FERREIRA, Odim Brandão. Laiaali, ou a universalidade do problema hermenêutico. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 2001.
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A queda das Torres Gêmeas do World Trade Center em 11 de setembro de 2001 provocou, no Mundo Ocidental, entre outras coisas, uma renovação da percepção do Oriente Médio islâmico como o grande inimigo dos avanços que a civilização cristã propiciou à humanidade. Um surto de intolerância começou a se espalhar pelo mundo e o estereótipo do árabe como um ser fanático, incapaz de raciocinar, de meditar, um ser furioso, desejoso de matar o maior número de pessoas possível para conquistar um espaço no Paraíso islâmico veio a ser plantado pelos meios de comunicação. Tem sido necessária uma longa explicação para demonstrar que árabe não é sinônimo de muçulmano, até porque existem muçulmanos que não são árabes, como é o caso dos afegãos, dos armênios, dos iranianos e dos turcos, e existem árabes que não são muçulmanos, como é o caso dos maronitas, nome que se dá aos árabes fiéis da Igreja Católica Apostólica Romana. Mas ainda resta um outro estereótipo: o pensamento muçulmano teria este caráter de monolitismo? O muçulmano seria um homem que abdicou da capacidade de pensar por si mesmo?
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O livro do Dr. Odim Brandão Ferreira, ilustrado membro do Ministério Público Federal, ajuda a desvanecer tais preconceitos. Escrito antes da ocorrência de tais sucessos, narra, a partir de um manuscrito medieval elaborado na Península Ibérica hoje preservado no Rio de Janeiro, a discussão, perante um Califa, travada entre representantes dos quatro ramos religiosos mais importantes no Islam, acerca dos preceitos do Corão. Desde a linha exegética tradicional,literal, até a busca da chamada lógica do razoável aparecem na discussão que se trava ao longo desta pequena-grande brochura, revelando que o problema da hermenêutica é universal e que, em razão disto mesmo, não se pode tratar as ciências cujo objeto é referente a valores como as ciências naturais, com o que não existe uma resposta certa dada a priori para os problemas jurídicos, assim como no âmbito da religião. A resposta certa será aquela que a autoridade investida de poderes para tanto dirá que é certa e, ainda assim, sujeita a cometer erros. Assim como a controvérsia em matéria religiosa não pode ser apta a levar à conclusão de que quem esposa tal ou qual interpretação seja o que recebeu a iluminação divina e os demais são ímpios, também não se pode dizer que tal ou qual interpretação, no âmbito jurídico, seja a correta. A correção derivará, antes, da unidade de referencial básico e não do resultado que sealcançar.
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E, posta a questão da universalidade do problema hermenêutico pela obra ora resenhada, bem se vê que a questão da tolerância vai muito além de uma atitude mental em relação a tábuas de valores, para adentrar, mesmo, a consideração do outro como integrante do gênero humano. Mais que ubi homo, ibi ius, a questão maior que se coloca é ubi homo, ibi interpretatio. E, destarte, os brocardos avessos à atividade interpretativa (o famoso in claris cessat interpretatio), na realidade, mostram-se, mesmo, avessos à faculdade mais própria do ser humano, que é a de procurar dar um sentido aos dados que se lhe apresentam.
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