KRIELE, Martin. Introdução à teoria do Estado – os fundamentos históricos da legitimidade do Estado Constitucional Democrático. Trad. Urbano Carvelli. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 2009.
Um dos mais referidos constitucionalistas da atualidade, o Prof. Martin Kriele, finalmente vem a se tornar acessível a um maior público de língua portuguesa, graças à primorosa tradução que se vem a resenhar.
Pela investigação das origens de conceitos como os de legitimidade, soberania, absolutismo, das raízes do Estado Constitucional, especialmente no que tange à divisão de poderes, aos direitos humanos, às vicissitudes da liberdade individual – tanto política quanto econômica – enquanto valor, à dignidade enquanto mediador das aparentes contradições entre liberdade e igualdade, das origens do parlamentarismo, da revalorização do ideal democrático no século XX, o autor concretiza a premissa anunciada nas páginas 58-9: “o conteúdo normativo das instituições reconhecidamente legítimas é melhor perceptível a partir de sua história, para ser exato, a partir da história da luta ideológica conduzida em torno da fundação e da implementação dessas instituições”. Pleno de atualidade o aviso que formula, outrossim, em relação às críticas às instituições constitucionais: “se o crítico não compreende as razões para essas instituições, então existe o perigo de que ele destrua uma instituição para a qual existam boas razões e que, dessa forma, não proporciona o desenvolvimento mas sim o retrocesso. Este é o destino fatal dos movimentos, os quais avançam com grande convicção, mas diminutos conhecimentos sobre a alteração ou a dissolução das instituições constitucionais, as quais são resultado de lutas seculares e comportam boas razões despercebidas pelos críticos. Essas críticas progressivas simuladas, as quais não se encontram no ápice do problema, residem, normalmente, no âmbito dos sabichões independentes ou dos sabichões sectários. No entanto, ao conseguir desencadear um movimento de massas, elas também podem produzir efeitos políticos” (p. 60). Na discussão dos conceitos em sua formação, verifica a respectiva consistência a partir do estado do conhecimento da época em que formulados, bem como as condições que levaram aos seus questionamentos, especialmente na primeira metade do século XX - o que faz desta obra muito mais do que um simples ensaio de história do constitucionalismo europeu, para permitir, mesmo, a apreensão dos conceitos por este urdidos -. As limitações da compreensão racionalista do Estado são expostas com clareza, compreensão esta que, se não é destruída, vem, contudo, a ser mitigada pela força dos interesses polarizados num dado momento e, por isto mesmo, a preservação da idéia de Estado de Direito tem reforçado o seu papel de preservação da paz e da liberdade humana: “bons e maus argumentos convencem da mesma forma àqueles cujos preconceitos e interesses lhes são proveitosos. [...] Se opiniões políticas remetem, amplamente, de forma ideológica a interesses, essa situação turva o ideal puro da razão, as não o destrói. A natureza intelectual da pessoa, como a natureza em si, é débil, mas não sem força para a renovação e reavivamento. Em razão disso, a verdade possui uma certa capacidade mágica de ‘ser evidente’, o que torna sua força de convencimento independente do interesse. Com isso sua força de convencimento vai além do círculo das pessoas diretamente interessadas na exatidão do argumento. Quando o interesse é muito forte contra o poder de convencimento do argumento, quando, por exemplo, em uma situação político-partidária polarizada não se quer fazer concessões ao opositor, isso produz uma estupidez que bloqueia o efeito convincente da verdade. Através do apelo aos efeitos estúpidos, pode-se enganar todas as pessoas durante um tempo e alguns a longo prazo, mas não todos o tempo todo” (p. 354).
Nunca como nos tempos que ora correm – e não é por menos que o autor ainda elaborou um posfácio tomando em consideração o terrorismo pós-Guerra Fria enquanto desafio a ser enfrentado pelo constitucionalismo, para se evitarem retrocessos – se mostrou tão plena de operacionalidade a distinção platônica entre o conhecimento e a opinião a que, em última análise, se reporta esta obra em todo tempo. A preocupação com a perda de espaço da racionalidade é um dos principais dados que unem o resenhista - confira-se Advocacia Pública e Direito Econômico - o encontro das águas. Porto Alegre: Núria Fabris, 2009, p. 206-208 - ao autor ora resenhado.
Um dos mais referidos constitucionalistas da atualidade, o Prof. Martin Kriele, finalmente vem a se tornar acessível a um maior público de língua portuguesa, graças à primorosa tradução que se vem a resenhar.
Pela investigação das origens de conceitos como os de legitimidade, soberania, absolutismo, das raízes do Estado Constitucional, especialmente no que tange à divisão de poderes, aos direitos humanos, às vicissitudes da liberdade individual – tanto política quanto econômica – enquanto valor, à dignidade enquanto mediador das aparentes contradições entre liberdade e igualdade, das origens do parlamentarismo, da revalorização do ideal democrático no século XX, o autor concretiza a premissa anunciada nas páginas 58-9: “o conteúdo normativo das instituições reconhecidamente legítimas é melhor perceptível a partir de sua história, para ser exato, a partir da história da luta ideológica conduzida em torno da fundação e da implementação dessas instituições”. Pleno de atualidade o aviso que formula, outrossim, em relação às críticas às instituições constitucionais: “se o crítico não compreende as razões para essas instituições, então existe o perigo de que ele destrua uma instituição para a qual existam boas razões e que, dessa forma, não proporciona o desenvolvimento mas sim o retrocesso. Este é o destino fatal dos movimentos, os quais avançam com grande convicção, mas diminutos conhecimentos sobre a alteração ou a dissolução das instituições constitucionais, as quais são resultado de lutas seculares e comportam boas razões despercebidas pelos críticos. Essas críticas progressivas simuladas, as quais não se encontram no ápice do problema, residem, normalmente, no âmbito dos sabichões independentes ou dos sabichões sectários. No entanto, ao conseguir desencadear um movimento de massas, elas também podem produzir efeitos políticos” (p. 60). Na discussão dos conceitos em sua formação, verifica a respectiva consistência a partir do estado do conhecimento da época em que formulados, bem como as condições que levaram aos seus questionamentos, especialmente na primeira metade do século XX - o que faz desta obra muito mais do que um simples ensaio de história do constitucionalismo europeu, para permitir, mesmo, a apreensão dos conceitos por este urdidos -. As limitações da compreensão racionalista do Estado são expostas com clareza, compreensão esta que, se não é destruída, vem, contudo, a ser mitigada pela força dos interesses polarizados num dado momento e, por isto mesmo, a preservação da idéia de Estado de Direito tem reforçado o seu papel de preservação da paz e da liberdade humana: “bons e maus argumentos convencem da mesma forma àqueles cujos preconceitos e interesses lhes são proveitosos. [...] Se opiniões políticas remetem, amplamente, de forma ideológica a interesses, essa situação turva o ideal puro da razão, as não o destrói. A natureza intelectual da pessoa, como a natureza em si, é débil, mas não sem força para a renovação e reavivamento. Em razão disso, a verdade possui uma certa capacidade mágica de ‘ser evidente’, o que torna sua força de convencimento independente do interesse. Com isso sua força de convencimento vai além do círculo das pessoas diretamente interessadas na exatidão do argumento. Quando o interesse é muito forte contra o poder de convencimento do argumento, quando, por exemplo, em uma situação político-partidária polarizada não se quer fazer concessões ao opositor, isso produz uma estupidez que bloqueia o efeito convincente da verdade. Através do apelo aos efeitos estúpidos, pode-se enganar todas as pessoas durante um tempo e alguns a longo prazo, mas não todos o tempo todo” (p. 354).
Nunca como nos tempos que ora correm – e não é por menos que o autor ainda elaborou um posfácio tomando em consideração o terrorismo pós-Guerra Fria enquanto desafio a ser enfrentado pelo constitucionalismo, para se evitarem retrocessos – se mostrou tão plena de operacionalidade a distinção platônica entre o conhecimento e a opinião a que, em última análise, se reporta esta obra em todo tempo. A preocupação com a perda de espaço da racionalidade é um dos principais dados que unem o resenhista - confira-se Advocacia Pública e Direito Econômico - o encontro das águas. Porto Alegre: Núria Fabris, 2009, p. 206-208 - ao autor ora resenhado.
Li e gostei, em especial a segunda metade do 2 parágrafo!
ResponderExcluirAbraços
Paulo Duarte
Obrigado, Duarte Lima. O texto aponta, justamente, para uma das mais eloquentes contestações dos fatos ao céu dos conceitos habermasianos. Chego à conclusão de que muito mais em prol da verdade faz quem pesquisa profundamente e traz, depois, a público, em livro ou artigo, seu posicionamento, submetendo-se à crítica dos pósteros, indicando as suas fontes, do que quem ingressa no debate de paixões, em que os ódios - pouco interessam, aqui, as cores, se verdes, vermelhas - obnubilam os dados inconvenientes a cada uma das parcialidades em jogo.
ResponderExcluirExcelente resenha. Não li a obra de M.Kriele mas entendi os objetivos a que se propôs. Lógico que para o estamento jurídico é um norte. Pensa que para o leigo, o que mais dá nas redes sociais, não pese, porque não entenderiam.
ResponderExcluir