quarta-feira, 6 de maio de 2009

O DENOMINADO “DIREITO ANTITRUSTE” NA ORDEM ECONÔMICA

GOMES, Carlos Jacques Vieira. Ordem econômica constitucional e direito antitruste. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 2004.

O autor, mestre em Direito pela Universidade de Brasília, concebendo o Direito Econômico como conjunto de regras e princípios voltados à implementação de políticas sociais e econômicas, destaca o direito antitruste como a parcela daquele ramo do Direito voltada à implementação de políticas públicas voltadas ao controle, preventivo ou repressivo, do exercício do poder econômico. Manifestando preferência pela denominação "direito antitruste" ao invés de "direito da concorrência", o texto procura identificar as relações entre o controle do abuso do poder econômico e os princípios que embasam a ordem econômica, na realização dos seus escopos econômicos e sociais. O referencial teórico do autor está na Análise econômica do Direito, o que explica a ênfase em conceitos como eficiência econômica e na própria regra da razão, cuja adoção pela jurisprudência norte-americana muito deve a Richard Posner, corifeu daquela escola.

A obra se mostra profundamente interessante, pelos dados que aporta para o exame da repressão ao abuso do poder econômico em face da Constituição Econômica como um todo.

Esposando a distinção estabelecida por Pierre Devolvé entre princípios jurídico-econômicos liberais e intervencionistas e aplicando-a aos desdobramentos do artigo 170 da Constituição Federal, o autor considera que o controle do exercício abusivo do poder econômico está voltado, efetivamente, à implementação de políticas públicas voltada não só à tutela da livre iniciativa e da livre concorrência, mas também à promoção do pleno emprego, à tutela da soberania nacional, à defesa do consumidor, enfim, à realização dos princípios da ordem econômica.

Considera, mais, que o controle do exercício do poder econômico é que constituiria a base constitucional da ação antitruste e não a tutela da livre concorrência, dado que, a seu ver, a livre concorrência implicaria a ausência do poder econômico (a rigor, o que ela implicaria, na realidade, seria a igualdade de forças entre os agentes econômicos) e, por outro lado, se fosse nela que se embasasse a ação antitruste, todos os atos concentracionistas, mesmo que não se mostrassem abusivos, estariam vedados.

Ainda, toma em consideração o dado de que a menção posta no § 4º do artigo 173 da Constituição Federal é de caráter puramente exemplificativo e não taxativo, pois, do contrário, estariam permitidas formas de abuso que não tivessem por escopo aqueles declinados no aludido dispositivo, e não se poderia conceber que exatamente o uso para além dos limites jurídicos pudesse ficar ao largo da atividade repressora.

Distingue, ainda, entre o controle preventivo e o controle repressivo do abuso do poder econômico.

Aponta, como escopos econômicos da ação antitruste, a defesa da concorrência, a tutela da eficiência econômica, a tutela do consumidor e a proteção às empresas de pequeno porte.

Como seus escopos sociais, indica a valorização do trabalho, o pleno emprego e a redução das desigualdades regionais.

Como escopos políticos, indica a soberania econômica, o interesse nacional e a integração dos mercados regionais.

Indica, ainda, exemplos concretos no que tange às possibilidades de se atender a cada um dos escopos referidos.

É de ser salientado, entretanto, que em muitos pontos não encontra convergência com o signatário da presente resenha, porquanto dá ao Direito Econômico um objeto muito amplo - a política educacional, que, em si mesma, não constitui capítulo da política econômica, embora ninguém a exclua do conceito de política social, acaba sendo incluída como objeto do Direito Econômico -, e, por outro lado, ainda não conseguiu este resenhante superar as razões que o levam a não admitir o direito antitruste – principalmente quando se tem em vista a realidade da experiência da unificação da Alemanha, cuja política se deu num sentido de estimular a concentração empresarial, num rumo bem diverso, portanto, daquele seguido nos EUA -, bem como as que o conduzem a algumas incompatibilidades com a Análise econômica do Direito.

Por outro lado, nota-se que somente em se adotando uma concepção mais ampliativa do conceito de abuso do poder econômico, para além da tutela da concorrência – como, de nossa parte, fazemos – é que se poderá concordar com o asserido acerca de se voltar a ação estatal voltada a reprimi-lo à concreção de todos os princípios da ordem econômica, a cada vez que a situação de pujança econômica vier a atingir objetivos incompatíveis com os valores constitucionalmente albergados.

A distinção, outrossim, entre escopos econômicos, escopos sociais e escopos políticos não me parece das mais adequadas, porque, ao cabo, implica negar que as questões concernentes ao trabalho e ao desequilíbrio regional constituam objeto de política econômica – o que não é verdade, dado que o trabalho é, tradicionalmente, um dos fatores da produção, e que o desequilíbrio regional tem fortíssimas relações com a própria integração dos mercados regionais -, e, por outra parte, termina por descaracterizar o econômico enquanto manifestação do social e as decisões econômicas enquanto manifestação de poder, logo, políticas. Mas tal distinção, entretanto, é compreensível, dado que se costuma considerar que o interesse da economia é absolutamente estranho, em si mesmo, ao bem-estar social e seria algo que se oporia à política.
Mas estas divergências não chegam a afetar o valor da obra em si mesma, que está a pedir exame e debate em cada uma das proposições.

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