sábado, 9 de maio de 2009

RAZÃO E EMOÇÃO NO OFÍCIO JUDICANTE

NOGUEIRA, Roberto Wanderley. Justiça acidental: nos bastidores do Poder Judiciário. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 2003.
Racionalmente fazendo profissão de fé democrática, a sociedade atomizada em corporativismos, em que as posições de poder acabam se encarnando nos indivíduos que compõem os grupos sociais respectivos e afloram a cada vez que cada um pretenda fazer valer a sua vontade sobre a do seu adversário: tal, em última análise, a idéia-força desta obra, versão comercial de dissertação apresentada à Universidade Federal de Pernambuco. Sujeitos às vicissitudes próprias da condição humana, os juízes, no Brasil, não podem ser considerados exceção a esta regra, de acordo com os dados coligidos pelo autor, Magistrado Federal, que vão desde a atitude do julgador perante os jurisdicionados e os processos até as questões propriamente administrativas e corporativas. Na Teoria geral da política, Norberto Bobbio lembra o postulado da teoria da argumentação segundo o qual "a conduta que precisa ser justificada é aquela não-conforme as regras". Entretanto, numa sociedade em que os valores da cultura escravagista fincaram raízes no inconsciente coletivo, conforme o sujeito que adote a conduta, ser-lhe-á exigida ou não justificativa. Disto, em última análise, é que trata o texto ora resenhado. Não conta o texto, evidentemente, com adesão do ora resenhante em todos os pontos: o efeito vinculante, por exemplo, não me parece uma tentativa de amesquinhar a liberdade de convencimento do julgador acerca dos fatos, mas sim a busca de se assegurar o tratamento igualitário para as questões que sejam iguais, evitando que aspectos contingentes venham a contribuir para a própria insegurança dos cidadãos acerca do que podem e do que não podem fazer, do que devem e do que não devem fazer. Mas, em muito, pode contribuir para o estudo do problema do voluntarismo na aplicação do direito e, portanto, da própria questão da possibilidade do convívio social, com a afirmação das prerrogativas próprias do sujeito de direito a todos os seres humanos.

UM ALERTA CONTRA O VOLUNTARISMO

KEMMERICH, Clóvis Juarez. O direito processual na Idade Média. Porto Alegre: Sérgio
Antônio Fabris, 2006.
O interesse prático desta obra em que se examina a evolução do processo na Europa desde a queda de Roma ao fim da Guerra dos Cem Anos avulta, eis que hoje voltam discursos que sustentam ser a ineficiência do Estado apta a autorizar os cidadãos a fazerem justiça por suas próprias mãos. A partir do retorno, com o fim da Antiguidade, da admissão da vingança privada, substituível por uma indenização, julgada por uma assembléia popular, em que existiam feitos que, pelo fato de o réu haver sido pego em flagrante, estava proibido de se defender, em que a instrução, freqüentemente, tinha efeitos decisórios, como é o caso dos ordálios, do duelo, em que a disciplina procedimental visava precipuamente a eficientização do exercício da força sobre aquele que viesse a padecê-la, passando pelo renascimento verificado no século XII, quando as glosas ao Direito Romano buscaram, a um só tempo, ofertar maior segurança às partes - limitação do arbítrio - e o fortalecimento da autoridade do príncipe, tornando-o livre da lei humana e fazendo da sua vontade a lei, vem a explicar o porquê da admissão da tortura como meio de prova, o papel desempenhado pelo juramento, e traz também o gérmen - a partir do julgamento de Adão - da tese esboçada por Durantis, no século XIII (mais tarde encampada por Thomas More), segundo a qual mesmo o demônio mereceria as garantias legais (p. 162). O livro contém passagens notáveis, como no momento em que mostra que sem o respeito ao devido processo legal, o poder se converte em medida da moralidade em si e por si, e com tal pressuposto ficam justificados inclusive "ataques preventivos" (p. 30), a falibilidade do resultado dos ordálios como instrumento de reconstituição da verdade dos fatos (p. 70), principalmente ante as exigências de segurança para o comércio que se ia desenvolvendo à margem dos feudos (p. 118), o caráter de lei conferido ao que agradasse ao príncipe (p. 74 e 144), a centralização no Papa do poder jurisdicional em matéria religiosa, a partir de Gregório VII (p. 102), o trabalho desenvolvido pelos canonistas para o efeito de demonstrar a ortodoxia do abandono das fórmulas introduzidas pelos bárbaros germânicos (p 104), o embate entre os místicos - defensores dos ordálios, em que o julgamento decorreria de fatores estranhos ao controle humano e, portanto, da vontade de Deus - e os dialéticos, defensores do contraditório exercido pela demonstração lógica (p. 127), a contribuição da revalorização do Direito Romano para a judicialização da execução, que aos inícios da Idade Média era levada a cabo pessoalmente pelo credor (p. 56 e 138-137), a possibilidade, deferida ao Papa, de condenar, nos crimes "notórios" contra a religião, sem processo (p. 148-150), em suma, demonstrando, por outras palavras, a experiência histórica de situações cujos efeitos foram tais que se as abandonou, mas que uma sociedade assustada em um mundo que praticamente perdeu as suas referências ressuscita o homem amedrontado da Idade Média. Como se vê, o texto do Mestre em Direito Processual pela UFRGS, em realidade, mais que um estudo de processo e um estudo de história, muito bem fundamentado ao longo de sua exposição, traduz um alerta para todos nós, que vemos trazerem à vida cadáveres insepultos cuja negação foi responsável pela criação do Estado de Direito em todas as suas manifestações. A idéia de se legitimar a exclusão de direitos, ao argumento da suposta ausência de virtude do padecente ou de este ser uma ameaça aos homens de bem, como se tal não fosse a preparação da redução do círculo dos beneficiários da ordem jurídica é bem uma ilustração de uma das frases aparentemente acacianas que se contêm na obra ora resenhada, merecedora de todo acatamento (p. 26): "a ignorância da história e a falta de comparação entre as diversas doutrinas são causas freqüentes de incidência em erros já superados por outros estudiosos".

CONSTITUCIONALISMO E RESQUÍCIOS DO SAGRADO

CUNHA, Paulo Ferreira da. Anti-Leviatã – Direito, política e Sagrado. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 2005.

A riqueza da obra sob comentário torna uma tarefa de Sísifo a elaboração de uma síntese cabível no curto espaço de uma resenha. A laicização do Estado não impede que o autor, Professor da Universidade do Porto, funde sua obra na presença do Sagrado no Direito, desde o culto às formas pelas quais ele se manifesta passando pela caracterização do Direito como técnica, ciência e arte, a sacralização dos direitos, com especial destaque para as polêmicas em torno da propriedade e da igualdade, os desafios das ideologias, do sacrário do constitucionalismo europeu, o problema das bandeiras como expressão pictórica da soberania, a ambigüidade do etnocentrismo no exame da formação da nação. O título replica ao pensamento hobbesiano, que visara banir a sacralidade buscando um fundamento racional para a obediência universal à autoridade estatal. A obra explora dados em relação aos quais reina um temeroso tollitur quaestio – os elementos do Sagrado no pensamento jurídico-político, o esgotamento dos modelos ideológicos puros, nos quais se enquadra o “politicamente correto”, o tratamento das cores e formas como expressão da Soberania nas bandeiras - e, só por isto, mostra-se de consulta indispensável. Note-se que reconhecer o mérito não implica adesão do resenhista, cujo juspositivismo é novamente proclamado, a todos os pontos, especialmente os essencialmente comprometidos com o jusnaturalismo de cunho tomista, abertamente professado pelo autor. Mas isto é questão de mera divergência de posições que não compromete, em absoluto, a importância e o mérito da obra.

LEGISLAÇÃO, INFORMAÇÃO E PARTICIPAÇÃO

SOARES, Fabiana de Menezes. Teoria da legislação – formação e conhecimento da lei na idade tecnológica. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 2004.

Hoje em dia, parece não haver controvérsia quanto a traduzir uma ficção jurídica destinada a assegurar o cumprimento da lei o disposto no artigo 3º da Lei de Introdução ao Código Civil, quanto a ser ela de conhecimento obrigatório. Entretanto, a sua caracterização como expressão da vontade geral tem-se buscado, conforme a célebre sentença de Rousseau, o mais possível, aproximar da realidade, com a participação popular direta na sua formação. Com o aumento da eficiência dos meios de comunicação, nos últimos tempos, particularmente pela INTERNET, a possibilidade de se dar conhecimento da legislação em tempo mais curto, e também de uma participação mais efetiva, com a superação das barreiras de comunicação, com a troca de informações, torna-se maior, mas, paradoxalmente, em face de um grande contingente de excluídos, que não teriam acesso sequer à energia elétrica, indispensável para o funcionamento dos computadores, torna-se um real desafio a própria universalização destas oportunidades. Estes temas traduzem a preocupação central da obra que a Profa. Fabiana de Menezes Soares apresentou a exame, para a obtenção do título de Doutora, perante a Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, e que hão de chamar a atenção de todo jurista que esteja voltado àquela atitude de verificar a constante adequação dos conceitos aos fatos observados, ao invés de forçar o enquadramento dos fatos em conceitos que, muitas vezes, sobrevivem apenas por força da tradição. Conheço-a desde o início do seu curso na Casa de Afonso Pena, em 1987, e vejo nesta obra a realização do potencial que já então mostrava a característica do verdadeiro jurista, que, ao invés de sair a inventar teses por mero deleite intelectual, desprezando todo um patrimônio cultural construído ao longo de séculos ou a construir altares reverenciando fanaticamente a alguns monstros sagrados, procurava testar a solidez de cada proposição, até que chegasse ao ponto que a satisfizesse – Fabiana gostava de fazer perguntas difíceis, e gosta de se lançar a resolver problemas difíceis -. Claro que não há total convergência de posicionamentos entre o resenhante e a autora da obra resenhada, a começar pelos referenciais teóricos – a influência hegeliana que marca várias das passagens é um ponto em que não estamos de acordo -, mas isto não impede o reconhecimento do valor da obra em questão, da excelência da fundamentação, do estilo leve e agradável – o que é raro no jurista do século XX – e, por outro lado, do pleno acordo que temos em relação à participação como um valor, superando a concepção puramente coativista do Direito.

sexta-feira, 8 de maio de 2009

TRIBUTAÇÃO, MITO E REALIDADE

Tipke, Klaus & Lang, Joachim. Direito Tributário. Trad. Luís Dória Furquim. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris,2008, v. 1, 765 p.

Para os cultores da Filosofia do Direito, do Direito Constitucional, do Direito Internacional, do Direito Comunitário e do Direito Econômico, além, é claro, dos voltados ao Direito Tributário, é auspicioso que a tradução desta obra, considerada um clássico, venha a lume no Brasil, ainda mais nos tempos que correm, em que há uma grita generalizada contra a tributação, enquanto uma atividade que comprometeria, supostamente, a eficiência do funcionamento da economia baseada na livre iniciativa. A multiplicidade de informações prestadas com riqueza de detalhes, aprofundando cada um dos temas, torna extremamente difícil a elaboração de resenha para este livro - no qual não existe, sem qualquer hipérbole, nenhuma palavra irrelevante - dos dois eminentes Professores da Universidade de Colônia, Alemanha. Com efeito, a partir da constatação de que, dentre todos os ramos do Direito, o Direito Tributário seria o que se mostraria mais marcado pelo encontro do particular com o Estado, e somente poderia ser concebido enquanto parte de um ordenamento jurídico de orientação liberal, por pressupor a propriedade privada garantida como direito individual. O tratamento do Direito Tributário em sua dimensão constitucional, bem como nos contextos internacional e comunitário, a identificação dos princípios gerais que norteariam a disciplina, bem como a opção clara pela Teoria Sistemática de Canaris como a que asseguraria maior coerência da edição e aplicação da legislação tributária com os princípios do Estado de Direito e do Estado Social, os problemas gerados em relação à legitimação dos gravames tributários a ponto de criarem no imaginário popular a percepção dos delitos fiscais como "delitos de cavalheiro", a possibilidade do uso extrafiscal do tributo encontrando como limites a preservação do mínimo existencial e da propriedade privada, a inferência do princípio da capacidade contributiva do princípio da igualdade geral e a incompatibilidade com tal princípio da tese fisiocrática do imposto único, o tratamento dos tributos no contexto do Estado Federal, os cânones hermenêuticos adequados à temática tributária, o início do exame dos tributos em espécie a partir das dificuldades com a fixação do montante passível de tributação no que tange ao imposto de renda são alguns dos temas que vêm versados nesta obra, com a necessária profundidade, contribuindo para o esclarecimento de conceitos e a dissolução de preconceitos acerca da matéria. Cabe, agora, uma palavra sobre a tradução levada a cabo pelo Prof. Luís Dória Furquim. A rigor, a despeito de determinadas questões como a identificação do Wirtschaftsrecht - Direito da Economia -, conjunto de todas as normas jurídicas de conteúdo econômico em cada um dos ramos do Direito, com o Direito Econômico, que é ramo do Direito autônomo, cujas normas se inserem, contudo, no Direito da Economia, ela é, além de primorosa, um trabalho hercúleo, quer pelo volume de páginas traduzido, quer pela preocupação em manter a atualidade dos conceitos ali presentes, quer pela preocupação com a fidelidade ao ponto de urdir neologismos (como "jusestatalidade", para referir a qualidade inerente ao Estado de Direito) para ofertar maior correspondência às idéias originais do texto, que deve ser valorizado, no mínimo, por quantos desejem fazer uma investigação séria em sede de Direito Comparado, vencendo as barreiras idiomáticas.

ORDENAMENTOS JURÍDICOS EM CONCORRÊNCIA

Wegner, Gerhard. Instituições nacionais em concorrência. Trad. Urbano Carvelli. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 2007.
Os tempos que ora correm, em que se pretende a superação das soberanias estatais em prol da conversão do mundo em um grande mercado regulado exclusivamente pelo que os agentes econômicos decidirem livremente em seus contratos – a denominada lex mercatoria - , mostram a oportunidade da publicação desta obra do eminente Professor da Universidade de Erfurt. O problema da convivência de diferentes tipos de regulamentação da economia entre os Estados participantes da União Européia e seus efeitos sobre a concorrência entre os agentes econômicos no âmbito daquela Comunidade Internacional, e, fora desta, no âmbito das relações internacionais econômicas, rastreando as discussões que se travaram no âmbito dos foros internacionais acerca dos limites e possibilidades do estabelecimento de uma autoridade que assegurasse a concorrência internacional, as relações que se estabelecem entre os produtos e serviços migrando de uma concorrência baseada exclusivamente nas características intrínsecas a eles para uma concorrência entre regimes jurídicos, os efeitos das regulamentações tanto na restrição às possibilidades de decisão dos agentes econômicos como no subministrar elementos para a tomada de decisões, tais são alguns dos temas que são versados nesta obra, que dialoga constantemente com as teses do denominado Ordoliberalismo, corrrente de pensamento jurídico e econômico voltada a adaptar a visão liberal clássica aos tempos posteriores à II Guerra, reagindo ao intervencionismo, na qual se destacam nomes como Walter Eucken e Friedrich August von Hayek. A questão da adequação da concorrência entre as instituições exteriores ao mercado, de tal sorte que umas podem ser mais conformes às preferências dos destinatários dos ordenamentos do que outras, revela, aqui, no pensamento do autor que ora se resenha, uma outra faceta da relação entre a economia e o Direito, no sentido de que esta mesmo passa a ser visto como um artigo de consumo – os agentes econômicos buscam os ordenamentos que se mostrem menos restritivos em questões como relações trabalhistas, consumo, meio ambiente, os consumidores, por seu turno, encontram na regulamentação uma possibilidade maior de obterem as informações acerca dos bens e serviços a serem adquiridos -, o que, modo certo, não deixa de trazer outros temas recorrentes, como o da tendência da concorrência entre instituições se colocar em sentido oposto à da concorrência econômica, ou seja, se esta tende à concentração, aquela tende à perpetuação e, por outro lado, a própria negociação em torno do ordenamento a ser escolhido para reger as transações realizadas no mercado, como tem sido comum nos contratos internacionais dotados de cláusula de arbitragem. Claro que, de certo modo, não deixa de se mostrar algo chocante o tratamento dos ordenamentos jurídicos como artigos de consumo, postos à negociação no mercado: contudo, não se pode negar que tal ponto de vista, dentre os juristas, sequer constitui novidade, porquanto na doutrina do Direito Internacional Privado tem sido recorrente a tese da possibilidade de as partes escolherem o ordenamento jurídico que deverá reger a solução das controvérsias que se instaurarem em torno de seus contratos. Por outro lado, a tendência a perpetuação da concorrência entre os ordenamentos jurídicos – não só as vicissitudes do MERCOSUL como as da própria União Européia ilustram tal assertiva – vem a traduzir um contraditor nada desprezível à idéia de homogeneização do espaço jurídico econômico que se pretende nominar como globalização. Em suas oitenta e oito páginas, a obra vem a se mostrar uma das mais vivas explicitações do acerto da frase de Bobbio quanto a não ser bastante sustentar a prevalência do econômico para merecer a qualificação de marxista. Em que pese a concisão, vários temas são versados na obra ora resenhada, como se pôde ver, abrindo caminhos para um sem-número de pesquisas para quantos tenham interesse nos temas da concorrência, da globalização e da formação de Comunidades Econômicas.

quinta-feira, 7 de maio de 2009

INTERPRETAÇÃO, PUBLICISMO E PRIVATISMO

PESSOA, Leonel Cesarino. A teoria da interpretação jurídica de Emilio Betti – uma contribuição à história do pensamento jurídico moderno. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 2002.

Tema comum à filosofia e ao Direito, a hermenêutica, por estes dois ramos do conhecimento humano, tem sido discutida em rumos paralelos, razão por que – é o que aponta este livro, já nas primeiras páginas – raros têm sido os filósofos que se têm proposto a enfrentar a discussão, tal como travada pelos juristas, assim como raros têm sido os juristas que se têm proposto a transcender os limites da tipologia lançada, em suas bases gerais, por Friedrich Carl von Savigny, no 1º volume do seu Sistema de Direito romano moderno. A teoria da interpretação de Emilio Betti é encarada como uma ponte entre a filosofia e o Direito na discussão da hermenêutica, o que o conduziu a, primeiramente, lançar as bases de uma teoria do conhecimento para, daí, garantir o êxito epistemológico da atividade interpretativa, a partir da identificação dos problemas no âmbito da teoria geral do direito. No âmbito desta, o problema se coloca na busca do equilíbrio entre a certeza e segurança jurídica – preocupação maior do Positivismo, notadamente o de caráter normativista – e a adequação da solução jurídica ao caso concreto sob o exame do juiz – preocupação maior da Escola do Direito Livre -. A obra ora resenhada aponta para a opção decidida feita por Betti pela jurisprudência dos interesses, pela qual a interpretação deveria pesquisar os interesses que presidiram a elaboração da norma jurídica, bem como encarara a esta como resolução de um conflito de interesses, e, também, deveria proceder à integração e correção das idéias historicamente apuradas, e para a polêmica travada com Santi Romano, basicamente, residente na divergência existente entre os dois juristas acerca do conceito de interpretação. Identifica a origem das incursões de Betti no campo da hermenêutica filosófica no rastreamento da resposta à pergunta sobre o modo de identificar os interesses que se pretenderiam realizar normativamente e de adequar os juízos de valor iniciais às novas realidades sociais. Betti ter-se-ia servido das contribuições de Wilhelm Dilthey para definir como objeto da teoria da interpretação a “forma representativa”, que seria a forma sensível mediante a qual um outro espírito falaria ao nosso, e, em seguida, ter-se-ia proposto o problema do modo como se tornaria possível o conhecimento das formas representativas, o que implicaria buscar a identificação da idéia objetivada mediante tais formas. Para buscar tal identificação é que Betti teria ingressado no campo da filosofia da linguagem, rejeitando a teoria behaviorista (para a qual, na obtenção do significado somente importariam o signo e aquilo para o que o signo ostenta este caráter, sem que se pudesse cogitar de um terceiro termo responsável pelas objetivações – isto é, sem que se pudesse cogitar justamente do objeto da preocupação de Betti), colocando, a partir das teorias de W. M. Urban, a solução para o terceiro termo no conceito de comunidade de discurso, decorrente da possibilidade de universalização de representações, isto é, a partir de que haja uma correspondência do significado de determinados signos para os interlocutores. Passa, em seguida, a obra ora resenhada a examinar a polêmica travada entre Betti e Gadamer, colocando a posição deste acerca da impossibilidade da correção – o segundo momento da interpretação – da norma ser feita com base no entendimento, resvalando para o arbítrio, e justificando-se a posição daquele no sentido de que se buscava um critério seguro que permitisse a adaptação da norma a uma realidade que evoluíra desde a sua elaboração. A obra conclui relacionando a investigação sobre as condições do entendimento, feita por Schleiermacher, que diz respeito ao traço de unidade entre as técnicas de interpretação de texto, e o aproveitamento feito por Betti, voltando-se à identificação das condições do correto entendimento do texto jurídico e, sob as bases da teoria do conhecimento por ele lançadas, a elaboração de uma metodologia que permitisse a adoção de cânones para a correta interpretação. A obra ora resenhada, versão comercial de tese de doutoramento apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, como se pode ver, busca a documentação e análise de um dos esforços mais impressionantes no que tange ao estabelecimento do equilíbrio entre duas exigências antagônicas, quais sejam, a certeza e a justiça. Como toda obra de valor, ainda provoca a possibilidade de desdobramentos.
O enfoque do debate entre Betti e Santi Romano se coloca na divergência que um e outro teriam quanto ao conceito de interpretação, para o autor. Penso que, embora correto, não é, contudo, o único aspecto que poderíamos investigar para o efeito de explicar o âmago da divergência, e isto dentro da própria proposta metodológica de Betti. Com efeito, é de se destacar a própria diferença de enfoques adotados pelo privatista – a obra jurídica de Betti se volta, preferencialmente, ao direito civil – e pelo publicista – Santi Romano é, como todos sabem, um dos grandes nomes do direito constitucional -. Este se preocupa, basicamente, com a estrutura do Estado e com a preservação das competências, em que pese ter sido um dos primeiros estudiosos do “pluralismo jurídico”, que muitos apresentam como uma novidade, embora, por certo, cingindo-o a limites: "na esfera da ordenação estatal, podem ter valor não só as normas oriundas diretamente do Estado e dos demais entes e sujeitos que dele retiram sua autonomia, mas também as normas que derivam de ordenações, ou seja, de instituições que são originárias em relação ao Estado, principalmente a comunidade internacional, os Estados estrangeiros e a Igreja. Porém, elas não têm eficácia por si mesmas, diretamente, mas apenas quando as leis estatais a atribuem e nos limites de tais atribuições; logo, são irrelevantes, ou pode ser-lhes proibida a observância enquanto o Estado não as reconhecer" (Princípios de Direito Constitucional geral. Trad. Maria Helena Diniz. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1977, p. 122). Sua concepção a respeito do direito privado indica, de plano, tal preocupação: "o direito privado é a esfera de ordenação que o próprio direito público, limitando-a, reserva às autonomias meramente lícitas. O direito privado, portanto, encontra sempre seu fundamento no direito público, já que dele deriva e está circunscrita a sua autonomia: o direito privado é uma esfera, um espaço deixado mais ou menos em branco pelo direito público, que porém o encerra na rede de suas malhas, o alimenta e o tutela" (Princípios de Direito Constitucional geral. Trad. Maria Helena Diniz. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1977, p. 100). Já para Betti, a questão que se coloca é bem outra: é a de que, mesmo havendo o trabalho do legislador, este nunca se acha completo, porque se coloca a necessidade da solução dos conflitos concretos à luz do ordenamento jurídico e, neste caso, sempre acaba restando um aspecto de criatividade, mesmo que se não arrede da norma legal como parâmetro para decidir, como ilustra esta passagem: “na realidade, o que o indivíduo declara ou faz com o negócio é sempre uma regulamentação dos próprios interesses nas relações com outros sujeitos: regulamentação da qual ele entende compreende o valor socialmente vinculante, mesmo antes de sobrevir a sanção do direito. É característica do negócio que a sua fatispécie, ainda mais que seu efeito, prescreva uma regulamentação obrigatória, a qual, uma vez reforçada pela sanção do direito, está destinada a elevar-se a preceito jurídico. Não quer isto dizer – como tantas vezes se repete – que a vontade privada possa, só por si, por virtude própria, ser causa imediata de efeito jurídico, já que sem uma ordem jurídica que estabeleça o nexo ‘causal’, esse efeito sequer é concebível. Acontece, porém, que aqui a previsão a que esta ligado o efeito jurídico contém em si mesma um preceito de autonomia privada, cujo reconhecimento por parte da ordem jurídica representa, na sua essência, um fenômeno de recepção. A ordem estabelecida pelas partes para os seus interesses é valorada pelo direito de acordo com os seus pontos de vista gerais, tornada própria com as suas oportunas modificações e traduzida nos termos de uma relação jurídica” (Betti, Emilio. Teoria geral do negócio jurídico. Trad. Fernando de Miranda. Coimbra: Coimbra Ed., 1969, t. 1, p. 300-301).
A visão privatista de Betti, pois, tem presente a solução de conflitos interindividuais, em que o órgão do Estado se coloca como um terceiro não interessado, bitolado pelo ordenamento jurídico, posto este como a garantia da previsibilidade do resultado das operações que se travam. Já a publicista de um Santi Romano vem a se colocar no sentido de uma ordenação da sociedade como um todo, na disciplina da própria condição de autoridade, quantificada, inclusive, a capacidade de esta exercer a coação sobre os indivíduos, em que o Estado se vem a colocar como um dos sujeitos da relação jurídica. Assim, o princípio da legalidade se há de entender como o delimitador do espaço onde a autoridade haverá de ser exercida, com o que a interpretação será de caráter eminentemente declaratório, na visão publicista, mesmo que não se possa esquecer que "também certos atos privados contêm prescrições, determinações, preceitos - numa palavra, normas - que, como aquelas das leis públicas, são disposições preventivas, destinadas a regular relações que assumem caráter jurídico. E são normas institucionais, enquanto deriva do Estado a autonomia sobre a qual se fundam e pelo Estado são protegidas, por lei e pelas autoridades públicas" (Princípios de Direito Constitucional geral. Trad. Maria Helena Diniz. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1977, p. 116). Já na visão de Betti, ao contrário, há espaço para a construção, justamente porque ao ordenamento cabe assegurar o espaço para a vontade individual se manifestar livremente, disciplinando as relações jurídicas no seu âmbito de atuação. Contudo, as finalidades a que ambas se propõem são similares. A interpretação enquanto "espelho", defendida por Santi Romano, com um caráter eminentemente declaratório e não constitutivo, tomando o Estado como sujeito da relação jurídica implica, em realidade, a redução da esfera de atuação deste, dada a clássica formulação liberal do principio de legalidade, quando referido ao Poder Público, e, no contexto de um ordenamento que se vai manifestando pela atuação estatal em domínios antes reservados ao particular, no aspecto publicístico, desempenha um papel similar, no aspecto privatístico, da sua antípoda em Betti, quanto à possibilidade de o intérprete, a partir do dado ordenamento jurídico, construir as soluções para os problemas que se apresentam, enquanto ampliação da margem de decisão do particular. Veja-se, com efeito, a passagem de Santi Romano acerca das tendências à redução do espaço do direito privado: "a esfera do direito privado tende, nos Estados modernos, a restringir-se em benefício do direito público. Isto ocorre devido ao processo de contínua e progressiva ingerência do Estado em matérias reservadas à autonomia de outrem, ou à transformação de tal autonomia, meramente lícita em funcional" (Princípios de Direito Constitucional geral. Trad. Maria Helena Diniz. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1977, p. 102).
Mas, consoante dito, esta observação pontual não deve ser vista como a identificação de um defeito na obra ora resenhada, mas, pelo contrário, como uma prova da sua riqueza, no sentido de encorajar novas investigações, ainda mais nos tempos hodiernos, em que se discute o problema do estabelecimento do efeito vinculante para as decisões das Cortes Superiores.

quarta-feira, 6 de maio de 2009

ALGUNS SITES DE INTERESSE DO DIREITO ECONÔMICO

No ciberespaço, existem importantes fontes de consulta para quantos tenham interesse nas temáticas específicas do Direito Econômico:

http://fbde.org.br/ - Sítio da Fundação Brasileira de Direito Econômico, entidade existente desde 1972, responsável por importantes aprofundamentos no exame dos aspectos jurídicos da política econômica. Veicula não somente artigos como notícias jurídicas a respeito da temática.
http://politicaeconomicadopetroleo.blogspot.com/ - Blog de responsabilidade do Prof. Wladimir Coelho, membro da Fundação Brasileira de Direito Econômico, voltado a estudar especificamente a temática concernente ao tratamento jurídico do petróleo no Brasil. Possui vários links interessantes relacionados com a temática.
http://www.lafayetepetter.com/ - Sítio do Prof. Lafayette Josué Petter, concebido com as finalidades de permitir uma primeira aproximação com o Direito Econômico e o Direito Financeiro, a fim de propiciar não somente o debate sobre os temas presentes como ainda o auxílio dos estudantes na preparação para concursos em que tais disciplinas são exigidas. Visa, também, a divulgação da atuação do Ministério Público Federal em ambas as áreas. Possui, também, vários links interessantes relacionados com as temáticas.

TEMAS VERSADOS EM OBRAS INDIVIDUAIS DO RESPONSÁVEL POR ESTE BLOG

Camargo, Ricardo Antônio Lucas. Doutor em Direito Econômico pela Universidade Federal de Minas Gerais. Membro da Fundação Brasileira de Direito Econômico e do Instituto Brasileiro de Advocacia Pública – IBAP/RS


OBRAS INDIVIDUAIS

Breve introdução ao Direito Econômico. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1993.

Discutem-se nesta obra os caracteres distintivos dos ramos do Direito para se investigar o caráter do Direito Econômico enquanto tal, para o efeito de interpretar o texto do inciso I do artigo 24 da Constituição brasileira de 1988.

Direito Econômico e reforma do Estado – 1 – a experiência européia de Constituição Econômica “socialista”: bases para a crítica. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, Data, 1994. Prefácio da Profa. Luíza Helena Moll.

Pelo exame das Constituições dos Países da Europa do Leste antes da queda do Muro de Berlim e de Portugal, procura-se identificar o que caracterizaria como “socialista” um ordenamento jurídico, bem como quanto haveria de socialismo nas Constituições tanto dos Países da Cortina de Ferro quanto na Constituição de Portugal, após a Revolução dos Cravos, como base para uma crítica responsável.

Direito Econômico e reforma do Estado – 2 – o “liberalismo” na experiência francesa, alemã, italiana e comunitária. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, Data, 1994. Prefácio do Prof. Werter R. Faria.

O exame dos ordenamentos jurídicos dos Países que deram início à formação da Comunidade Européia, bem como o desta, vem para o efeito de se verificar o quão coerentes teriam eles sido com os postulados de um liberalismo puro, ao mesmo tempo em que se procuram identificar os institutos neles adotados, como a co-gestão, e a economia concertada.

A atualidade dos direitos econômicos, sociais e culturais. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, Data, 1995. Prefácio do Min. Ruy Rosado de Aguiar Jr.

A partir de uma premissa positivista, o texto investiga a sobrevivência dos direitos econômicos, sociais e culturais, no contexto de um mundo que aponta para uma liberalização da economia e para um discurso voltado à retração da atuação estatal no domínio econômico, bem como para a própria exeqüibilidade de tais direitos.

Ordem jurídico-econômica e trabalho. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1998.

O trabalho, aqui, é tratado como objeto da regulamentação da política econômica, em enfoque diverso, embora complementar, do Direito do Trabalho, envolvendo questões como o Direito ao Trabalho, a participação dos empregados nos lucros da empresa, o trabalho escravo, as migrações internas, e os desafios impostos à solução para estes problemas nos quadrantes do Estado Democrático de Direito.

O capital na ordem jurídico-econômica. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1998.

O capital é, aqui, versado sob enfoque diverso daquele posto pelo Direito Comercial, adentradas as questões concernentes à política econômica a ele referentes, como a alienação de controle das companhias abertas, com sua influência no que tange ao poder dos agentes econômicos no mercado, a propriedade industrial, a especulação imobiliária, o tratamento dos lucros perante o Direito, os contratos ligados ao mercado de capitais, o tratamento dos juros e do mercado de bens simbólicos.

Agências de regulação no ordenamento jurídico-econômico brasileiro. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 2000.

O tema das agências reguladoras é tomado a partir do questionamento do quanto de, efetivamente, novo existiria em sua criação, e como se poderiam enquadrar no desenho constitucional pátrio, bem como as possíveis perplexidades que se poderiam identificar pelas premissas identificadas na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal ao manusear os conceitos que são trazidos nesta obra.

Direito Econômico – aplicação e eficácia. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 2001. Prefácio do Prof. Washington Peluso Albino de Souza.

Neste livro – versão comercial da tese de doutoramento do autor defendida em 5 de agosto de 1996 -, discutem-se as vinculações entre o Direito Econômico e o Direito Processual, sem se chegar, por um lado, a um Direito Processual Econômico e trazendo à balha, por outro, o papel da jurisprudência em relação à política econômica.

Os meios de comunicação no Direito Econômico. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 2003.

Esta obra pretende iniciar um debate sobre o regime jurídico dos meios de comunicação enquanto objeto de atividade econômica e enquanto centros de poder econômico, ao mesmo tempo em que se coloca a sua inserção enquanto instrumentos de agentes econômicos vinculados a atividades diversas.

Interpretação jurídica e estereótipos. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 2003. Prefácio do Dr. Paulo Peretti Torelly.

Discute-se aqui, a partir de quatro textos aparentemente independentes, interligados, contudo, por um motivo condutor, o papel dos estereótipos na predeterminação do sentido do objeto interpretado, e como isto vem a afetar, necessariamente, a interpretação dos textos jurídicos, seja no campo da legislação, seja no campo da doutrina, a partir do pensamento de Arthur Schopenhauer e de um quadro de Eugène Delacroix.

Advocacia Pública – mito e realidade. São Paulo: Memória Jurídica, 2005. Prefácio do Dr. Luiz Vicente de Vargas Pinto.

Procura-se lançar as bases para a identificação dos traços essenciais do que sejam as carreiras voltadas à Advocacia Pública – disciplinadas nos artigos 131, 132 e 134 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 -, bem como a ligação com temas como os direitos humanos, as ações civis públicas e de improbidade administrativa e a evolução do sentido de “economicidade” nos pareceres da Procuradoria-Geral do Estado do Rio Grande do Sul.

Direito Econômico e Direito Administrativo – o Estado e o poder econômico. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 2006.

A partir da polêmica acerca de constituir ou não o direito econômico ramificação do Direito Administrativo, a obra mostra, pelo estudo de temas comuns a ambos, que, embora se trate de ramos distintos do direito, não há, necessariamente, entre eles, relação de exclusão, mas sim de complementariedade e, mediante este enfoque, são examinados, à luz da doutrina e jurisprudência, temas como a privatização da economia, o neoliberalismo em face da dicotomia público/privado, exemplos históricos - o Convênio de Taubaté e a Madeira-Mamoré - de atuação do estado no domínio econômico em que os interesses deste e do empresariado privado não se mostraram antagônicos, a operacionalização do dispositivo constitucional que integra o mercado interno no patrimônio público nacional, os aspectos jurídicos da política econômica de transportes, os balizamentos da aplicação da súmula 473/STF em se tratando da política econômica pública e as conseqüências da definição do planejamento.

Direito Econômico, Direito Internacional e Direitos Humanos. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 2006.

Em tempos de globalização da economia, a identificação do referencial jurídico para a adoção de medidas de política econômica, bem como as suas repercussões no âmbito do Direito Internacional e na própria compreensão dos direitos humanos, vem a ser a principal preocupação desta obra. O desafio proposto é tratar temas como as tensões poder econômico público/poder econômico privado, a amplitude da autonomia da vontade negocial em face da ordem pública (bem como a extensão desta última), a medida em que os interesses dos seres humanos mereceriam tutela jurídica e o pensamento que subjaz às correntes que a restringem, o papel do utilitarismo e do economicismo como parâmetros hermenêuticos na própria definição dos sujeitos de direito, sem enveredar pelos passionalismos que normalmente inçam tais discussões, não deixando, entretanto, de posicionar-se acerca de cada um deles.

Liberdade de informação, direito à informação verdadeira e poder econômico. São Paulo: Memória Jurídica, 2007.

Primeiro livro de uma tetralogia, utilizando como metáfora a tragédia Hipólito, de Eurípides, a obra procura aprofundar o problema da instrumentalização de conceitos trazidos pelo liberalismo político, tais como a liberdade de manifestação do pensamento e de informação, condicionados pelo direito à informação verdadeira e pelo próprio tratamento da concentração dos meios de comunicação em sede constitucional.

Direito Econômico, Direitos Humanos e segurança coletiva. Porto Alegre: Núria Fabris, 2007. Prefácio do Prof. Alberto Dias Vieira da Silva.

Recordando a advertência de Carlos Maximiliano, segundo a qual quem somente conhece o Direito nem mesmo a este conhece, o autor se propõe, a partir de um encontro entre a Literatura, o Direito, a Filosofia e a Economia, a uma reflexão sobre os problemas da insegurança na vida atual e as suas relações com a ordem jurídico-econômica, trabalhando, como metáfora, uma tragédia grega escrita no século V a.C. - Hécuba, de Eurípides -, a respeito de um episódio que se seguiu a Guerra de Tróia, dando seguimento à tetralogia. O livro não se destina somente ao bacharel em Direito, embora este seja o público preferencial, pela própria formação do autor, mas a quantos se preocupem tanto com o problema da segurança coletiva quanto com as manipulações que por vezes, têm sido feitas em seu redor para se justificar, inclusive, o esquecimento de conquistas da civilização na redução do arbítrio e na viabilização da convivência entre os seres humanos.

“Custo dos direitos” e reforma do Estado. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 2008. Prefácio do Prof. Fernando Antônio Lucas Camargo.

O discurso em voga no sentido de que alguns dentre os direitos humanos não teriam como ser realizados, tendo em vista o custo que acarretam, bem como o próprio dado de implicarem a adoção de uma postura ativa por parte do Estado que iria contra o movimento em prol da minimização deste, vem a ser objeto de análise, tomada por metáfora uma tragédia grega do século V a. C. - As fenícias, de Eurípides -, mediante o exame da concepção contratual que vem a ser difundida em relação ao serviço público, com ênfase especial para a Análise Econômica do Direito, das noções e espécies de custo - bem como a verificação de sua evitabilidade ou inexorabilidade -, do histórico da denominada "ampliação dos direitos", dos meios pelos quais o Estado se faz presente no domínio econômico sem qualquer objeção do empresariado - como na tutela coercitiva do direito de propriedade e do cumprimento dos contratos e no fomento econômico -, dos instrumentos mediante os quais o Estado vem a diminuir a sua atuação direta no domínio econômico, com as implicações financeiras daí decorrentes - como a alienação de participação societária, a abertura de capital, o estabelecimento de ações de classe especial, a alienação, arrendamento, locação, comodato ou cessão de bens ou instalações das empresas estatais, os contratos de gestão, as Parcerias Público-Privadas -, ilustrando, por vezes, com precedentes tanto das Cortes brasileiras quanto da Corte Interamericana de Direitos Humanos.

Mercado de precatórios e crédito tributário. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 2008.

Discutem-se os problemas decorrentes da possibilidade aberta pelo § 2º do artigo 78 do ADCT em relação à utilização dos precatórios como “moeda” para o pagamento de créditos tributários, especialmente no que diz respeito à mercantilização dos créditos judiciais, às funções da moeda e ao desequilíbrio estabelecido entre os agentes do mercado, à luz da jurisprudência.

ICMS e equilíbrio federativo na Constituição Econômica. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 2008.

Esta obra se volta às repercussões do tratamento jurisprudencial do diferencial de alíquotas do ICMS nas operações interestaduais em face dos princípios da proteção à concorrência e da redução das desigualdades regionais e sociais, tomada a Constituição como um sistema.

Direito, globalização e humanidade. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 2009. Prefácio do Prof. Luís Afonso Barnewitz.

Encerrando a tetralogia, a partir da tragédia Medéia, de Eurípides, a obra pretende discutir até que ponto o avanço da globalização não teria colocado em cheque o próprio conceito de sujeito de direito e, mesmo, a identificação deste com a condição de integrante da humanidade, pela paulatina substituição dos ordenamentos jurídicos nacionais e internacional pela lex mercatoria e pela sobrevalorização da utilidade do indivíduo ou da categoria de indivíduos para o mercado como critério de respeitabilidade.

Advocacia Pública e Direito Econômico - o encontro das águas. Porto Alegre: Núria Fabris, 2009. Prefácio do Prof. Mário Lúcio Quintão Soares.
Nestes tempos em que, por um lado, a presença, em maior ou menor intensidade, do Estado em vários domínios - especialmente o econômico - vem a colocá-lo como partícipe necessário de um sem-número de relações jurídicas, sua configuração enquanto Estado de Direito vem a trazer à baila sua presença freqüente em juízo e a necessidade da especialização de um corpo de profissionais tanto para sua defesa em litígios quanto para a tutela da higidez de sua atuação no âmbito da legalidade. Esta obra vem como uma coletânea de textos destinada a estimular a reflexão sobre estes dois temas, reflexão, esta, indispensável para a adequada compreensão da própria idéia de reforma do Estado.

NA PROTO-HISTÓRIA DO DIREITO INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS

Azevedo, Luiz Henrique Cascelli de. Jus gentium em Francisco de Vitória – a fundamentação dos Direitos Humanos e do Direito Internacional na tradição tomista. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 2008, 256 p.
O autor, Consultor Legislativo da Câmara dos Deputados, vem a preencher uma lacuna de que a literatura jurídica se ressentia, ou seja, a contribuição de Frei Francisco de Vitória (1483?-1546) à formação do direto internacional público e, especialmente, do direito internacional dos direitos humanos. Com efeito, antes de Bartolomé de las Casas (http://viagensamerica.blogspot.com/2009/03/escada-e-espiral-capitulo-15.html), este teólogo dominicano vem a compadecer-se da sorte dos índios da América e, a partir de Santo Tomás de Aquino e de Aristóteles, trazia argumentos notáveis quanto à unidade do gênero humano, no qual estavam incluídos os selvagens. A evolução do conceito do ius gentium, desde Aristoteles, passando pelos romanos Cícero, Gaio, Ulpiano, chegando a Justiniano, pelos teólogos Agostinho de Hipona, Isidoro de Sevilha e Alberto Magno até chegar a Santo Tomás de Aquino, fonte principal de Vitória, é estudada minuciosamente, para apontar para a semeadura das noções fundamentais do Direito Internacional Público e da própria temática dos Direitos Humanos, posto o pensador escolhido na condição de habitante da fronteira entre o teocentrismo medieval e o humanismo renascentista, abrindo ensejo, inclusive, à consideração da projeção universal do ser humano enquanto titular, em si mesma, de direitos.
Para que se verifique a importância da obra que ora se resenha para o estudioso do Direito Econômico, é preciso recordar que Vitória atuou precisamente aos tempos em que a filosofia mercantilista imperava nos Estados Nacionais europeus e foi o grande motor da aventura colonial. Por outro lado, após a queda do Muro de Berlim, houve toda uma movimentação no sentido de reduzir o ser humano às dimensões de produtor, investidor, trabalhador ou consumidor, de tal sorte que, quem não se pudesse enquadrar em nenhuma destas categorias não mereceria consideração inclusive como pessoa - a função econômica enquanto passaporte para a dignidade humana -, comprometendo a idéia da unidade do gênero humano como se fosse uma bem-intencionada, mas catastrófica, porque contrária à eficiência econômica, utopia, de tal sorte que o Direito passava a sofrer transformações no sentido do reforço do poder econômico privado, com a adoção de um processo intenso de desregulamentações e privatizações, e a restrição aos gastos públicos erguida como fundamento para denegar a concreção de direitos que não se enquadrassem dentre os clássicos direitos patrimoniais. A revisita a Vitória, ainda mais depois da crise de 2008, para superar a tentativa da redução do Direito ao econômico, impõe-se para dialogar com tal tendência.

POLÍTICAS PÚBLICAS NO JUDICIÁRIO

SANTOS, Marília Lourido dos. Interpretação constitucional no controle judicial de políticas públicas. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 2006.

Quando elaborei minha tese de doutoramento a respeito dos mecanismos de efetivação jurídica das medidas de politica econômica, defendida em 1996, mostrava-se a busca de bibliografia um verdadeiro desafio, diante do preconceito arraigado no sentido de constituírem políticas de governo, reservadas, pois, ao domínio do Poder Executivo, a despeito dos próprios pressupostos do Estado de Direito, com todas as suas variantes. Daí por que a vinda a lume desta dissertação de mestrado tem todos os motivos para ser saudada. A questão enfrentada pela autora, Mestra pela Universidade Federal do Pará, é a do dilema que se coloca em relação à exigência de uma postura ativa do Estado na realização de políticas públicas que atendam às necessidades coletivas e, mesmo, na implementação de direitos, ao mesmo tempo em que se preserva a própria construção do Estado de Direito enquanto principal conquista do liberalismo. Trabalhando com a característica de indeterminação das soluções jurídicas para os problemas sociais, identificando como seus fatores a ambigüidade dos termos dos conceitos, que pode ser tanto semântica (polissemia de um vocábulo independentemente do contexto em que se insira - p. 29-32), como sintática (quando um vocábulo, no mesmo contexto, pode assumir diversos significados - p. 32-33), vagueza, que diz respeito às duvidas acerca das situações a que o enunciado seria aplicável, distinguindo entre a vagueza por gradação (p. 35-38), a vagueza combinatória (p.38-45) e a vagueza pela textura aberta (p. 45-48). Aponta, ainda, para o efeito de explicar a presença da "ambigüidade" e da "vagueza" nos textos normativos, especialmene constitucionais, a partir do emprego de conceitos essencialmente controvertidos (p. 49-51), colisões entre princípios e valores fundamentais (p. 51-61), o problema da incomensurabilidade dos valores entre si, que se vem a manifestar na necessidade de proteger uma pluralidade de valores (p. 62-63) e na existência de diferentes grupos sociais com interesses contrapostos (p. 63). Passa pela hermenêutica constitucional como instrumento de eliminação, a cada caso, destas incertezas, para enfrentar especificamente o problema engendrado pela consideração das políticas públicas, definindo-as como "conjunto organizado de normas e atos tendentes à realização de um fim público" (p. 80), para versar o seu papel de viabilizadoras principalmente dos direitos econômicos, sociais e culturais, e as dificuldades decorrentes de doutrinas ligadas especificamente ao modelo de tripartição de poderes, como a insindicabilidade do mérito dos atos administrativos e das questões políticas (p. 89-91), por um lado, e a necessidade de se ofertar a máxima efetividade à Constituição, por outro. Entre estes dois pólos, situa a atuação do Poder Judiciário, resenhando julgados sobre temas como o direito à educação, o direito à saúde, o poder de concessão de isenções tributárias, e procura rastrear os pressupostos teóricos de tais julgados. Claro que não podem deixar de ser opostas algumas ressalvas ao texto: primeiro, ao considerar que o tema aponta para a insuficiência dos pressupostos teóricos da Teoria Pura do Direito (p. 24), supondo ser esta preconizadora de um método puramente silogístico, quando, em realidade, nela está posta a questão da impossibilidade de o cientista do Direito estabelecer qual, dentre os sentidos possíveis a serem atribuídos a determinada norma, seria o correto, reservada tal tarefa para quem ostentasse o papel de intérprete autêntico, dotado de poderes de individualizar a norma, tese que não contradiz o enunciado que a própria autora estampa na página 29, quanto à presença de dúvidas constantes acerca da correta interpretação dos textos normativos. Após adotar seu conceito de política pública, transcreve acriticamente conceito adotado por Fábio Konder Comparato, que se coloca em franco antagonismo com o seu, ao considerar que não se trata nem de atos nem de normas, mas sim de atividades (p. 94). Também não concordo com a tese segundo a qual os direitos individuais se caracterizariam pela exigência de uma posição omissiva do Estado, diversamente dos direitos econômicos, sociais e culturais (p. 73-74), porquanto a atuação da polícia para a proteção da propriedade traduz uma atuação positiva, ao passo que direitos como o de greve implicam uma abstenção estatal, consoante os recorrentes exemplos de Ingo Wolfgang Sarlet. Mas, de qualquer sorte, estes pontos não chegam a desvalorizar a obra, que traduz um esforço notável no sentido da superação de vestígios do absolutismo que ainda assombram o pensamento jurídico pátrio.

UMA TEORIA JURÍDICA DO ESTADO GERENCIAL

DROMI, Roberto. Sistema jurídico e valores administrativos. Trad. Equipe Editorial Ciudad Argentina y TR Company. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 2007.


Com a sua dupla experiência de homem de Estado e Professor universitário, o jurista argentino, a partir da concepção do Direito enquanto sistema, procura identificar os valores que, no que diz respeito à atuação estatal, ainda permanecem e os que vêm a sofrer transformações em decorrência da globalização, sobretudo pela emergência de novos atores e da gradativa mitigação do princípio de autoridade em prol do princípio da participação.

Distingue entre o sistema constitucional e o sistema administrativo - partindo do pressuposto de que, onde o Estado comparece, no âmbito interno, se não for matéria de Direito Constitucional, seria de Direito Administrativo, pressuposto em relação ao qual guardo profundas reservas, consoante demonstrado em outra oportunidade, quanto às insuficiências tanto do Direito Constitucional quanto do Direito Administrativo para darem conta de determinados aspectos jurídicos concernentes à política econômica -, apontando para a manifestação da autoridade pela delimitação das competências e da liberdade pela previsão dos direitos fundamentais, distinguindo dentre estes os que são reconhecidos ou dados e os que são construídos como instrumentos indispensáveis à concreção dos que seriam dados.

É a partir daí que procura identificar o sistema de Direito Administrativo por seus componentes - sua especificidade axiológica, ontológica, gnosiológica e hermenêutica - e por suas funções - simplificação, comunicação, internacionalização, inovação, estabilização, reparação e integração -, para daí inferir os valores a serem tomados em consideração pela Administração Pública nos tempos que ora correm.

Independentemente de ressalvas que se possam fazer, sobretudo no que tange à problemática da transposição do conceito de eficiência do âmbito privado para o público, tomando a privatização como manifestação plena deste princípio, o fato é que se trata de uma obra indispensável a quantos pretendam refletir sobre as transformações do Estado neste período de fragmentação das soberanias, sobretudo pela transnacionalização dos problemas.

A ENGENHARIA JURÍDICA DO ABSOLUTISMO DO CAPITAL

QUINTAS, Fábio Lima. Direito e economia - o poder normativo da Administração Pública na gestão da política econômica. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 2007.

O texto que se resenha constitui versão comercial de dissertação de mestrado apresentada na Universidade de Brasília. No início da década de 90, como é notório, houve um movimento no sentido de se modificarem os ordenamentos jurídicos de todos os Países do Terceiro Mundo, de sorte a propiciar um maior afluxo de capitais. A liberalização da conta de capital, levada a cabo naquela década, para o efeito de atrair o investimento externo é, pelo autor, inserida neste contexto, e o dado é submetido à discussão sob os prismas jurídico e econômico, para o fim de se verificar até que ponto a medida poderia ter sido tomada no contexto de um Estado Democrático de Direito, como o proclamado pela Constituição brasileira de 1988. O debate vem a ser estabelecido tanto a partir da verificação da legalidade formal da medida - qual a autoridade competente para a decretar, se seria necessário o recurso à lei ou se bastaria ato de hierarquia normativa inferior - até a própria questão da necessidade de não se desprezar a legitimação democrática em nome de uma suposta "eficiência econômica". A contextualização do como se formou, na América Latina, o caldo de cultura para que se implementassem medidas voltadas à plena liberalização é feita minuciosamente no início do texto, e permite, assim, ao leitor verificar a medida em estudo como mais um passo em direção ao absolutismo do titular do capital estrangeiro, mesmo antes da Emenda Constitucional nº 6, de 1995.
O Estado Democrático de Direito é tomado no texto sob resenha como paradigma, ou seja, como visão de mundo comum inspiradora da Constituição de 1988 (p. 13), verdadeiro topos, para utilizar a linguagem mais aproximada ao senso comum dos bacharéis em Direito. São, a seguir, apontados os “paradigmas constitucionais” a partir da visão habermasiana do Estado de Direito, do Estado Social e do Estado Democrático de Direito, sendo no marco deste último que o princípio democrático evolui “de processo que visava simplesmente `legítima assunção e utilização do poder estatal (por meio do sufrágio universal) para processo que visa à expansão e preservação da esfera pública não estatal e da privada não mercantil” (p. 15). Refere o desafio para a realização da democracia em face da redução do espaço público “pelo poder do mercado globalizado”, em que o “político” viria a ser reduzido ao “técnico” e ao “econômico”, e este ao “crescimento”, em que os referenciais e as perspectivas de futuro viriam a desaparecer, bem como as “promessas não cumpridas da modernidade” (p 16), e a influência de tais dados no estabelecimento de mais aprofundado “fosso” entre a “tecnocracia hiperespecializada”, que vem a assumir as rédeas mesmo da política econômica pública, e o cidadão comum que a esta se sumbete, pondo em questão inclusive o princípio liberal da separação de poderes, com a atribuição de poderes normativos a órgãos e entidades da Administração Pública, como o Conselho Monetário Nacional e o Banco Central (p. 18-23).
Caberia, aqui, uma digressão, inclusive, acerca da proposta de concessão de maior autonomia ao Banco Central, do seu tratamento como “agência reguladora independente”, e de sua compatibilidade com a própria concepção da separação de poderes nos moldes do liberalismo, posto o Estado como instância máxima de poder coercitivo, inclusive, para que fosse garantida com maior efetividade a liberdade de cada um dos indivíduos que figurassem como sujeitos dos interesses conflitantes no seio da sociedade.

A seguir, partindo da reflexão de Karl Polanyi, toma como marco para a compreensão da economia política da sociedade moderna as instituições do mercado nacional – que, a partir do século XIX, se teria tornado o referencial da sociedade, motivando o agir dos indivíduos antes no lucro e no ganho do que na subsistência (p. 28-29) -, do Estado – como o encontro das coordenadas espaço-tempo necessário à produção, como bens públicos, da legitimidade na governança, do bem-estar econômico-social , da segurança e da identidade coletiva (p. 29-30) -, do sistema geopolítico global – que, após a queda do Muro de Berlim, só pode ser considerado capitalista, e se manifestaria por uma distinção entre Estados mais ou menos vulneráveis ao poder de manipulação dos atores externos do mercado (p. 30-34) - e do sistema monetário internacional – elemento de ligação entre as economias, aponta para a alternância entre períodos de amplos consensos institucionais e desarticulações internacionais como característica da história do sistema (p. 34-35), onde a sua compreensão passa pelo trilema “autonomia das políticas monetárias”, “mobilidade dos capitais” e “taxas de câmbio” (p. 35-36) -.

Nesta parte do trabalho, que se poderia considerar como a “geral”, a identificação das instituições básicas para a compreensão da realidade econômica “moderna” corresponderia, no método analítico-substancial, à identificação do conteúdo econômico da normatividade incidente sobre o fluxo internacional de capitais. Aqui, o fato estudado pela economia política, em sua nudez, antes de merecer valoração.

Passa a estudar a cidadania moderna a partir dos teóricos liberais, dos quais destaca Locke, com sua compreensão do estado de natureza como aquele em que em que o homem converte o dado natural, pelo seu trabalho, em sua propriedade vista como o gérmen da submissão do poder político – instituído que foi pelo consenso dos cidadãos e que observando os princípios da legalidade administrativa, da liberdade econômica e da indelegabilidade do poder, deveria estar restrito a funções relacionadas à eliminação de controvérsias (p. 39-40) – ao poder econômico, e Benjamin Constant, que, considerando como valor supremo a liberdade civil e tratando como real impossibilidade o exercício direto do governo pelo povo, toma a preservação daquele valor apontado como supremo como a finalidade do Estado, posto o governo nas mãos de representantes, eleitos por quem fosse economicamente auto-suficiente (p. 41-43). Examina, ainda, a concepção de Thomas Humphrey Marshall a respeito da cidadania social enquanto desenvolvimento da idéia liberal da igualdade de direitos e da necessidade de remoção dos obstáculos ao atingimento, pelos indivíduos, da auto-suficiência necessária a que pudessem desempenhar os deveres de bons cidadãos, o que implica a adoção de uma postura ativa do Estado na concreção de direitos sociais, que nos países periféricos, contudo, tiveram um caráter de concessão, materializando filosofia segundo a qual “a extensão da cidadania se faz pela inserção do indivíduo no processo produtivo e na medida em que há reconhecimento legal” (p. 43-48). Trabalha, em seguida, o conceito de cidadania emancipadora, busca da conciliação dos aspectos sociais e individuais da vida humana, em que a atuação nos espaços se dê a partir do momento em que cada um reconheça no outro idêntico direito à realização dos respectivos projetos de vida (p. 49-50), em que as relações políticas vêm a transcender a lógica autoritativa, para ingressarem no campo da participação, e as relações econômicas passam a transcender a lógica da troca para ingressarem no campo da ação desinteressada (p. 51-53), de tal sorte que a cidadania passa a ser vista menos como um feixe de direitos e deveres e mais como uma ampliação dos espaços para tomar parte na condução dos destinos da comunidade (p. 53-57).

Como se vê, seguindo o exame do fato econômico em sua nudez, há a identificação da visão de mundo acerca do ser humano e sua conduta a inspirar a legislação concernente ao mercado de capitais, isto é, o aspecto “ideológico” o sistema de valores dominantes no grupo social em que se travam as relações econômicas.

Após o exame da tipologia da cidadania moderna, passa a estudar o Estado, principiando pela descrição do seu papel no liberalismo, reduzido às funções de proteção da nação contra ameaças externas, à repressão dos delitos perpetrados contra os “direitos naturais” à vida, à liberdade e à propriedade e à composição dos conflitos de interesses privados (p. 59-61), que precisou enfrentar problemas como a formação de monopólios, o deflagrar de crises econômicas cíclicas e o acirramento do confronto capital x trabalho, além da inexorável conversão do tripé “Liberdade-Igualdade-Fraternidade” num autêntico trilema, dado que a base para o sistema de mercado era a busca do proveito individual, vale dizer, egoísmo e competição (p. 62-63). Já pela universalização do sufrágio, de que decorreu a busca da extensão da cidadania a quantos se submetessem à autoridade do Estado viria a impor a presença deste no domínio econômico, de tal sorte que se estabelece uma minuciosa disciplina normativa heterônoma sobre a vida social para o enfrentamento das crises que poderiam levar à destruição da economia capitalista (p. 63-65), determinando a formação de complexas estruturas administrativas, bem como o surgimento da tecnocracia (p. 65-66). Aponta para as deficiências do Estado Social no que tange (1) à tutela da igualdade, que se teria sotoposto ao valor segurança, por um lado, e, por outro, se teria amesquinhado pelo caráter de concessão dos espaços pelo Estado sem que tivessem eles sido conquistados pela atuação reivindicatória dos súditos (p. 67), (2) à promoção da solidariedade social, em virtude da diluição dos indivíduos nos grupos em que se inserem, em relações intermediadas necessariamente pelo Estado (p. 68). É apontado, também, o abalo do compromisso que sustentava o keynesianismo a partir da crise dos anos 80, com a explosão da crise da dívida externa, pondo as questões concernentes a quem seria legitimamente credor dos serviços a serem prestados pelo Estado, bem como os problemas de cunho orçamentário (p. 69-70). A busca da construção do paradigma do Estado Democrático de Direito enfrentaria o desafio de preservar a autonomia dos cidadãos e fortalecer a solidariedade social (p. 71), com o que passaria, na perspectiva do autor, que de perto segue Boaventura de Souza Santos, a ser o principal papel do Poder Público preservar um ambiente apto a possibilitar o desenvolvimento das possibilidades de cada ser humano, de tal sorte que, em relação às decisões políticas, a palavra chave passa a ser “participação” (p. 73-76).

A identificação do conteúdo econômico da legislação concernente ao fluxo internacional de capitais e da ideologia que a inspira é seguida, como se pode perceber, pelo exame do referencial de validade das medidas, qual seja, a Constituição de cada um dos Estados, que vem a converter as cosmovisões em valorações jurídicas. Aqui, entretanto, não se está, ainda, no exame propriamente do Direito positivo, mas sim da contribuição posta pela teoria do Estado, enquanto elemento de transição entre o aspecto do Ser da ciência política e o aspecto do Dever-Ser da Ciência do Direito, identificando, pois, as valorações que vêm a configurar o regime político. São, pois, estabelecidos, aqui, os pressupostos para a compreensão do conteúdo dos Textos básicos na aferição da validade das medidas de política econômica.

As interinfluências que se verificam na conformação de cada um dos termos do binômio Estado/Sistema Monetário Internacional começam a ser estudadas a partir das razões para ter sido adotado o ouro como referencial para as taxas de câmbio, de tal sorte que cada Estado deveria ter estoques do precioso metal como lastro para a emissão de moeda (p. 79). No período em que adotado o padrão ouro, que seguiu imperturbável a sua marcha até 1913, havia grande mobilidade de capitais (p. 81), e sua base de sustentação estaria tanto no caráter seletivo da cidadania liberal, o que permitia que a preocupação maior faz autoridades monetárias fosse manter a qualquer custo a conversibilidade, para garantir o fluxo de mercadorias no comércio internacional, de tal sorte que qualquer perturbação se resolveria por uma redução nos custos suportados pelos investidores (p. 82), como na própria hegemonia da Inglaterra como principal potência industrializada (p. 83). Tal meta – a da manutenção da conversibilidade a qualquer custo – veio a ser posta em xeque tanto pela ampliação da cidadania, exigindo que a política econômica pública se estendesse a outros campos (p. 84) quanto pelo próprio abalo do consenso entre as autoridades monetárias dos países centrais, como decorrência da I Guerra (p. 84), levando-as ao controle de capitais (p. 85). Por outro lado, mostra que, nos países periféricos, justamente por não participarem do comando das relações internacionais econômicas, nunca se pôde verificar a situação de estabilidade própria dos países centrais (p. 85-86). Indica que, à época da Grande Depressão e no curso da II Guerra, a maioria dos países teria flexibilizado a adoção do padrão-ouro e procedido à desvalorização da moeda (p. 86). A partir de 1944, com a celebração do Acordo de Bretton Woods, cada país passaria a fixar o respectivo câmbio tomando como referência o dólar norte-americano, recomendando-se que houvesse controle de capitais no âmbito do comércio internacional , admitindo o ajuste de câmbio fixo em determinadas circunstâncias e criando o Fundo Monetário Internacional (p. 87). O controle de capitais, que foi o mais eficaz dos instrumentos do Acordo, no âmbito dos países desenvolvidos, permitiu uma separação entre os objetivos da política econômica nacional e o mercado de câmbio (p. 88). Aos EUA, por sua vez, competiria converter o dólar em ouro, observando a taxa estabelecida em Bretton Woods (p. 88-89), o que somente durou até meados da década de 60, porquanto a partir daí passou a haver mais dólares no mercado exterior do que ouro para os lastrear (p. 89). Sustenta que o funcionamento de Bretton Woods estaria baseado num sistema de cooperação profunda, por conta das tensões da Guerra Fria – decorrente de os EUA serem a grande potência capitalista apta a fazer frente ao “perigo vermelho”, por um lado, e a busca de aliados por parte daquela mesma potência -, o número reduzido de países envolvidos no sistema e que comandavam as negociações e a adoção de regimes políticos semelhantes nos países centrais estabelecia a possibilidade de políticas econômicas com objetivos comuns (p. 89). Aponta como causa imediata do fracasso do sistema de Bretton Woods os déficits da balança de pagamentos dos EUA, decorrentes da emissão de dólares para além das reservas em ouro, em razão tanto dos investimentos militares quanto da expansão econômica das empresas norte-americanas (p. 90-91), e, como causas estruturais, o crescimento da mobilidade de capitais por decorrência da aceitação, pelos bancos europeus, de depósitos em moeda estrangeira e sua oferta a tomadores de empréstimos, bem como pela emissão, por tais bancos, de bônus em moeda estrangeira em nome dos tomadores de recursos (p. 91-92), e o comprometimento da busca da homogeneidade, tomando em consideração a demanda das populações de cada um dos países interessados em termos de política econômica, como decorrência da adoção do regime democrático (p. 92-93). Refere que os países latino-americanos, após a II Guerra, apesar de terem, muitos dentre eles, participado das discussões para a implementação do sistema de Bretton Woods, até 1959 tiveram a si reservado o papel de criarem condições para o investimento privado estrangeiro mediante um intenso controle da inflação, situação que se alterou com a vitória da Revolução Cubana, que foi determinante para o lançamento da “Aliança para o Progresso”, num primeiro momento, voltada “ao desenvolvimento econômico, à mudança estrutural e à democratização política” (p. 93) e que, após a morte de Kennedy, assumiu o caráter de um pacto entre as empresas com intensa atuação no mercado internacional – principalmente transnacionais – e os setores público e privado latino-americanos, voltado à promoção do crescimento econômico, da proteção aos investimentos privados norte-americanos e ao combate ao comunismo (p.94). Aponta o desenvolvimento dos euromercados como responsável pela abundância de empréstimos internacionais em que bancos privados figuravam como mutuantes em face de países em desenvolvimento, no decorrer da década de 70, empréstimos, estes, cuja taxa de juros era variável, seguindo as praticadas nos países industrializados, considerando, mais, o caráter arriscado de tais operações, dado que os produtos exportados pelos países mutuários eram, em regra, mercadorias sujeitas a bruscas variações de preço (p. 94-95). As crises do petróleo e a recessão nos países desenvolvidos no inicio da década de 80 teriam sido responsáveis pela alta das taxas de juros, bem como da taxa cambial do dólar, de tal sorte que países que se haviam endividado intensamente, como foi o caso do Brasil, terminaram impossibilitados de satisfazer as respectivas obrigações (p. 94-95). Após o fracasso do Sistema de Bretton Woods – sistema, este, que teve o mérito de haver propiciado aos países “periféricos” e “semi-periféricos” a adoção de políticas desenvolvimentistas (p. 96) –, observa-se uma crescente interdependência das nações, com a superação dos obstáculos do tempo e da distância para comandar os processos de produção, circulação de mercadorias e de dinheiro “em escala transnacional” (p. 97). Neste contexto, o Sistema Monetário Internacional passa a ser orientado predominantemente pelas expectativas do mercado, vale dizer, pelos agentes econômicos privados, com o esmaecimento da capacidade dos Estados controlarem o fluxo de capitais e, conseqüentemente, as taxas de câmbio passam a ser o preço relativo dos ativos nacional e estrangeiro – o que implica dizer, por outras palavras, que o controle da política monetária passa a ter a capacidade de comando dos Estados diminuída, ainda mais depois da denominada “desregulamentação” dos mercados (p. 98-99) -. São apontados como fatores caracterizadores da globalização: “i) a internacionalização dos portfólios e a liberalização dos sistemas financeiros domésticos; ii) o declínio da importância dos bancos como intermediadores financeiros, devido ao aumento da emissão de títulos de securitização; iii) a flexibilização das taxas de câmbio, que flutuam sobretudo por força dos fluxos financeiros (e não mais por força do fluxo do comércio); iv) a volatilidade do mercado e a ampliação dos choques e crises internacionais, os quais foram potencializados pelo desenvolvimento tecnológico das telecomunicações e da informação; v) concentração do mercado financeiro internacional em poucas instituições e atores; vi) a necessidade de políticas econômicas domésticas para se manter a estabilidade econômica” (p. 99-100). Observa que a assimetria entre os mecanismos de globalização financeira e a sobrevivência, no âmbito das relações internacionais, dos Estados-Nações implica, mesmo com o enfraquecimento destes, que ainda lhes restem instrumentos de política econômica, até porque a hierarquia de poder entre os Estados seria um pressuposto para o funcionamento de uma economia mundial orientada pelos princípios liberais (p. 101-103).

Passa, então, a investigar a liberalização da conta de capital, procurando precisar o modo como o fluxo internacional de capitais influencia a economia nacional, por conta das pressões que gera sobre a taxa de câmbio (p. 107), principia por explicar o balanço de pagamentos como o resumo das transações de recebimento e pagamento de um país com o exterior, permitindo aferir tanto as variações do endividamento externo como “a conexão entre as transações estrangeiras e as ofertas monetárias nacionais” (p. 108). Aponta como seus componentes as transações referentes à importação e exportação de bens e serviços, que comporiam a conta de transações correntes (p. 108) e as transações concernentes à aquisição e alienação de ativos, que comporiam a conta de capital (p. 109). Esta dividir-se-ia em “investimentos diretos (por empresas nacionais em filiais estrangeiras e por empresas estrangeiras em filiais nacionais), investimentos de portfólio (que incluem compras de títulos e valores mobiliários nacionais por estrangeiros e empréstimos concedidos a residentes nacionais, bem como compra de títulos e valores mobiliários estrangeiros por nacionais e empréstimos a estrangeiros) e alterações de caixa (que incluem modificações de saldos mantidos por bancos e outros negociantes de divisas estrangeiras resultantes de transações correntes e de capital, bem como as alterações de reservas mantidas em mercados cambiais)” (p. 109). Observa que os investimentos diretos criam, ampliam ou facilitam o controle sobre a produção de riquezas em outros países, o que não ocorre com os investimentos de portfólio, que são realizados por motivos financeiros ou comerciais, e que o componente de caixa “representa as alterações dos balanços de bancos e fluxos de caixa semelhantes” (p. 109-110). Explica a razão de ser para que o aumento dos direitos do País sobre o estrangeiro sejam registrados como débito na conta de capital e a venda de ativos como crédito, considerando o primeiro como importação de ativos e o segundo como exportação (p. 110-111). É estabelecida, ainda, uma distinção entre o crédito na conta de transações correntes, representando uma variação positiva na renda nacional, e o crédito na conta de capital, que representa uma variação positiva para os direitos dos credores estrangeiros sobre a economia nacional (p. 112). Compara os dados do Balanço de Pagamentos previstos na 4ª edição do Manual do Fundo Monetário Internacional, de 1977 – cujas diretrizes foram seguidas pelo Brasil de 1990 a 2000 – e os previstos na 5ª edição da aludida publicação, datada de 1993, adotados no Brasil a partir de 2001 (p. 113-115).

Refere que a adesão do Brasil ao “Consenso de Washington” teria atrelado o desenvolvimento econômico ao fluxo internacional de capitais, determinando, ainda, o esmaecimento da capacidade das autoridades monetárias atuarem como emprestadoras de última instância, uma vez que estas não podem emitir moeda estrangeira e têm a disponibilidade desta limitada ao estoque de reservas internacionais (p. 117). Tais fatos tornam a volatilidade dos capitais particularmente preocupante, uma vez que torna maior a instabilidade de seu fluxo indicando a pouca confiança d setor privado no funcionamento da economia (p. 118). Salienta que o aumento do fluxo de capitais está relacionado com a expansão do PIB na medida em que sejam canalizados para “investimentos eficientes”, voltados em grande proporção para a produção de bens passíveis de comercialização que não estejam sujeitos a um “risco global de superprodução”, de tal sorte que se gere a propensão dos investidores e credores em assegurar tal capitalização em bases estáveis (p. 119). Em contrapartida, vêm a se colocar os capitais voláteis que tendem a contribuir para a variação das taxas de câmbio, desestimular o investimento em bens comerciáveis, estimular, enfim, a atividade puramente especulativa, comprometendo, mesmo, a própria soberania na condução da política monetária (p. 119-121). Refere, mais, o aumento do fluxo de capitais estrangeiros nas contas de empréstimos e financiamentos de médio e longo prazo, entre 1990 e 2000 (p. 124-125), as oscilações do fluxo de capitais na conta de capitais de curto prazo como influenciadas diretamente pelo comportamento do mercado financeiro internacional e a pouca relevância da conta dos demais capitais, que teria tido um comportamento relativamente estável, somente apresentando saldo negativo em 1992, em razão de um pagamento feito ao Fundo Monetário Internacional, e em 2000, por conta de um pagamento realizado em prol do Clube de Paris (p. 126).

Indica fatores, de origem externa – como a redução das taxas de juros nos EUA, as recessões nos denominados países de Primeiro Mundo, de tal sorte que os custos de transação para os investimentos nos países em desenvolvimento se mostravam bem menores (p. 127-128) – e de origem interna – como a abertura da economia, assim entendida a desregulamentação financeira, as reformas constitucionais voltadas a reduzir o tamanho do Estado, a elevada rentabilidade assegurada ao investimento estrangeiro (p. 128-129) -, de atração de capitais estrangeiros ao Brasil.

Narra o processo de liberalização da conta de capital a partir da frustração da expectativa existente ao final da década de 70 de que fosse completada pelo Brasil a transição para a condição de economia avançada, frustração, esta, decorrente da crise da dívida externa da América Latina, levando ao escasseamento do fluxo de capitais privados, conduzindo, assim, já em 1987, à realização de estudos no âmbito do Governo Federal, para a liberalização comercial, obtido, inclusive, financiamento junto ao Banco Mundial para a implementação das mudanças estruturais que viabilizariam tal liberalização (p. 131), após o que se deu a abertura financeira da economia nacional, marcada pela criação de várias modalidades de investimentos de portfólio ao mesmo tempo que foram sendo paulatinamente extintas as restrições em relação a estes opostas aos estrangeiros (p. 132-133). Após descrever em minucioso quadro comparativo as medidas que na década de 90 se voltaram, no Brasil, à implementação da autonomia financeira e as adotadas, a partir de 2000, para aprofundar o processo (p. 134-135), demonstra que nem por isto deixou o Poder Público de lançar mão de medidas positivas, no sentido de direcionar os fluxos, contornar as crises – sobretudo a mexicana, a asiática e a russa – e para garantir interesses fiscais (p. 136-137). Recorda, mais, a substituição, em 1999, no Brasil, do regime de câmbio fixo pelo de câmbio flutuante, e que a orientação do controle de capitais, antes focada na preservação do balanço de pagamentos, veio a se voltar à definição de um perfil e de um volume ideal de capitais a fluir para o País (p. 138-139).

Passa a investigar, a partir do exame das condições internas – uma recém-completada transição para a democracia, a entrada em vigor da Constituição Federal de 1988, com a implementação de um novo pacto federativo, o crescimento de um pluralismo jurídico, social e econômico, os efeitos de uma política desenvolvimentista, o crescimento das taxas de inflação (p. 143-144) – e externas – a Queda do Muro de Berlim, marcando o término da Guerra Fria, com o estabelecimento de acordos multilaterais e a busca dos ajustes financeiros internacionais, sempre sob a batuta dos EUA (p. 144) – aptas a assegurarem as medidas adotadas a partir de 1989. Verifica que o modo pelo qual se deu a liberalização financeira, nos Governos Collor e FHC, passou ao largo dos embates nas Casas legislativas, operada que foi no âmbito de estruturas administrativas – Conselho Monetário Nacional e Banco Central -, ao contrário do que ocorreu em relação às reformas de caráter “macroeconômicas”, voltadas a remover as amarras constitucionais à concreção de tal desiderato (p. 144-145). Partindo do pressuposto de que a política monetária tem aspectos insuscetíveis de negociação, como o poder de disciplinar as relações macroeconômicas e o de garantir o poder aquisitivo da moeda nacional, integra justamente o setor que, no paradigma do Estado Democrático de Direito, deve ter como protagonista o Poder Público e de que o Sistema Monetário Internacional passou a ser comandado pelo mercado, uma vez que sobre a forma de o gerir inexiste consenso entre os Estados, estes hão de ter assegurada a legitimidade do respectivo poder no âmbito interno, para que se atinja tal desiderato vem a ser mister a preservação das competências dos órgãos por onde ele se vem a exercer (p. 145-146). Procura extremar o papel do político na definição dos fins colimados pelo sistema econômico e o papel do economista na escolha dos meios para a eles chegar, indagando da respectiva viabilidade, da possível compatibilidade ou incompatibilidade entre os fins eleitos, a sua conversão em objetivos e o estabelecimento de um dado quantitativo, que se converte em meta. Quando os economistas decidem os fins a serem alcançados pela sociedade ou elegem meios que passam ao largo dos valores que os devem orientar, vêm a alterar-se os referenciais das relações entre o Poder Público e os que se submetem à sua autoridade, que ao invés de estarem no plano político-jurídico, enquanto resultante das discussões travadas nos parlamentos pelas correntes ideológicas que, traduzidas como agremiações partidárias que ali se fazem presentes, com o que, considerada a liberalização da conta de capital como uma mudança nas relações travadas entre o Poder Público e os súditos, haveria, em linha de princípio, violação à Constituição Federal no que tange à consagração da separação de poderes (p. 147-149).

Verificando a hipótese aventada, empreende estudo sobre o princípio da separação de poderes a partir da matriz inglesa, recordando que John Locke o teria desenvolvido pressupondo a consagração da rule of law posta na Magna Charta, pelo qual aquele que legisla não poderia, simultaneamente, aplicar a lei (p. 151-152), e que tal desenvolvimento se colocava a partir do pressuposto da finalidade da rule of law enquanto dique ao absolutismo e meio apto a pôr o Estado na condição de possibilitador da convivência natural entre os homens (p. 152-154).

Passa ao exame da tradição derivada de Montesquieu, na qual se vem a colocar a necessidade de não se estabelecer a concentração dos poderes de editar e de executar as leis, caracterizado o Executivo como o poder encarregado de tratar dos interesses do País, no âmbito internacional e, no âmbito interno, vem a ser melhor exercido em caráter singular, tendo em vista a instantaneidade dos problemas que e chamado a resolver, diversamente do que ocorre com o Legislativo, onde melhor se ordena quando são muitos a decidirem (p. 154-155). O poder de julgar não seria entregue a um corpo estatal permanente, mas sim a pessoas, selecionadas no meio do povo, a partir de processo regulado em lei, formando um tribunal pelo tempo necessário à solução do litígio (p. 156). A separação de poderes seria vista, em Montesquieu, como uma emanação da divisão dos estamentos sociais, e a partir de um ponto secundário na sua obra– o da interdependência entre os Poderes – é que teria sido construída, aproveitando-se os aprofundamentos de Bolingbroke, a concepção norte-americana do checks and balances (p. 156-159).

Já a contribuição de Rousseau se colocaria na preeminência dada ao Legislativo enquanto representante do único Poder Social – o povo – e cujo produto final – a Lei – seria a expressão da vontade geral, a verdadeira manifestação da soberania (p. 159-160). No plano teórico, a sua visão da separação de poderes descartava a parametrização feita por Montesquieu entre os poderes políticos e os poderes sociais de acordo com os estamentos (p. 161).

Aponta, em seguida, para a evolução de uma concepção meramente negativa do princípio da separação dos poderes para uma dimensão positiva, no sentido da atribuição de uma responsabilidade pelo desempenhar uma função a que organicamente legitimado, ilustrando a assertiva com julgado do Tribunal Constitucional alemão (p. 162-165).

Debatidas as percepções gerais acerca do princípio da separação dos poderes, passa-se ao seu estudo dogmático à luz da Constituição de 1988, que, classificada como Constituição rígida, dificilmente acolheria a doutrina dos “poderes implícitos” (p. 165-167). O Texto da Constituição de 1988 viria a agasalhar a concepção da independência e interdependência entre os poderes, seja sob o ponto de vista negativo, das entre-limitações e interferências nos limites constitucionais, com a proibição, inclusive, de delegação das atribuições de um a outro, salvo cláusula constitucional expressa, seja na dimensão positiva, segundo a qual importa verificar se está, efetivamente, sendo legítima e responsavelmente exercitada a função atribuída a cada órgão constituído (p. 168-169).

Passa a examinar as razões para a atribuição de funções normativas à Administração Pública – a necessidade de o Poder Público atender aos desequilíbrios econômicos com a rapidez com que estes se manifestavam – sem, entretanto, minimizar a razão pela qual se empresta a maior relevância ao princípio da legalidade, dada a própria forma de composição do órgão de onde emana a lei (p. 170-171). A compatibilização entre o princípio da separação dos poderes e a capacidade normativa que se outorgue à Administração exige que se verifique não apenas a existência de disposição legal que confira tal competência como também o caráter conjuntural ou circunstancial das relações jurídicas a serem disciplinadas, garantindo a efetivação das metas e objetivos fixados em ato legislativo (p. 172-178).

A seguir, examina a atuação do Estado no domínio econômico, desde o Estado liberal, quando seria denominada mais propriamente “intervenção”, que se faria notar “nos dois fundamentos da sociedade capitalista”, entendidas como tais a propriedade privada dos bens de produção e a liberdade de contratar, intensificando-se tal atuação no Estado social e, no paradigma do Estado Democrático de Direito, viria a ser matizada pelos princípios da autonomia individual e da democracia (p. 179-180). Distingue ainda entre as hipóteses de atuação do Estado no domínio econômico, por absorção – monopólio – e por participação – em concorrência com os particulares -, e de atuação do Estado sobre o domínio econômico, referente aos papéis de agente normativo e regulador da economia a ele conferidos. Nesta última hipótese, a de atuação sobre o domínio econômico, serão exercidas atividades de ordenar – pela constituição de direitos ou pela limitação de direitos conferidos pelo ordenamento jurídico – e de fomentar a economia, atribuindo-se à Administração Pública função normativa, desde que esta seja exercida dentro dos limites da autorização legal e se cinja a medidas conjunturais (p. 180-182).

Disseca a atuação do Conselho Monetário Nacional e do Banco Central no controle de capitais, restringindo este conceito ao controle sobre as operações computadas na conta de capital (p. 182-183), distinguindo entre aquele que se realiza sobre a entrada – permitindo maiores taxas de juro internas e o controle da expansão da base monetária - e aquele que se realiza sobre a saída – permitindo menores taxas de juros -, entre aquele que se volta a restringir o fluxo de capitais por meio de mecanismos de preços – funcionando, antes, como um instrumento de estímulos e desestímulos a serem avaliados pelos agentes do mercado (p. 183-184) – e aquele que se volta ao controle pelo estabelecimento de restrições quantitativas – em que o volume máximo, seja em relação à entrada, seja em relação à saída, de recursos é estabelecido em caráter coativo, heterônomo (p. 184) -. As enumerados, como propósitos dos controles de capital, a geração de receitas e financiamento de esforços de guerra, alocação de créditos, correção de déficits ou superávits na balança de pagamentos, prevenir a entrada de capitais voláteis, desestabilizações financeiras ou valorizações reais do câmbio, restringir a apropriação de ativos domésticos por estrangeiros, estimular o uso doméstico da poupança ou proteger instituições financeiras domésticas (p. 184-186).

Depois de apontar para o dado da mais acentuada intervenção do Estado no domínio da moeda e do crédito, observando, ainda, o papel que a atuação estatal no domínio econômico teria sido um dos fatores que mais desencadearam a reflexão jurídica a respeito do cometimento da capacidade normativa à Administração Pública, elencando, dentre os diplomas legislativos que conferem tal capacidade ao Conselho Monetário Nacional e ao Banco Central as leis 4.131, de 1962, 4.595, de 1964, 4.728, de 1965, 6.385, de 1976, e 9.069, de 1995 (p.187-188), apontando como fonte da competência normativa do Conselho Monetário Nacional, neste matéria, os incisos V, VI, XVIII e XXXI do artigo 4º da Lei 4.595, de 1964, e os incisos I e II do artigo 3º da Lei 6.385, de 1976, e a do Banco Central no artigo 9º da Lei 4.595, de 1964 (p. 188-189).

Salientando o componente político que marca a atuação das autoridades monetárias, destaca as condições de sua legitimidade a anterior autorização legal para o exercício do poder normativo e a circunscrição de tal exercício a questões conjunturais (p. 190). Demonstra que, a despeito de a liberalização da conta de capital, aparentemente, dizer com questões puramente conjunturais, o fato e que os fins e os meios da própria medida não foram estabelecidos por lei,mas sim pelas autoridades monetárias, apontando, assim, para a presença de uma usurpação, por parte destas, de funções legislativas, embora não se mostre dotado de sentido prático o pronunciamento de inconstitucionalidade para o efeito de anular tais decisões em sede de política econômica, embora tal sentido esteja presente para os efeitos de se buscarem outras conseqüências jurídicas (p. 191-194).
Só pela enunciação dos dados que foram trazidos anteriormente, já se vê que o livro merece ser lido e discutido em cada ponto, tal a riqueza de seu conteúdo em termos de fontes primárias. por outro lado, ante o deflagrar da crise de 2008, permanece a questão dos problemas gerados pela criação de tal engenharia jurídica plena de atualidade.
Os fatos concernentes à retração da presença estatal, deixando a sorte da economia ao alvedrio dos particulares em sua busca de lucro, em face das relações negociais vêm a demonstrar o acerto da conclusão a que chegou Washington Peluso Albino de Souza [As teorias do contrato e o Direito Econômico. Revista de Direito Civil, Imobiliário, Agrário e Empresarial. São Paulo, v. 3, n. 9, p. 53, jul/set 1979]: “enquanto não se verificou a intervenção legislativa, porém, o divórcio entre os princípios do liberalismo e a realidade foi sempre aumentando, como resultado imediato da ‘livre manifestação da vontade’, acabou por conduzir ao dirigismo privado, assegurado pelo contrato tradicional. O mecanismo auto-regulador do mercado, pela ‘oferta e procura’, pela ‘livre concorrência’, havia falhado, e a ‘mão invisível’ de Adam Smith não corrigira as distorções do ‘poder econômico privado’, protegido pela Ordem Pública Econômica. Em lugar dos indivíduos ou das empresas isoladas na configuração da ‘concorrência’, passou-se ao capitalismo dos grupos, que levam ao monopólio ou aos efeitos que se lhe assemelham”.

ENTRE O TOMISMO E O LIBERALISMO ECONÔMICO

HORN, Norbert. Introdução à ciência do Direito e à filosofia jurídica. Trad. Elisete Antoniuk. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 2005.

Este livro didático parte do pressuposto da avidez que as sociedades modernas demonstram por normas jurídicas, sobretudo diante de experiências de insegurança e destruição decorrentes do que denomina "ausência de Direito", considerado este como "a suma das normas gerais garantidas pelo Estado para a regulamentação da vida em comum das pessoas e para o apaziguamento dos conflitos inter-pessoais através da decisão" (p. 34). Trabalhados os temas usuais em obras do gênero, nota-se a preocupação enfática com os problemas jurídicos da manifestação da convicção íntima (p. 39) e da moral pública (p. 40-42), os limites gnoseológicos da religião e da ciência (p. 95), com as suas repercussões no pensamento jurídico, os dilemas entre a economia de mercado e a manutenção de seu desenvolvimento nos limites da ética, a tendência à internacionalização e universalização do Direito, com a necessidade do desenvolvimento de uma noção de Justiça - tarefa da Filosofia Jurídica - e de uma teoria do Direito adequada aos tempos de globalização e de instauração da lex mercatoria.

Temas caros ao pensamento jurídico liberal - do qual o autor se mostra representante assumido - aparecem, como o tratamento da legislação intervencionista como tipicamente excepcional, em face da generalidade da legislação de direito civil (p. 191), a recusa em reconhecer o caráter intervencionista das medidas estatais de fomento (p. 132), a superior destinação do Direito à viabilização máxima das trocas de bens (p. 146), o tratamento da economia de mercado como expressão da natureza das coisas (p. 142).

Várias informações importantes passam pelo leitor, como, por exemplo, a compatibilização feita entre a teoria que justifica o lucro pelo risco que o empresário corre e a possibilidade da participação do empregado nos lucros e na gestão da empresa (p. 192), assim como a negação de um slogan que tem sido (perigosamente) repetido amiúde, de que somente os regimes de direita que tenham caído teriam os seus dirigentes condenados e obrigados ao pagamento de indenizações, quando, ao contrário, têm sido freqüentes na República Federal da Alemanha a condenação de autoridades da antiga Alemanha Oriental por atrocidades realizadas em relação a quem fosse enquadrado como adversáro do regime que ali vigorava (p. 373-375).

A obra manifesta uma preocupação obsessiva em fazer uma defesa intransigente do capitalismo, ainda que negando alguns de seus pressupostos fundamentais, tão essenciais a ele quanto a idéia da descendência direta divina de Jesus o é para um cristão: buscando responder às objeções éticas que se fazem ao pensamento liberal, sustenta que nenhuma atuação no sentido da obtenção de lucros que se mostre antagônica a princípios éticos seria economicamente defensável, passando ao largo da ênfase que se dá às virtudes do egoísmo como fonte do progresso coletivo, como núcleo essencial do pensamento liberal.

Aliás, a observação acerca do papel do Direito quanto a ofertar a conexão da dimensão ética à economia, que, pelo ponto de vista do autor resenhado, seria despicienda, não foi feita por um marxista, mas por um opositor ferrenho de tudo o que representasse filiação a um tal pensamento, ou seja, Francesco Carnelutti e, por outro lado, não se explicaria o porquê do declínio do pensamento religioso, bem identificado por Werner Sombart como a necessidade de remover os escrúpulos que se mostrariam um verdadeiro obstáculo para quem se dispusesse a ingressar no campo de batalha mercadológico.

Não se trata de obra neutra, mas, com toda a certeza, dado o tratamento ofertado aos temas, não se lhe pode ficar indiferente: o que é motivo mais que suficiente para recomendar a leitura da obra do Professor da Universidade de Köln.