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quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

Negócio fiduciário como ponte entre sistemas jurídicos

FOERSTER, Gerd. O "trust" do direito anglo-americano e os negócios fiduciários no Brasil - perspectivas de Direito Comparado (considerações do acolhimento do "trust" pelo Direito brasileiro). Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2013.
 
A curiosidade que desperta, em meio aos que vivem no sistema de direito predominantemente legislado, acerca do funcionamento dos sistemas predominantemente baseados na inferência de regras gerais a partir da solução de problemas concretos e o movimento de homogeneização jurídica do espaço econômico denominado "globalização" tornam extremamente oportuna a publicação da versão comercial da tese de doutoramento que o autor defendeu junto à Universidade de Barcelona.
Principia a obra pela explanação das características do Common Law, indicando seu surgimento a partir da conquista pelos normandos de Guilherme I, substituindo os direitos tribais dos anglos, saxões e vikings (que se haviam imposto desde o término da presença romana na Grã-Bretanha), centralizando em torno do novo rei a administração e confiando aos Tribunais Reais de Justiça, por oposição ao direito canônico e aos costumes e cortes dos senhores locais, a elaboração do ordenamento comum a toda a Inglaterra (p. 39-40). Refere a fase inicial como marcada pela sobrevalorização das fórmulas processuais, a fim de que, das circunstâncias dos casos concretos e dos contratos, fossem inferidas as regras para a composição dos litígios (p. 43-6), indicando a formação da Equity como o juízo do Rei, com o auxílio do Chanceler, a partir do século XVI, para a correção de eventuais inadequações ou insuficiências ou injustiças aberrantes por parte das Cortes (p. 49), juízo, este, que seguiu em muito o processo canônico, dada a origem, em regra, clerical do Chanceler, e teve seu apogeu nos períodos absolutistas dos Tudors e Stuarts, tendo reduzido seu âmbito de aplicação com o fortalecimento do Parlamento (p. 51-2). Com a identificação de uma estrutura dualista como constitutiva do Direito inglês - Common Law e Equity -, apresenta como contribuições desta última a determinação da execução das obrigações de fazer previstas em cláusulas contratuais, o reconhecimento da possibilidade de vício da vontade de uma das partes em virtude de coação moral, a possibilidade de uma pessoa, proprietária, entregar a outra um bem para ser administrado em prol de um terceiro, a busca forçada do cumprimento de promessa, a subrogação no crédito daquele que pagasse obrigação alheia, a recuperação de bem deixado em depósito depois de morto o depositário, estendendo-se até a formação da lex mercatoria (p. 57-9). Aponta, em caráter subsequente, o papel que tiveram os Judicature Acts, a partir especialmente de 1875, para atribuir a todas as jurisdições inglesas a competência para a aplicação tanto do Common Law quanto da Equity, de tal sorte que esta continua a disciplinar os campos concernentes a sociedades comerciais, falências, lioquidação de heranças e aquele incorporou as regras de intervenção nos contratos, continuando a disciplinar matéria criminal, direito contratual e responsabilidade civil, por um lado, e, por outro, o ingresso de matérias que exigiram a utilização de outros critérios, como a trabalhista e previdenciária, avançando no sentido de um direito legislado se afirmar, principalmente após o New Deal, que não teria deixado de influenciar, também, o Reino Unido (p. 60-2). Traz a cotejo o papel da submissão prévia dos juízes, no sistema "romanístico", a parâmetros fixados em caráter abstrato pelo legislador, e o papel de construtores da "legal rule", a partir dos fatos da causa e das "legal rules" preexistentes, cotejando com os precedentes pertinentes, do juiz no sistema "anglo-saxão" (p. 63-6), bem como o papel mais acentuado das academias na formação dos conceitos naquele sistema em comparação com o papel mais forte dos praxistas no segundo (p. 66-8). Observa que os movimentos de integração jurídica no seio da civilização ocidental conduziriam a uma flexibilização na visão estritamente legalista nos países vinculados à "família romano-germânica", especialmente pela introdução do "trust" no direito interno de vários países do continente (p. 69-70). Partindo da premissa de que o direito ´produto do contexto "sócio-econômico" da sociedade em que emerge, passa a versar o "trust" a partir do instituto de que derivou, o "use", nascido no Direito feudal inglês, em que o senhor dividia a extensão conquistada entre os seus lugares-tenentes (tenants), que a possuíam mediante o pagamento de uma renda, e, por seu turno, estes mesmos lugares-tenentes concediam a seus subalternos partes das extensões que lhes cabiam, a título limitado (p. 73-4). Informa a existência de dois tipos de tenure, a situação jurídica do tenant: a free tenure, mercê da qual se podiam quantificar os serviços a serem prestados pelo vassalo ao suserano, com a possibilidade de alienação dos direitos de posse a terceiros, mediante doação, compra e venda ou permuta, e a unfree tenure, na qual não existia tal possibilidade (p. 75). Traz à colação, ainda, a noção de estate, como mensurador da intensidade do vínculo entre o proprietário e o tenant, distinguindo as primeiras quatro modalidades reconhecidas pelos Tribunais de Common Law - o fee simple estate, o fee tail estate, o life estate e o estate pur autre vie - e uma quinta modalidade desenvolvida a partir do século XIV, o leasehold estate, que mais se assemelharia a um arrendamento (p. 75-6). Aponta para um dos traços distintivos entre o direito romano-germânico, para o qual, enquanto se admitiria livremente a formação de contratos, seria exigível a tipicidade cerrada para os direitos reais, e o direito anglo-saxão, para o qual seria perfeitamente admissível a criação de direitos reais pela via convencional (p. 77-8). Desta forma, explicar-se-ia o surgimento do use, enquanto antepassado mais direto do trust, pela entrega de um bem por uma pessoa (transferor) a outra (transferee of uses) para o administrar em prol de um terceiro (plaintiff), conferida a ele força jurídica principalmente pela atuação do Chanceler (p. 78-9). A seguir, passa-se a elencar e discutir os conceitos correntes para o "trust", tanto no contexto anglo-saxão como dentre os estudiosos de contextos distintos, para optar pela conceituação de D. M. Waters, segundo a qual consistiria o instituto sob análise em uma relação triangular enre o instituidor (settlor), que transfere ao trustee a titularidade de determinado patrimônio para o gerir em favor de um beneficiário (p. 111). Passa a identificar os mais variados critérios de classificação dos trusts no Common Law, comparando-o com relações jurídicas similares, como a agency (p. 136-8), o contract (p. 138-140), o loan (p. 140), o bailment (p. 141) e a corporation (p. 142-3). A seguir, debate a presença de direitos de propriedade simultâneos entre o trustee e o beneficiary (p. 143-7). Ingressa-se nas aplicações do instituto na atualidade, salientando-se sua versatilidade ou "flexibilidade" (p. 147-8), indicando os purpose trusts, os charitable trusts, os pension trusts, os investment trusts, os security trusts, os holding trusts, os land trusts e as modalidades adotadas em jurisdições off shore, buscando, em regra, a diminuição de ônus fiscais (p. 173-5). Para se demonstrar a compatibilidade do instituto com os sistemas de Civil Law, faz-se um profundo exame dos negócios fiduciários. É trabalhada, em primeiro lugar, a fidúcia no direito romano. Ingressa-se no tratamento das instituições similares no Direito germânico medieval para, logo depois, verificar-se a aproximação não só do trust como do mortgage com os negócios fiduciários. O papel que estes desempenham no dotar as obrigações de maiores e mais efetivas garantias, respondendo à dinâmica da vida contemporânea (p. 216), é analisado à luz do Direito Comparado, procedida a conceituação e a decomposição do negócio fiduciário em seus elementos, distinguindo-se-o de institutos afins, para chegar-se à sua prática hodierna, elencando suas manifestações como venda com finalidade de garantia, venda com finalidade de gestão, venda para recomposição de patrimônio, venda com reserva de domínio, doação fiduciária, cessão fiduciária de crédito, endosso fiduciário de títulos de crédito, titularidade fiduciária de direitos de acionista, examinando o tratamento jurisprudencial do tema, para ao cabo, apontar não só para a validade, em face do Direito brasileiro, do negócio fiduciário como para a sua inconfundibilidade com o trust, e mesmo a impossibilidade de ser sucedâneo deste (p. 348-9).  Em seguida, verificam-se as instituições fiduciárias assimiláveis ao trust no Direito Comparado, iniciando-se pela substituição fideicomissária, nascida no Direito das Sucessões e muito discutida após a vitória dos ideais da Revolução Francesa, mantida, entretanto, em virtude da existência de temperamentos, como a temporariedade, a herança legítima e a registrabilidade das transações sobre imóveis, identificando várias possibilidades de contribuição do instituto à implementação do trust no Brasil. A Comissão Mercantil é também estudada em minúcia, e chega-se à conclusão da parca possibilidade de adaptação para o efeito de implementação do trust (p. 430). A alienação fiduciária em garantia, tanto em sua feição originária, posta pela Lei 4.728, de 1965, até chegar à respectiva extensão aos bens imóveis pela Lei 9.514, de 1997, vista como inspirada no trust é esmiuçada para se demonstrar que, a despeito de semelhanças em termos de finalidade prática, de facilitar o acesso ao crédito para a aquisição de bens, há diferenças estruturais (p. 436-7). Realiza-se, ainda, o exame acerca do mandato em causa própria, cujo repúdio inicial veio a dar lugar à aceitação para que se flexibilizasse a possibilidade de transferência de títulos representativos de direitos obrigacionais, com a aglização dos negócios, e chega-se à conclusão de que o aludido instituto estaria longe de constituir, ante os debates travados, base para a adoção do trust (p. 511). Procede-se ao exame das características da gestão de negócios, na qual, embora identificadas semelhanças com uma das modalidades do trust, o constructive trust, não se considera nela presente um alicerce para a introdução do instituto entre nós (p. 522). Trata-se, depois, das semelhanças ao trustee dos agentes fiduciários no mercado de capitais. Pelo aspecto da possibilidade das fundações administrarem bens com a finalidade de beneficiar a terceiros, examinam-se eventuais aproximações delas ao trust, chegando-se à conclusão de que a complexidade do regime delas poderia, especialmente pela necessidade de fiscalização do pelo Ministério Público, inviabilizar a própria adoção do trust. Ao cabo, são esmiuçadas as alternativas para a respectiva implementação no Direito brasileiro.
A obra é extremamente rica em detalhes e, como dito na introdução da presente resenha, vem mui oportunamente, até mesmo pelo estabelecimento de pontes entre sistemas jurídicos diferentes para o fim de demonstrar o próprio esmaecimento das distinções entre eles. O respectivo valor, contudo, não implica integral concordância com várias dentre as proposições, a iniciar-se pelo prático entusiasmo com o Common Law, quando a principal vantagem do Civil Law, assinalada mesmo por um cultor das tradições inglesas tão típico como Jeremy Bentham, está na mais fácil calculabilidade, vez que a previsão em abstrato dos comandos permite saber-se, com maior segurança, as consequências das condutas que se praticarem. Também a taxatividade legal dos direitos reais, no que pese atender a uma expectativa de maiores garantias para o cumprimento das obrigações, precisamente pelo caráter de sujeição passiva oponível a todo o ser humano pelo respectivo titular é que se considera, no âmbito do Civil Law, como mais apta a proteger a liberdade de cada indivíduo. O entusiasmo com a lex mercatoria também não é compartilhado pelo resenhista, que já publicou textos a seu respeito, nos quais demonstrou que a própria liberdade individual demanda, para que seja adequadamente protegida, a existência de interesses indisponíveis, sob pena de cada ser humano valer apenas pela função econômica que desempenhe. Interessa, outrossim, a obra não somente ao Direito Civil, como também ao Direito Econômico, já que se apresenta a possibilidade da adoção do instituto como um dos meios para a atração de capitais estrangeiros, viabilizando cada vez mais as trocas internacionais, além da possibilidade de este instrumento  negocial ser apto a definir a capacidade de os seus partícipes conformarem as relações de mercado.

sábado, 9 de maio de 2009

CONSTITUCIONALISMO E RESQUÍCIOS DO SAGRADO

CUNHA, Paulo Ferreira da. Anti-Leviatã – Direito, política e Sagrado. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 2005.

A riqueza da obra sob comentário torna uma tarefa de Sísifo a elaboração de uma síntese cabível no curto espaço de uma resenha. A laicização do Estado não impede que o autor, Professor da Universidade do Porto, funde sua obra na presença do Sagrado no Direito, desde o culto às formas pelas quais ele se manifesta passando pela caracterização do Direito como técnica, ciência e arte, a sacralização dos direitos, com especial destaque para as polêmicas em torno da propriedade e da igualdade, os desafios das ideologias, do sacrário do constitucionalismo europeu, o problema das bandeiras como expressão pictórica da soberania, a ambigüidade do etnocentrismo no exame da formação da nação. O título replica ao pensamento hobbesiano, que visara banir a sacralidade buscando um fundamento racional para a obediência universal à autoridade estatal. A obra explora dados em relação aos quais reina um temeroso tollitur quaestio – os elementos do Sagrado no pensamento jurídico-político, o esgotamento dos modelos ideológicos puros, nos quais se enquadra o “politicamente correto”, o tratamento das cores e formas como expressão da Soberania nas bandeiras - e, só por isto, mostra-se de consulta indispensável. Note-se que reconhecer o mérito não implica adesão do resenhista, cujo juspositivismo é novamente proclamado, a todos os pontos, especialmente os essencialmente comprometidos com o jusnaturalismo de cunho tomista, abertamente professado pelo autor. Mas isto é questão de mera divergência de posições que não compromete, em absoluto, a importância e o mérito da obra.

sexta-feira, 8 de maio de 2009

TRIBUTAÇÃO, MITO E REALIDADE

Tipke, Klaus & Lang, Joachim. Direito Tributário. Trad. Luís Dória Furquim. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris,2008, v. 1, 765 p.

Para os cultores da Filosofia do Direito, do Direito Constitucional, do Direito Internacional, do Direito Comunitário e do Direito Econômico, além, é claro, dos voltados ao Direito Tributário, é auspicioso que a tradução desta obra, considerada um clássico, venha a lume no Brasil, ainda mais nos tempos que correm, em que há uma grita generalizada contra a tributação, enquanto uma atividade que comprometeria, supostamente, a eficiência do funcionamento da economia baseada na livre iniciativa. A multiplicidade de informações prestadas com riqueza de detalhes, aprofundando cada um dos temas, torna extremamente difícil a elaboração de resenha para este livro - no qual não existe, sem qualquer hipérbole, nenhuma palavra irrelevante - dos dois eminentes Professores da Universidade de Colônia, Alemanha. Com efeito, a partir da constatação de que, dentre todos os ramos do Direito, o Direito Tributário seria o que se mostraria mais marcado pelo encontro do particular com o Estado, e somente poderia ser concebido enquanto parte de um ordenamento jurídico de orientação liberal, por pressupor a propriedade privada garantida como direito individual. O tratamento do Direito Tributário em sua dimensão constitucional, bem como nos contextos internacional e comunitário, a identificação dos princípios gerais que norteariam a disciplina, bem como a opção clara pela Teoria Sistemática de Canaris como a que asseguraria maior coerência da edição e aplicação da legislação tributária com os princípios do Estado de Direito e do Estado Social, os problemas gerados em relação à legitimação dos gravames tributários a ponto de criarem no imaginário popular a percepção dos delitos fiscais como "delitos de cavalheiro", a possibilidade do uso extrafiscal do tributo encontrando como limites a preservação do mínimo existencial e da propriedade privada, a inferência do princípio da capacidade contributiva do princípio da igualdade geral e a incompatibilidade com tal princípio da tese fisiocrática do imposto único, o tratamento dos tributos no contexto do Estado Federal, os cânones hermenêuticos adequados à temática tributária, o início do exame dos tributos em espécie a partir das dificuldades com a fixação do montante passível de tributação no que tange ao imposto de renda são alguns dos temas que vêm versados nesta obra, com a necessária profundidade, contribuindo para o esclarecimento de conceitos e a dissolução de preconceitos acerca da matéria. Cabe, agora, uma palavra sobre a tradução levada a cabo pelo Prof. Luís Dória Furquim. A rigor, a despeito de determinadas questões como a identificação do Wirtschaftsrecht - Direito da Economia -, conjunto de todas as normas jurídicas de conteúdo econômico em cada um dos ramos do Direito, com o Direito Econômico, que é ramo do Direito autônomo, cujas normas se inserem, contudo, no Direito da Economia, ela é, além de primorosa, um trabalho hercúleo, quer pelo volume de páginas traduzido, quer pela preocupação em manter a atualidade dos conceitos ali presentes, quer pela preocupação com a fidelidade ao ponto de urdir neologismos (como "jusestatalidade", para referir a qualidade inerente ao Estado de Direito) para ofertar maior correspondência às idéias originais do texto, que deve ser valorizado, no mínimo, por quantos desejem fazer uma investigação séria em sede de Direito Comparado, vencendo as barreiras idiomáticas.

ORDENAMENTOS JURÍDICOS EM CONCORRÊNCIA

Wegner, Gerhard. Instituições nacionais em concorrência. Trad. Urbano Carvelli. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 2007.
Os tempos que ora correm, em que se pretende a superação das soberanias estatais em prol da conversão do mundo em um grande mercado regulado exclusivamente pelo que os agentes econômicos decidirem livremente em seus contratos – a denominada lex mercatoria - , mostram a oportunidade da publicação desta obra do eminente Professor da Universidade de Erfurt. O problema da convivência de diferentes tipos de regulamentação da economia entre os Estados participantes da União Européia e seus efeitos sobre a concorrência entre os agentes econômicos no âmbito daquela Comunidade Internacional, e, fora desta, no âmbito das relações internacionais econômicas, rastreando as discussões que se travaram no âmbito dos foros internacionais acerca dos limites e possibilidades do estabelecimento de uma autoridade que assegurasse a concorrência internacional, as relações que se estabelecem entre os produtos e serviços migrando de uma concorrência baseada exclusivamente nas características intrínsecas a eles para uma concorrência entre regimes jurídicos, os efeitos das regulamentações tanto na restrição às possibilidades de decisão dos agentes econômicos como no subministrar elementos para a tomada de decisões, tais são alguns dos temas que são versados nesta obra, que dialoga constantemente com as teses do denominado Ordoliberalismo, corrrente de pensamento jurídico e econômico voltada a adaptar a visão liberal clássica aos tempos posteriores à II Guerra, reagindo ao intervencionismo, na qual se destacam nomes como Walter Eucken e Friedrich August von Hayek. A questão da adequação da concorrência entre as instituições exteriores ao mercado, de tal sorte que umas podem ser mais conformes às preferências dos destinatários dos ordenamentos do que outras, revela, aqui, no pensamento do autor que ora se resenha, uma outra faceta da relação entre a economia e o Direito, no sentido de que esta mesmo passa a ser visto como um artigo de consumo – os agentes econômicos buscam os ordenamentos que se mostrem menos restritivos em questões como relações trabalhistas, consumo, meio ambiente, os consumidores, por seu turno, encontram na regulamentação uma possibilidade maior de obterem as informações acerca dos bens e serviços a serem adquiridos -, o que, modo certo, não deixa de trazer outros temas recorrentes, como o da tendência da concorrência entre instituições se colocar em sentido oposto à da concorrência econômica, ou seja, se esta tende à concentração, aquela tende à perpetuação e, por outro lado, a própria negociação em torno do ordenamento a ser escolhido para reger as transações realizadas no mercado, como tem sido comum nos contratos internacionais dotados de cláusula de arbitragem. Claro que, de certo modo, não deixa de se mostrar algo chocante o tratamento dos ordenamentos jurídicos como artigos de consumo, postos à negociação no mercado: contudo, não se pode negar que tal ponto de vista, dentre os juristas, sequer constitui novidade, porquanto na doutrina do Direito Internacional Privado tem sido recorrente a tese da possibilidade de as partes escolherem o ordenamento jurídico que deverá reger a solução das controvérsias que se instaurarem em torno de seus contratos. Por outro lado, a tendência a perpetuação da concorrência entre os ordenamentos jurídicos – não só as vicissitudes do MERCOSUL como as da própria União Européia ilustram tal assertiva – vem a traduzir um contraditor nada desprezível à idéia de homogeneização do espaço jurídico econômico que se pretende nominar como globalização. Em suas oitenta e oito páginas, a obra vem a se mostrar uma das mais vivas explicitações do acerto da frase de Bobbio quanto a não ser bastante sustentar a prevalência do econômico para merecer a qualificação de marxista. Em que pese a concisão, vários temas são versados na obra ora resenhada, como se pôde ver, abrindo caminhos para um sem-número de pesquisas para quantos tenham interesse nos temas da concorrência, da globalização e da formação de Comunidades Econômicas.