domingo, 19 de junho de 2011

washington peluso albino de souza

Perdemos, na madrugada do dia 17 de junho de 2011, um dos maiores pensadores do Direito no país, o introdutor do Direito Econômico no Brasil - sobre o qual escrevera pela primeira vez em 1949, em sua tese de concurso Ensaio sobre conceituação jurídica do preço, para a cátedra de Economia Política, na Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais -, um Professor que dedicava um amor romântico à Escola em que ensinava e um amigo dedicado de seus alunos. Não direi que foi um batalhador incansável - porque, mesmo tendo travado muitas batalhas, como ser humano, também se cansava -. Não direi que foi um herói invencível - porque, por vezes, a incompreensão o cercou e a pequenez com que os sectários de todo tipo que pululam no País procuram os hereges e apóstatas por vezes derrotou belos projetos -. Não direi que tudo o que fez foi acertado - porque, na realidade, muitas vezes, pelo excesso de confiança em alguns que não a mereciam e pelos egos feridos pela franqueza com que sempre se pronunciava, veio a cometer erros involuntários -. Foi o homem que estudou a fundo o Barroco Mineiro, e veio a revalorizá-lo a partir de documentos que encontrou na França, quando esteve a pesquisar ao lado de François Perroux e Claude Lévi-Strauss, consolidando suas pesquisas no extraordinário Minas do ouro e do Barroco, publicado em 2000 pela Editora Barlavento. Foi o homem que mesclou a aula expositiva - a que denominava, jocosamente, "aula de blá-blá-blá" - aos seminários, com excelentes resultados. Foi o primeiro Diretor a ser guindado a esta cadeira por eleição - fato memorável de que tive o privilégio de participar, inclusive fazendo campanha, naquele ano de 1986 -. Foi quem me ensinou o valor da pesquisa para a boa produção do Direito, não somente na teoria, como na própria prática, e demonstrou a insensatez de todas as obsessões com os "ismos" a partir de seu estudo em dois volumes, publicado em 1961, intitulado Do econômico nas Constituições vigentes. Foi quem meus filhos, sem serem seus netos de sangue, chamaram "vovô", sem pestanejar. O Professor Washington Peluso Albino de Souza, a quem devo tudo o que pude produzir de mais consistente no Direito, homenageado em 1995 por coletânea publicada pelo Editor Sérgio Antônio Fabris, intitulada Desenvolvimento econômico e intervenção do Estado na ordem constitucional e em 2009 pelo Instituto dos Advogados de Minas Gerais, foi mais que um Professor, um pai.


sábado, 15 de janeiro de 2011

"Franchising": o contrato como instrumento de política econômica

REDECKER, Ana Cláudia. Franquia empresarial. São Paulo: Memória Jurídica, 2002.


Um dos preconceitos mais comuns em sede de Direito Econômico - em parte, pelas reflexões em torno deste ramo do Direito se terem desenvolvido a partir do momento em que se passou, no Ocidente, a admitir como necessária a atuação do Estado no domínio econômico - é a presença da restrição do conceito de "política econômica" à atuação estatal. Quando se examinam determinadas espécies contratuais surgidas, justamente, com o objetivo de propiciar o enfrentamento de determinados riscos, diminuindo custos, propiciando a conquista de novos mercados, bem se vê que a restrição não se justifica, embora, evidentemente, isto não implique a substituição sonhada por Pashukanis dos ramos do Direito que se ocupam precipuamente do contrato - especialmente o Direito Civil e o Direito Empresarial - pelo Direito Econômico.



A autora, após o exame da evolução do concepção dos contratos a partir do liberalismo, com as transformações verificadas ao longo do século XX com a atuação cada vez mais presente do Estado no domínio econômico, aponta para a criação do franchising - ou franquia empresarial - como instrumento apto a permitir a expansão da rede de distribuição de produtos e serviços com o menor aumento possível de custos próprios, a partir da experiência de conceituada empresa voltada à fabricação de máquinas de costura, por volta de 1850, nos EUA, mediante a cessão de marca, produtos, técnica de venda a varejo e know how, tendo sido seguido o exemplo por empresas voltadas à indústria automobilística e ao engarrafamento de refrigerantes, passando, após a 2ª Grande Guerra, a desempenhar o papel de permitir a maior acessibilidade ao mercado de trabalho por parte não só de ex-combatentes como dos demais interessados. Indica como principal dificuldade para a adoção da franquia comercial na Europa o potencial de permitir a dominação de mercado, quando utilizada de modo impróprio. Examinando o desenvolvimento desta modalidade negocial no Brasil, refere o seu nascimento a partir da prática mercantil e das tentativas de estabelecer uma disciplina legislativa - que vieram, afinal, a desaguar na Lei 8.955, de 1994 -, sobretudo pela capacidade de, pelo estabelecimento de parceria entre as empresas, o franqueador organizar toda uma política de realização, pelos franqueados, do comércio a varejo ou a retalho de seus produtos ou a prestação de serviços. É procedida, ainda, a análise dos aspectos jurídicos da elaboração do contrato, chamando-se a atenção para o dado de que o livre consentimento no que tange às cláusulas vem a ceder espaço para o princípio da adesão, vez que as condições são estabelecidas previamente pelo franqueador, de tal sorte que este impõe sua política negocial ao franqueado, que, mesmo totalmente atrelado àquela, vem a receber, em contrapartida, a assistência, a experiência e a proteção do franqueador, participando de um sistema voltado à circulação planificada de bens e serviços. Enfatiza, a seguir, o papel que tem a informação para o candidato a franqueado, "carente com freqüência de experiência profissional e ansioso por ingressar nesta cadeia já estabelecida no mercado" (p. 82), sendo este o fundamento para que o artigo 3º da Lei 8.955, de 1994, tenha feito preceder a celebração do contrato, sob pena de nulidade, de uma circular de oferta de franquia. Ao final, discute a aplicação dos princípios gerais dos contratos, especialmente o da boa fé, ao versado no texto e, especialmente, as possibilidades e limites de aplicação do Código de Defesa do Consumidor.



Várias reflexões aos estudiosos de todos os ramos do Direito rende ensejo esta obra. Aos juseconomistas, o papel da franquia como instrumento de conquista de mercados e dos seus abusos como meio de dominação destes, como instrumento de fortalecimento do poder econômico tanto do franqueador como do próprio franqueado, e ainda como uma resposta da própria realidade econômica ao modelo ideal dos agentes de mercado atuando em concorrência, em pé de igualdade, vem a se colocar à toda evidência, e não é por menos que ele foi tomado em consideração por Washington Peluso Albino de Souza em texto publicado na década de 70 sobre as teorias dos contratos e o Direito Econômico, encartado no livro Lições de Direito Econômico, publicado em 2002 por Sérgio Fabris Editor.