quarta-feira, 6 de maio de 2009

POLÍTICAS PÚBLICAS NO JUDICIÁRIO

SANTOS, Marília Lourido dos. Interpretação constitucional no controle judicial de políticas públicas. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 2006.

Quando elaborei minha tese de doutoramento a respeito dos mecanismos de efetivação jurídica das medidas de politica econômica, defendida em 1996, mostrava-se a busca de bibliografia um verdadeiro desafio, diante do preconceito arraigado no sentido de constituírem políticas de governo, reservadas, pois, ao domínio do Poder Executivo, a despeito dos próprios pressupostos do Estado de Direito, com todas as suas variantes. Daí por que a vinda a lume desta dissertação de mestrado tem todos os motivos para ser saudada. A questão enfrentada pela autora, Mestra pela Universidade Federal do Pará, é a do dilema que se coloca em relação à exigência de uma postura ativa do Estado na realização de políticas públicas que atendam às necessidades coletivas e, mesmo, na implementação de direitos, ao mesmo tempo em que se preserva a própria construção do Estado de Direito enquanto principal conquista do liberalismo. Trabalhando com a característica de indeterminação das soluções jurídicas para os problemas sociais, identificando como seus fatores a ambigüidade dos termos dos conceitos, que pode ser tanto semântica (polissemia de um vocábulo independentemente do contexto em que se insira - p. 29-32), como sintática (quando um vocábulo, no mesmo contexto, pode assumir diversos significados - p. 32-33), vagueza, que diz respeito às duvidas acerca das situações a que o enunciado seria aplicável, distinguindo entre a vagueza por gradação (p. 35-38), a vagueza combinatória (p.38-45) e a vagueza pela textura aberta (p. 45-48). Aponta, ainda, para o efeito de explicar a presença da "ambigüidade" e da "vagueza" nos textos normativos, especialmene constitucionais, a partir do emprego de conceitos essencialmente controvertidos (p. 49-51), colisões entre princípios e valores fundamentais (p. 51-61), o problema da incomensurabilidade dos valores entre si, que se vem a manifestar na necessidade de proteger uma pluralidade de valores (p. 62-63) e na existência de diferentes grupos sociais com interesses contrapostos (p. 63). Passa pela hermenêutica constitucional como instrumento de eliminação, a cada caso, destas incertezas, para enfrentar especificamente o problema engendrado pela consideração das políticas públicas, definindo-as como "conjunto organizado de normas e atos tendentes à realização de um fim público" (p. 80), para versar o seu papel de viabilizadoras principalmente dos direitos econômicos, sociais e culturais, e as dificuldades decorrentes de doutrinas ligadas especificamente ao modelo de tripartição de poderes, como a insindicabilidade do mérito dos atos administrativos e das questões políticas (p. 89-91), por um lado, e a necessidade de se ofertar a máxima efetividade à Constituição, por outro. Entre estes dois pólos, situa a atuação do Poder Judiciário, resenhando julgados sobre temas como o direito à educação, o direito à saúde, o poder de concessão de isenções tributárias, e procura rastrear os pressupostos teóricos de tais julgados. Claro que não podem deixar de ser opostas algumas ressalvas ao texto: primeiro, ao considerar que o tema aponta para a insuficiência dos pressupostos teóricos da Teoria Pura do Direito (p. 24), supondo ser esta preconizadora de um método puramente silogístico, quando, em realidade, nela está posta a questão da impossibilidade de o cientista do Direito estabelecer qual, dentre os sentidos possíveis a serem atribuídos a determinada norma, seria o correto, reservada tal tarefa para quem ostentasse o papel de intérprete autêntico, dotado de poderes de individualizar a norma, tese que não contradiz o enunciado que a própria autora estampa na página 29, quanto à presença de dúvidas constantes acerca da correta interpretação dos textos normativos. Após adotar seu conceito de política pública, transcreve acriticamente conceito adotado por Fábio Konder Comparato, que se coloca em franco antagonismo com o seu, ao considerar que não se trata nem de atos nem de normas, mas sim de atividades (p. 94). Também não concordo com a tese segundo a qual os direitos individuais se caracterizariam pela exigência de uma posição omissiva do Estado, diversamente dos direitos econômicos, sociais e culturais (p. 73-74), porquanto a atuação da polícia para a proteção da propriedade traduz uma atuação positiva, ao passo que direitos como o de greve implicam uma abstenção estatal, consoante os recorrentes exemplos de Ingo Wolfgang Sarlet. Mas, de qualquer sorte, estes pontos não chegam a desvalorizar a obra, que traduz um esforço notável no sentido da superação de vestígios do absolutismo que ainda assombram o pensamento jurídico pátrio.

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