condição da pessoa humana no Projeto de Código de Direito Internacional Público de Epitácio Pessoa", indica, na obra deste, este ponto mais conforme à doutrina tradicional do Direito Internacional Público, que somente reconhecia personalidade aos entes dotados da capacidade de fazer a guerra e celebrar tratados, isto é, os Estados, e contrasta-o à evolução doutrinária que, principalmente diante do desenvolvimento do Direito Internacional dos Direitos Humanos, reconhece a personalidade no âmbito internacional também aos indivíduos.

Gustaaf Janssens, ao comentar a relação pessoal entre o Presidente Epitácio Pessoa e o rei belga Albert I, bem como a solidariedade prestada pelo Brasil à Belgica em 1914 quando do ataque perpetrado pela Alemanha e o estabelecimento de parcerias comerciais que renderam ensejo à recuperação do reino europeu, salienta o traço comum aos dois governantes quanto à preferência pelas soluções da concórdia e da conformidade ao Direito, e aos esforços por que por meios pacíficos se resolvessem as controvérsias internacionais.

Já Gustavo Ferreira Ribeiro, a quem coube examinar "o comércio internacional no Projeto de Código de Epitácio Pessoa", contextualiza o Brasil no comércio internacional na transição do século XIX para o século XX, quando era exportador, principalmente, de café, ensaiando diversificação no que toca, por exemplo, à borracha, a experiência brasileira em tratados bilaterais de amizade, comércio e navegação,bem como de participação nas Conferências Pan-Americanas (1889-1890, 1901-1902, 1906, 1910, 1923 e 1928) e a mudança do eixo diplomático brasileiro de Londres para Washington durante a gestão, à frente o Ministério das Relações Exteriores, do Barão do Rio Branco, quando foi cometida a Epitácio Pessoa a tarefa de confeccionar o Código, orientando a disciplina do comércio internacional, principiando pelo tratamento da "liberdade de trânsito", ressalvando o poder dos Estados disciplinarem, como bem lhes aprouvesse, o comércio uns com os outros, a liberdade de comércio marítimo, desde que respeitadas as disposições de natureza fiscal, sanitária e policial, a medida do tratamento igualitário entre nacionais e estrangeiros, a uniformização de pesos e medidas, apontando para a semelhança com as soluções albergadas no GATT.

Ao dedicar-se João Carlos Jarochinski Silva ao estudo sobre "a guerra civil no Código de Epitácio Pessoa", aponta para a tentativa de se estabelecer um parâmetro para a disciplina das relações com terceiros países em tais contextos, sobretudo considerando as experiências de conflagrações vivenciadas pelo protagonista da coletânea, buscando, em primeiro lugar, evitar a definição normativa do conceito de guerra civil, bem como os deveres de não intervenção dos Estados estrangeiros, regulando, ainda, o reconhecimento do estado de beligerância, de tal modo que são atraídas, em relação aos revoltosos, as disposições relacionadas ao direito da guerra.

"O reconhecimento da beligerância no Projeto de Código de Direito Internacional de Epitácio Pessoa" é explorado por Jorge Luís Mialhe, ao situar tal conceito no contexto da preocupação de estabelecer regras de conduta para a guerra, minimizando, assim, os seus efeitos colaterais, sobretudo em relação às populações civis, indicando os precedentes internacionais de tentativa de codificação do Direito Internacional Público, salientando a contribuição epitaciana, bem como a atualidade do conceito de beligerância, no mínimo, para que mesmo a guerra civil não se converta no teatro em que vigora a regra segundo a qual tudo é permitido contra o vencido, trazendo ainda os problemas atuais do procedimento e dos efeitos do reconhecimento deste estado.

A contribuição de Lilian Castillo volta-se aos direitos e deveres dos Estados no Projeto de Código de Direito Internacional de Epitácio Pessoa, assinalando a influência, neste, dos conceitos desenvolvidos por Johann Kaspar Bluntschli, embora avançando em domínios sequer cogitados por este último, como a alusão a um direito dos Estados proverem a respectiva conservação e prosperidade e o dever respectivo de não utilizarem símbolos de outros, marcando o Projeto, como um todo, diante das soluções adotadas em termos de Tratados, como demonstrativo de um sólido conhecimento do Direito Internacional e de uma efetiva capacidade de inovar.

Liliana Lyra Jubilut, ao comentar "o conceito de soberania: modificações e responsabilidade", trabalha a evolução teórica deste fundamento do Direito Internacional Público, a partir do século XVI, e da evolução de sua compreensão na prática das relações internacionais desde a Paz de Westfália, realiza a análise da variação das limitações a que se pretendeu submeter a soberania nos âmbitos interno e externo, bem como do tratamento procedido pelo Projeto Epitácio Pessoa às noções de "domínio reservado", "não intervenção", "igualdade entre os Estados" e "responsabilidade", examinando, a seguir, a evolução do Direito Internacional Privado no pós Segunda Guerra, com a criação da ONU, o período da Guerra Fria e a contínua preocupação em não se estabelecer sinonímia entre "soberania" e "onipotência" (p. 265), no que permaneceria atual a preocupação do homenageado.

Luciana Pessanha Fagundes examina os "rituais de hospitalidade e encenações da história: visitas de Chefes de Estado no Governo de Epitácio Pessoa (1919-1922)", partindo do pressuposto de que visitas desta natureza teriam como escopo a construção de alianças, e analisa o que significaram elas num contexto de consolidação de uma política externa brasileira voltada aos EUA, bem como os próprios acordos comerciais firmados com a Bélgica - de que teria sido também decorrência a instalação, em 1921, da Companhia Siderúrgica Belgo-Mineira - e o fortalecimento dos vínculos de amizade com Portugal, então ainda combalido pela crise que, em 1926, iria render ensejo ao protagonismo de um Oliveira Salazar.

Marcelo D. Varella, ao versar o "Direito Humanitário no início do século XX e a codificação de Epitácio Pessoa", salienta que esta, não obstante não tivesse, no particular, inovado, tomou posição em temas polêmicos à época, como a proteção da população civil, as garantias desta e dos servidores públicos nos territórios ocupados, os direitos dos feridos e do pessoal ligado à prestação dos serviços de saúde, os direitos e deveres em relação aos territórios ocupados, de tal sorte que a sua ousadia consistiria em trazer tais posições para o "corpus" sistematizador.

O estudo "sobre a linha: o Código de Epitácio, o tema da fronteira e o Direito Internacional do Espaço", de Marcílio Toscano Franca Filho, examina o problema da delimitação territorial da soberania a partir da compreensão geométrica da linha e de sua função, separando superfícies, não desempenhando papel diverso no que tange à superfície onde se exerce a autoridade estatal, para perscrutar, a seguir, de que modo foram as questões concernentes aos requisitos para a demarcação e delimitação de fronteiras, bem como para o respectivo desaparecimento, foram equacionadas no Projeto Epitácio.

Ao discorrer sobre o tratamento da "propriedade intelectual no Projeto de Código de Direito Internacional de Epitácio Pessoa", salienta Maria Edelvacy P. Marinho as características peculiares do bem imaterial, a expansão da proteção deste para além das fronteiras dos Estados, a distinção, neste campo, entre a concorrência das legislações entre si e a cooperação internacional, a inserção da temática no artigo 278 do Projeto, pressupondo a distinção dos regimes de propriedade industrial, de um lado, e de propriedade artística e literária, de outro, a modificação da metodologia de elaboração dos Códigos de Direito Internacional Público (a cargo de Epitácio Pessoa) e de Direito Internacional Privado (a cargo de Lafayette Rodrigues Pereira), em 1912, que conduziu a que a matéria viesse a ser versada, mais tarde, no Código Bustamante.

Matheus de Oliveira Lacerda, ao comentar "a codificação do Direito Internacional Público: a materialização do padrão realista jurídico-pragmático da política externa brasileira", discute as origens do panamericanismo, o pragmatismo brasileiro na condução de sua política externa em meio a potências militarmente mais poderosas, e o papel desta prática na elaboração do Projeto Epitácio Pessoa.

Cabe a Rogério Duarte Fernandes dos Passos versar "a estruturação da nacionalidade e a condição jurídica dos nacionais e estrangeiros à luz do Código de Direito Internacional Público de Epitácio Pessoa", retomando as noções de nacionalidade e cidadania, mostrando o tratamento particularizado da questão da nacionalidade em relação à pessoa humana, aos navios e aeronaves, aos efeitos decorrentes da cessão territorial, à situação da mulher casada e dos filhos menores, à proteção diplomática, à responsabilidade dos nacionais por fatos verificados no exterior, à condição jurídica do estrangeiro, bem como dos problemas relacionados à aquisição de bens imóveis por pessoas jurídicas de direito público estrangeiras.

Rui Décio Martins versa, em pormenor,  o tema do nascimento dos Estados para os efeitos do Direito Internacional Público, até hoje carecedor de uma disciplina procedimental específica, regrado somente pela prática consuetudinária, no estudo intitulado "Dos Estados. Reconhecimento. Ontem e hoje".

Salem Hikmat Nasser e Adriane Sanctis de Brito, ao estudarem a "unidade, fragmentação e regimes jurídicos: narrativas de hoje e de Pessoa", examinam a busca da sistematização mediante o Projeto, em especial, como uma aspiração voltada a reduzir as colisões presentes em um contexto de relações jurídicas disciplinadas de modo fragmentário.

A contribuição, no tocante às relações internacionais, de "Rui, Epitácio e Fernando Henrique: do Brasil para o mundo" é dissecada minuciosamente por Susana Camargo Vieira.

"Epitácio Pessoa e o Direito Internacional americano" é o texto que cabe a Ulysses da Silveira Job, contextualizando a elaboração do Projeto em meio a uma identidade das Américas que se pretendia afirmar ante a comunidade internaciona, respeitando os princípios e valores presentes já em tratados preexistentes e harmonizando-os num texto único, adiantando-se a seu tempo em várias nuanças, como o status da mulher casada, medidas concernentes à circulação física, disciplina das soluções pacíficas de controvérsias internacionais, terminando por um comentário à sua atuação em questões de interesse americano.

Os "apontamentos do Direito dos Tratados no Projeto de Código de Direito Internacional Público de Epitácio Pessoa",  a cargo de Valério de Oliveira Mazzuoli, encerram esta primeira parte, salientando a influência do Projeto, neste campo, sobre a Convenção de Havana de 1928, bem como os pontos que vieram a ser superados, em especial no tocante à forma e à validade dos Tratados, com a evolução do Direito Internacional.

A seguir, é reproduzido o Projeto comentado nos estudos anteriormente resenhados.

Por fim, o retrato pessoal do jurista e político a que esta obra é dedicada, com a nota bibliográfica assinada por Joyce Sant'Anna Simões e Renato José Ramalho Alves, bem como fotografias ligadas à sua atuação no âmbito das relações internacionais.


Num momento em que se discutem temas como a permanência da distinção entre civilização e barbárie, da necessidade ou da superação da era das codificações, dos abalos que a própria ideia de soberania sofre diante da homogeneização jurídica do espaço econômico, a que se dá o nome de globalização, em que povos ocupantes de espaços territoriais buscam, por um lado, o reconhecimento e, por outro, comparecem forças não ligadas a nenhum Estado que se tornam atores impensados aos tempos em que se celebrou a Paz de Westfália, uma obra como a presente mais que se justifica, como uma das grandes contribuições brasileiras na tentativa de reduzir o quanto de arbitrário que ainda existe no âmbito das relações internacionais.

quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

Negócio fiduciário como ponte entre sistemas jurídicos

FOERSTER, Gerd. O "trust" do direito anglo-americano e os negócios fiduciários no Brasil - perspectivas de Direito Comparado (considerações do acolhimento do "trust" pelo Direito brasileiro). Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2013.
 
A curiosidade que desperta, em meio aos que vivem no sistema de direito predominantemente legislado, acerca do funcionamento dos sistemas predominantemente baseados na inferência de regras gerais a partir da solução de problemas concretos e o movimento de homogeneização jurídica do espaço econômico denominado "globalização" tornam extremamente oportuna a publicação da versão comercial da tese de doutoramento que o autor defendeu junto à Universidade de Barcelona.
Principia a obra pela explanação das características do Common Law, indicando seu surgimento a partir da conquista pelos normandos de Guilherme I, substituindo os direitos tribais dos anglos, saxões e vikings (que se haviam imposto desde o término da presença romana na Grã-Bretanha), centralizando em torno do novo rei a administração e confiando aos Tribunais Reais de Justiça, por oposição ao direito canônico e aos costumes e cortes dos senhores locais, a elaboração do ordenamento comum a toda a Inglaterra (p. 39-40). Refere a fase inicial como marcada pela sobrevalorização das fórmulas processuais, a fim de que, das circunstâncias dos casos concretos e dos contratos, fossem inferidas as regras para a composição dos litígios (p. 43-6), indicando a formação da Equity como o juízo do Rei, com o auxílio do Chanceler, a partir do século XVI, para a correção de eventuais inadequações ou insuficiências ou injustiças aberrantes por parte das Cortes (p. 49), juízo, este, que seguiu em muito o processo canônico, dada a origem, em regra, clerical do Chanceler, e teve seu apogeu nos períodos absolutistas dos Tudors e Stuarts, tendo reduzido seu âmbito de aplicação com o fortalecimento do Parlamento (p. 51-2). Com a identificação de uma estrutura dualista como constitutiva do Direito inglês - Common Law e Equity -, apresenta como contribuições desta última a determinação da execução das obrigações de fazer previstas em cláusulas contratuais, o reconhecimento da possibilidade de vício da vontade de uma das partes em virtude de coação moral, a possibilidade de uma pessoa, proprietária, entregar a outra um bem para ser administrado em prol de um terceiro, a busca forçada do cumprimento de promessa, a subrogação no crédito daquele que pagasse obrigação alheia, a recuperação de bem deixado em depósito depois de morto o depositário, estendendo-se até a formação da lex mercatoria (p. 57-9). Aponta, em caráter subsequente, o papel que tiveram os Judicature Acts, a partir especialmente de 1875, para atribuir a todas as jurisdições inglesas a competência para a aplicação tanto do Common Law quanto da Equity, de tal sorte que esta continua a disciplinar os campos concernentes a sociedades comerciais, falências, lioquidação de heranças e aquele incorporou as regras de intervenção nos contratos, continuando a disciplinar matéria criminal, direito contratual e responsabilidade civil, por um lado, e, por outro, o ingresso de matérias que exigiram a utilização de outros critérios, como a trabalhista e previdenciária, avançando no sentido de um direito legislado se afirmar, principalmente após o New Deal, que não teria deixado de influenciar, também, o Reino Unido (p. 60-2). Traz a cotejo o papel da submissão prévia dos juízes, no sistema "romanístico", a parâmetros fixados em caráter abstrato pelo legislador, e o papel de construtores da "legal rule", a partir dos fatos da causa e das "legal rules" preexistentes, cotejando com os precedentes pertinentes, do juiz no sistema "anglo-saxão" (p. 63-6), bem como o papel mais acentuado das academias na formação dos conceitos naquele sistema em comparação com o papel mais forte dos praxistas no segundo (p. 66-8). Observa que os movimentos de integração jurídica no seio da civilização ocidental conduziriam a uma flexibilização na visão estritamente legalista nos países vinculados à "família romano-germânica", especialmente pela introdução do "trust" no direito interno de vários países do continente (p. 69-70). Partindo da premissa de que o direito ´produto do contexto "sócio-econômico" da sociedade em que emerge, passa a versar o "trust" a partir do instituto de que derivou, o "use", nascido no Direito feudal inglês, em que o senhor dividia a extensão conquistada entre os seus lugares-tenentes (tenants), que a possuíam mediante o pagamento de uma renda, e, por seu turno, estes mesmos lugares-tenentes concediam a seus subalternos partes das extensões que lhes cabiam, a título limitado (p. 73-4). Informa a existência de dois tipos de tenure, a situação jurídica do tenant: a free tenure, mercê da qual se podiam quantificar os serviços a serem prestados pelo vassalo ao suserano, com a possibilidade de alienação dos direitos de posse a terceiros, mediante doação, compra e venda ou permuta, e a unfree tenure, na qual não existia tal possibilidade (p. 75). Traz à colação, ainda, a noção de estate, como mensurador da intensidade do vínculo entre o proprietário e o tenant, distinguindo as primeiras quatro modalidades reconhecidas pelos Tribunais de Common Law - o fee simple estate, o fee tail estate, o life estate e o estate pur autre vie - e uma quinta modalidade desenvolvida a partir do século XIV, o leasehold estate, que mais se assemelharia a um arrendamento (p. 75-6). Aponta para um dos traços distintivos entre o direito romano-germânico, para o qual, enquanto se admitiria livremente a formação de contratos, seria exigível a tipicidade cerrada para os direitos reais, e o direito anglo-saxão, para o qual seria perfeitamente admissível a criação de direitos reais pela via convencional (p. 77-8). Desta forma, explicar-se-ia o surgimento do use, enquanto antepassado mais direto do trust, pela entrega de um bem por uma pessoa (transferor) a outra (transferee of uses) para o administrar em prol de um terceiro (plaintiff), conferida a ele força jurídica principalmente pela atuação do Chanceler (p. 78-9). A seguir, passa-se a elencar e discutir os conceitos correntes para o "trust", tanto no contexto anglo-saxão como dentre os estudiosos de contextos distintos, para optar pela conceituação de D. M. Waters, segundo a qual consistiria o instituto sob análise em uma relação triangular enre o instituidor (settlor), que transfere ao trustee a titularidade de determinado patrimônio para o gerir em favor de um beneficiário (p. 111). Passa a identificar os mais variados critérios de classificação dos trusts no Common Law, comparando-o com relações jurídicas similares, como a agency (p. 136-8), o contract (p. 138-140), o loan (p. 140), o bailment (p. 141) e a corporation (p. 142-3). A seguir, debate a presença de direitos de propriedade simultâneos entre o trustee e o beneficiary (p. 143-7). Ingressa-se nas aplicações do instituto na atualidade, salientando-se sua versatilidade ou "flexibilidade" (p. 147-8), indicando os purpose trusts, os charitable trusts, os pension trusts, os investment trusts, os security trusts, os holding trusts, os land trusts e as modalidades adotadas em jurisdições off shore, buscando, em regra, a diminuição de ônus fiscais (p. 173-5). Para se demonstrar a compatibilidade do instituto com os sistemas de Civil Law, faz-se um profundo exame dos negócios fiduciários. É trabalhada, em primeiro lugar, a fidúcia no direito romano. Ingressa-se no tratamento das instituições similares no Direito germânico medieval para, logo depois, verificar-se a aproximação não só do trust como do mortgage com os negócios fiduciários. O papel que estes desempenham no dotar as obrigações de maiores e mais efetivas garantias, respondendo à dinâmica da vida contemporânea (p. 216), é analisado à luz do Direito Comparado, procedida a conceituação e a decomposição do negócio fiduciário em seus elementos, distinguindo-se-o de institutos afins, para chegar-se à sua prática hodierna, elencando suas manifestações como venda com finalidade de garantia, venda com finalidade de gestão, venda para recomposição de patrimônio, venda com reserva de domínio, doação fiduciária, cessão fiduciária de crédito, endosso fiduciário de títulos de crédito, titularidade fiduciária de direitos de acionista, examinando o tratamento jurisprudencial do tema, para ao cabo, apontar não só para a validade, em face do Direito brasileiro, do negócio fiduciário como para a sua inconfundibilidade com o trust, e mesmo a impossibilidade de ser sucedâneo deste (p. 348-9).  Em seguida, verificam-se as instituições fiduciárias assimiláveis ao trust no Direito Comparado, iniciando-se pela substituição fideicomissária, nascida no Direito das Sucessões e muito discutida após a vitória dos ideais da Revolução Francesa, mantida, entretanto, em virtude da existência de temperamentos, como a temporariedade, a herança legítima e a registrabilidade das transações sobre imóveis, identificando várias possibilidades de contribuição do instituto à implementação do trust no Brasil. A Comissão Mercantil é também estudada em minúcia, e chega-se à conclusão da parca possibilidade de adaptação para o efeito de implementação do trust (p. 430). A alienação fiduciária em garantia, tanto em sua feição originária, posta pela Lei 4.728, de 1965, até chegar à respectiva extensão aos bens imóveis pela Lei 9.514, de 1997, vista como inspirada no trust é esmiuçada para se demonstrar que, a despeito de semelhanças em termos de finalidade prática, de facilitar o acesso ao crédito para a aquisição de bens, há diferenças estruturais (p. 436-7). Realiza-se, ainda, o exame acerca do mandato em causa própria, cujo repúdio inicial veio a dar lugar à aceitação para que se flexibilizasse a possibilidade de transferência de títulos representativos de direitos obrigacionais, com a aglização dos negócios, e chega-se à conclusão de que o aludido instituto estaria longe de constituir, ante os debates travados, base para a adoção do trust (p. 511). Procede-se ao exame das características da gestão de negócios, na qual, embora identificadas semelhanças com uma das modalidades do trust, o constructive trust, não se considera nela presente um alicerce para a introdução do instituto entre nós (p. 522). Trata-se, depois, das semelhanças ao trustee dos agentes fiduciários no mercado de capitais. Pelo aspecto da possibilidade das fundações administrarem bens com a finalidade de beneficiar a terceiros, examinam-se eventuais aproximações delas ao trust, chegando-se à conclusão de que a complexidade do regime delas poderia, especialmente pela necessidade de fiscalização do pelo Ministério Público, inviabilizar a própria adoção do trust. Ao cabo, são esmiuçadas as alternativas para a respectiva implementação no Direito brasileiro.
A obra é extremamente rica em detalhes e, como dito na introdução da presente resenha, vem mui oportunamente, até mesmo pelo estabelecimento de pontes entre sistemas jurídicos diferentes para o fim de demonstrar o próprio esmaecimento das distinções entre eles. O respectivo valor, contudo, não implica integral concordância com várias dentre as proposições, a iniciar-se pelo prático entusiasmo com o Common Law, quando a principal vantagem do Civil Law, assinalada mesmo por um cultor das tradições inglesas tão típico como Jeremy Bentham, está na mais fácil calculabilidade, vez que a previsão em abstrato dos comandos permite saber-se, com maior segurança, as consequências das condutas que se praticarem. Também a taxatividade legal dos direitos reais, no que pese atender a uma expectativa de maiores garantias para o cumprimento das obrigações, precisamente pelo caráter de sujeição passiva oponível a todo o ser humano pelo respectivo titular é que se considera, no âmbito do Civil Law, como mais apta a proteger a liberdade de cada indivíduo. O entusiasmo com a lex mercatoria também não é compartilhado pelo resenhista, que já publicou textos a seu respeito, nos quais demonstrou que a própria liberdade individual demanda, para que seja adequadamente protegida, a existência de interesses indisponíveis, sob pena de cada ser humano valer apenas pela função econômica que desempenhe. Interessa, outrossim, a obra não somente ao Direito Civil, como também ao Direito Econômico, já que se apresenta a possibilidade da adoção do instituto como um dos meios para a atração de capitais estrangeiros, viabilizando cada vez mais as trocas internacionais, além da possibilidade de este instrumento  negocial ser apto a definir a capacidade de os seus partícipes conformarem as relações de mercado.

sexta-feira, 8 de maio de 2009

ORDENAMENTOS JURÍDICOS EM CONCORRÊNCIA

Wegner, Gerhard. Instituições nacionais em concorrência. Trad. Urbano Carvelli. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 2007.
Os tempos que ora correm, em que se pretende a superação das soberanias estatais em prol da conversão do mundo em um grande mercado regulado exclusivamente pelo que os agentes econômicos decidirem livremente em seus contratos – a denominada lex mercatoria - , mostram a oportunidade da publicação desta obra do eminente Professor da Universidade de Erfurt. O problema da convivência de diferentes tipos de regulamentação da economia entre os Estados participantes da União Européia e seus efeitos sobre a concorrência entre os agentes econômicos no âmbito daquela Comunidade Internacional, e, fora desta, no âmbito das relações internacionais econômicas, rastreando as discussões que se travaram no âmbito dos foros internacionais acerca dos limites e possibilidades do estabelecimento de uma autoridade que assegurasse a concorrência internacional, as relações que se estabelecem entre os produtos e serviços migrando de uma concorrência baseada exclusivamente nas características intrínsecas a eles para uma concorrência entre regimes jurídicos, os efeitos das regulamentações tanto na restrição às possibilidades de decisão dos agentes econômicos como no subministrar elementos para a tomada de decisões, tais são alguns dos temas que são versados nesta obra, que dialoga constantemente com as teses do denominado Ordoliberalismo, corrrente de pensamento jurídico e econômico voltada a adaptar a visão liberal clássica aos tempos posteriores à II Guerra, reagindo ao intervencionismo, na qual se destacam nomes como Walter Eucken e Friedrich August von Hayek. A questão da adequação da concorrência entre as instituições exteriores ao mercado, de tal sorte que umas podem ser mais conformes às preferências dos destinatários dos ordenamentos do que outras, revela, aqui, no pensamento do autor que ora se resenha, uma outra faceta da relação entre a economia e o Direito, no sentido de que esta mesmo passa a ser visto como um artigo de consumo – os agentes econômicos buscam os ordenamentos que se mostrem menos restritivos em questões como relações trabalhistas, consumo, meio ambiente, os consumidores, por seu turno, encontram na regulamentação uma possibilidade maior de obterem as informações acerca dos bens e serviços a serem adquiridos -, o que, modo certo, não deixa de trazer outros temas recorrentes, como o da tendência da concorrência entre instituições se colocar em sentido oposto à da concorrência econômica, ou seja, se esta tende à concentração, aquela tende à perpetuação e, por outro lado, a própria negociação em torno do ordenamento a ser escolhido para reger as transações realizadas no mercado, como tem sido comum nos contratos internacionais dotados de cláusula de arbitragem. Claro que, de certo modo, não deixa de se mostrar algo chocante o tratamento dos ordenamentos jurídicos como artigos de consumo, postos à negociação no mercado: contudo, não se pode negar que tal ponto de vista, dentre os juristas, sequer constitui novidade, porquanto na doutrina do Direito Internacional Privado tem sido recorrente a tese da possibilidade de as partes escolherem o ordenamento jurídico que deverá reger a solução das controvérsias que se instaurarem em torno de seus contratos. Por outro lado, a tendência a perpetuação da concorrência entre os ordenamentos jurídicos – não só as vicissitudes do MERCOSUL como as da própria União Européia ilustram tal assertiva – vem a traduzir um contraditor nada desprezível à idéia de homogeneização do espaço jurídico econômico que se pretende nominar como globalização. Em suas oitenta e oito páginas, a obra vem a se mostrar uma das mais vivas explicitações do acerto da frase de Bobbio quanto a não ser bastante sustentar a prevalência do econômico para merecer a qualificação de marxista. Em que pese a concisão, vários temas são versados na obra ora resenhada, como se pôde ver, abrindo caminhos para um sem-número de pesquisas para quantos tenham interesse nos temas da concorrência, da globalização e da formação de Comunidades Econômicas.

quinta-feira, 7 de maio de 2009

INTERPRETAÇÃO, PUBLICISMO E PRIVATISMO

PESSOA, Leonel Cesarino. A teoria da interpretação jurídica de Emilio Betti – uma contribuição à história do pensamento jurídico moderno. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 2002.

Tema comum à filosofia e ao Direito, a hermenêutica, por estes dois ramos do conhecimento humano, tem sido discutida em rumos paralelos, razão por que – é o que aponta este livro, já nas primeiras páginas – raros têm sido os filósofos que se têm proposto a enfrentar a discussão, tal como travada pelos juristas, assim como raros têm sido os juristas que se têm proposto a transcender os limites da tipologia lançada, em suas bases gerais, por Friedrich Carl von Savigny, no 1º volume do seu Sistema de Direito romano moderno. A teoria da interpretação de Emilio Betti é encarada como uma ponte entre a filosofia e o Direito na discussão da hermenêutica, o que o conduziu a, primeiramente, lançar as bases de uma teoria do conhecimento para, daí, garantir o êxito epistemológico da atividade interpretativa, a partir da identificação dos problemas no âmbito da teoria geral do direito. No âmbito desta, o problema se coloca na busca do equilíbrio entre a certeza e segurança jurídica – preocupação maior do Positivismo, notadamente o de caráter normativista – e a adequação da solução jurídica ao caso concreto sob o exame do juiz – preocupação maior da Escola do Direito Livre -. A obra ora resenhada aponta para a opção decidida feita por Betti pela jurisprudência dos interesses, pela qual a interpretação deveria pesquisar os interesses que presidiram a elaboração da norma jurídica, bem como encarara a esta como resolução de um conflito de interesses, e, também, deveria proceder à integração e correção das idéias historicamente apuradas, e para a polêmica travada com Santi Romano, basicamente, residente na divergência existente entre os dois juristas acerca do conceito de interpretação. Identifica a origem das incursões de Betti no campo da hermenêutica filosófica no rastreamento da resposta à pergunta sobre o modo de identificar os interesses que se pretenderiam realizar normativamente e de adequar os juízos de valor iniciais às novas realidades sociais. Betti ter-se-ia servido das contribuições de Wilhelm Dilthey para definir como objeto da teoria da interpretação a “forma representativa”, que seria a forma sensível mediante a qual um outro espírito falaria ao nosso, e, em seguida, ter-se-ia proposto o problema do modo como se tornaria possível o conhecimento das formas representativas, o que implicaria buscar a identificação da idéia objetivada mediante tais formas. Para buscar tal identificação é que Betti teria ingressado no campo da filosofia da linguagem, rejeitando a teoria behaviorista (para a qual, na obtenção do significado somente importariam o signo e aquilo para o que o signo ostenta este caráter, sem que se pudesse cogitar de um terceiro termo responsável pelas objetivações – isto é, sem que se pudesse cogitar justamente do objeto da preocupação de Betti), colocando, a partir das teorias de W. M. Urban, a solução para o terceiro termo no conceito de comunidade de discurso, decorrente da possibilidade de universalização de representações, isto é, a partir de que haja uma correspondência do significado de determinados signos para os interlocutores. Passa, em seguida, a obra ora resenhada a examinar a polêmica travada entre Betti e Gadamer, colocando a posição deste acerca da impossibilidade da correção – o segundo momento da interpretação – da norma ser feita com base no entendimento, resvalando para o arbítrio, e justificando-se a posição daquele no sentido de que se buscava um critério seguro que permitisse a adaptação da norma a uma realidade que evoluíra desde a sua elaboração. A obra conclui relacionando a investigação sobre as condições do entendimento, feita por Schleiermacher, que diz respeito ao traço de unidade entre as técnicas de interpretação de texto, e o aproveitamento feito por Betti, voltando-se à identificação das condições do correto entendimento do texto jurídico e, sob as bases da teoria do conhecimento por ele lançadas, a elaboração de uma metodologia que permitisse a adoção de cânones para a correta interpretação. A obra ora resenhada, versão comercial de tese de doutoramento apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, como se pode ver, busca a documentação e análise de um dos esforços mais impressionantes no que tange ao estabelecimento do equilíbrio entre duas exigências antagônicas, quais sejam, a certeza e a justiça. Como toda obra de valor, ainda provoca a possibilidade de desdobramentos.
O enfoque do debate entre Betti e Santi Romano se coloca na divergência que um e outro teriam quanto ao conceito de interpretação, para o autor. Penso que, embora correto, não é, contudo, o único aspecto que poderíamos investigar para o efeito de explicar o âmago da divergência, e isto dentro da própria proposta metodológica de Betti. Com efeito, é de se destacar a própria diferença de enfoques adotados pelo privatista – a obra jurídica de Betti se volta, preferencialmente, ao direito civil – e pelo publicista – Santi Romano é, como todos sabem, um dos grandes nomes do direito constitucional -. Este se preocupa, basicamente, com a estrutura do Estado e com a preservação das competências, em que pese ter sido um dos primeiros estudiosos do “pluralismo jurídico”, que muitos apresentam como uma novidade, embora, por certo, cingindo-o a limites: "na esfera da ordenação estatal, podem ter valor não só as normas oriundas diretamente do Estado e dos demais entes e sujeitos que dele retiram sua autonomia, mas também as normas que derivam de ordenações, ou seja, de instituições que são originárias em relação ao Estado, principalmente a comunidade internacional, os Estados estrangeiros e a Igreja. Porém, elas não têm eficácia por si mesmas, diretamente, mas apenas quando as leis estatais a atribuem e nos limites de tais atribuições; logo, são irrelevantes, ou pode ser-lhes proibida a observância enquanto o Estado não as reconhecer" (Princípios de Direito Constitucional geral. Trad. Maria Helena Diniz. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1977, p. 122). Sua concepção a respeito do direito privado indica, de plano, tal preocupação: "o direito privado é a esfera de ordenação que o próprio direito público, limitando-a, reserva às autonomias meramente lícitas. O direito privado, portanto, encontra sempre seu fundamento no direito público, já que dele deriva e está circunscrita a sua autonomia: o direito privado é uma esfera, um espaço deixado mais ou menos em branco pelo direito público, que porém o encerra na rede de suas malhas, o alimenta e o tutela" (Princípios de Direito Constitucional geral. Trad. Maria Helena Diniz. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1977, p. 100). Já para Betti, a questão que se coloca é bem outra: é a de que, mesmo havendo o trabalho do legislador, este nunca se acha completo, porque se coloca a necessidade da solução dos conflitos concretos à luz do ordenamento jurídico e, neste caso, sempre acaba restando um aspecto de criatividade, mesmo que se não arrede da norma legal como parâmetro para decidir, como ilustra esta passagem: “na realidade, o que o indivíduo declara ou faz com o negócio é sempre uma regulamentação dos próprios interesses nas relações com outros sujeitos: regulamentação da qual ele entende compreende o valor socialmente vinculante, mesmo antes de sobrevir a sanção do direito. É característica do negócio que a sua fatispécie, ainda mais que seu efeito, prescreva uma regulamentação obrigatória, a qual, uma vez reforçada pela sanção do direito, está destinada a elevar-se a preceito jurídico. Não quer isto dizer – como tantas vezes se repete – que a vontade privada possa, só por si, por virtude própria, ser causa imediata de efeito jurídico, já que sem uma ordem jurídica que estabeleça o nexo ‘causal’, esse efeito sequer é concebível. Acontece, porém, que aqui a previsão a que esta ligado o efeito jurídico contém em si mesma um preceito de autonomia privada, cujo reconhecimento por parte da ordem jurídica representa, na sua essência, um fenômeno de recepção. A ordem estabelecida pelas partes para os seus interesses é valorada pelo direito de acordo com os seus pontos de vista gerais, tornada própria com as suas oportunas modificações e traduzida nos termos de uma relação jurídica” (Betti, Emilio. Teoria geral do negócio jurídico. Trad. Fernando de Miranda. Coimbra: Coimbra Ed., 1969, t. 1, p. 300-301).
A visão privatista de Betti, pois, tem presente a solução de conflitos interindividuais, em que o órgão do Estado se coloca como um terceiro não interessado, bitolado pelo ordenamento jurídico, posto este como a garantia da previsibilidade do resultado das operações que se travam. Já a publicista de um Santi Romano vem a se colocar no sentido de uma ordenação da sociedade como um todo, na disciplina da própria condição de autoridade, quantificada, inclusive, a capacidade de esta exercer a coação sobre os indivíduos, em que o Estado se vem a colocar como um dos sujeitos da relação jurídica. Assim, o princípio da legalidade se há de entender como o delimitador do espaço onde a autoridade haverá de ser exercida, com o que a interpretação será de caráter eminentemente declaratório, na visão publicista, mesmo que não se possa esquecer que "também certos atos privados contêm prescrições, determinações, preceitos - numa palavra, normas - que, como aquelas das leis públicas, são disposições preventivas, destinadas a regular relações que assumem caráter jurídico. E são normas institucionais, enquanto deriva do Estado a autonomia sobre a qual se fundam e pelo Estado são protegidas, por lei e pelas autoridades públicas" (Princípios de Direito Constitucional geral. Trad. Maria Helena Diniz. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1977, p. 116). Já na visão de Betti, ao contrário, há espaço para a construção, justamente porque ao ordenamento cabe assegurar o espaço para a vontade individual se manifestar livremente, disciplinando as relações jurídicas no seu âmbito de atuação. Contudo, as finalidades a que ambas se propõem são similares. A interpretação enquanto "espelho", defendida por Santi Romano, com um caráter eminentemente declaratório e não constitutivo, tomando o Estado como sujeito da relação jurídica implica, em realidade, a redução da esfera de atuação deste, dada a clássica formulação liberal do principio de legalidade, quando referido ao Poder Público, e, no contexto de um ordenamento que se vai manifestando pela atuação estatal em domínios antes reservados ao particular, no aspecto publicístico, desempenha um papel similar, no aspecto privatístico, da sua antípoda em Betti, quanto à possibilidade de o intérprete, a partir do dado ordenamento jurídico, construir as soluções para os problemas que se apresentam, enquanto ampliação da margem de decisão do particular. Veja-se, com efeito, a passagem de Santi Romano acerca das tendências à redução do espaço do direito privado: "a esfera do direito privado tende, nos Estados modernos, a restringir-se em benefício do direito público. Isto ocorre devido ao processo de contínua e progressiva ingerência do Estado em matérias reservadas à autonomia de outrem, ou à transformação de tal autonomia, meramente lícita em funcional" (Princípios de Direito Constitucional geral. Trad. Maria Helena Diniz. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1977, p. 102).
Mas, consoante dito, esta observação pontual não deve ser vista como a identificação de um defeito na obra ora resenhada, mas, pelo contrário, como uma prova da sua riqueza, no sentido de encorajar novas investigações, ainda mais nos tempos hodiernos, em que se discute o problema do estabelecimento do efeito vinculante para as decisões das Cortes Superiores.

quarta-feira, 6 de maio de 2009

ENTRE O TOMISMO E O LIBERALISMO ECONÔMICO

HORN, Norbert. Introdução à ciência do Direito e à filosofia jurídica. Trad. Elisete Antoniuk. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 2005.

Este livro didático parte do pressuposto da avidez que as sociedades modernas demonstram por normas jurídicas, sobretudo diante de experiências de insegurança e destruição decorrentes do que denomina "ausência de Direito", considerado este como "a suma das normas gerais garantidas pelo Estado para a regulamentação da vida em comum das pessoas e para o apaziguamento dos conflitos inter-pessoais através da decisão" (p. 34). Trabalhados os temas usuais em obras do gênero, nota-se a preocupação enfática com os problemas jurídicos da manifestação da convicção íntima (p. 39) e da moral pública (p. 40-42), os limites gnoseológicos da religião e da ciência (p. 95), com as suas repercussões no pensamento jurídico, os dilemas entre a economia de mercado e a manutenção de seu desenvolvimento nos limites da ética, a tendência à internacionalização e universalização do Direito, com a necessidade do desenvolvimento de uma noção de Justiça - tarefa da Filosofia Jurídica - e de uma teoria do Direito adequada aos tempos de globalização e de instauração da lex mercatoria.

Temas caros ao pensamento jurídico liberal - do qual o autor se mostra representante assumido - aparecem, como o tratamento da legislação intervencionista como tipicamente excepcional, em face da generalidade da legislação de direito civil (p. 191), a recusa em reconhecer o caráter intervencionista das medidas estatais de fomento (p. 132), a superior destinação do Direito à viabilização máxima das trocas de bens (p. 146), o tratamento da economia de mercado como expressão da natureza das coisas (p. 142).

Várias informações importantes passam pelo leitor, como, por exemplo, a compatibilização feita entre a teoria que justifica o lucro pelo risco que o empresário corre e a possibilidade da participação do empregado nos lucros e na gestão da empresa (p. 192), assim como a negação de um slogan que tem sido (perigosamente) repetido amiúde, de que somente os regimes de direita que tenham caído teriam os seus dirigentes condenados e obrigados ao pagamento de indenizações, quando, ao contrário, têm sido freqüentes na República Federal da Alemanha a condenação de autoridades da antiga Alemanha Oriental por atrocidades realizadas em relação a quem fosse enquadrado como adversáro do regime que ali vigorava (p. 373-375).

A obra manifesta uma preocupação obsessiva em fazer uma defesa intransigente do capitalismo, ainda que negando alguns de seus pressupostos fundamentais, tão essenciais a ele quanto a idéia da descendência direta divina de Jesus o é para um cristão: buscando responder às objeções éticas que se fazem ao pensamento liberal, sustenta que nenhuma atuação no sentido da obtenção de lucros que se mostre antagônica a princípios éticos seria economicamente defensável, passando ao largo da ênfase que se dá às virtudes do egoísmo como fonte do progresso coletivo, como núcleo essencial do pensamento liberal.

Aliás, a observação acerca do papel do Direito quanto a ofertar a conexão da dimensão ética à economia, que, pelo ponto de vista do autor resenhado, seria despicienda, não foi feita por um marxista, mas por um opositor ferrenho de tudo o que representasse filiação a um tal pensamento, ou seja, Francesco Carnelutti e, por outro lado, não se explicaria o porquê do declínio do pensamento religioso, bem identificado por Werner Sombart como a necessidade de remover os escrúpulos que se mostrariam um verdadeiro obstáculo para quem se dispusesse a ingressar no campo de batalha mercadológico.

Não se trata de obra neutra, mas, com toda a certeza, dado o tratamento ofertado aos temas, não se lhe pode ficar indiferente: o que é motivo mais que suficiente para recomendar a leitura da obra do Professor da Universidade de Köln.