Nestes tempos em que a mídia propaga intensamente a idéia de que "o Estado deve ser reduzido", a questão posta por Arno Scherzberg se impõe. O Professor da Universidade de Erfurt estabelece como ponto de partida a necessidade de uma interação da descrição de fatos singulares com a observação da simultaneidade com que ocorrem, integrando-os em conjunto. Toma a definição dos campos do público e do privado como postos na Constituição alemã, passando pela evolução da condição originária do Estado como meio de dominação dos conflitos para a de um dentre tantos atores ante problemas que tendem a extrapassar o âmbito territorial de seu poder, a incerteza crescente fragilizando a segurança esperada das normas jurídicas e servindo, ainda, como conducente à privatização de bens e atividades estatais, o prestígio crescente da “Teoria social econômica” (cujo fim é dar as bases do Estado Mínimo, reduzido o Direito Público a papel subsidiário), seguindo-se a crítica aos argumentos-base por esta esposados, os espaços ainda necessariamente reservados ao Poder Público, notadamente no que tange à realização dos direitos fundamentais, terminando por apontar para a substituição gradativa do caráter do Estado de ordem de coerção para o de instância educativa, voltada a prevenir a eclosão de conflitos.
Afora um ponto essencial de divergência - pois a dicotomia direito público/direito privado é francamente rejeitada, na minha obra (embora a esfera pública e a esfera privada sejam admitidas, inclusive porque a Constituição é que delimita os campos inerentes a uma e outra, e não a natureza das coisas), ao passo que ela é pressuposta no raciocínio desenvolvido pelo autor resenhado -, o texto fere, efetivamente, uma das principais preocupações, que é a do papel que sobraria para o Estado no contexto da globalização, em que se afirma cada vez mais a lex mercatoria, sobretudo porque a própria realização dos direitos fundamentais depende da existência de um aparato que permita sua efetivação a despeito da resistência daquele que esteja obrigado a desempenhar o dever correlato, recordando, ainda, que o caráter de não comerciabilidade dos direitos fundamentais viria a apontar para a inadequação ao sistema constitucional alemão da denominada "Análise econômica do Direito" (p. 63). Isto depois de haver demonstrado a impossibilidade de se reduzir o interesse público a uma dimensão de custo e dispêndio, qual desejado pelos próceres da "Teoria social econômica", notadamente Nozick, Hayek e Buchanan (p. 50-51).
Afora um ponto essencial de divergência - pois a dicotomia direito público/direito privado é francamente rejeitada, na minha obra (embora a esfera pública e a esfera privada sejam admitidas, inclusive porque a Constituição é que delimita os campos inerentes a uma e outra, e não a natureza das coisas), ao passo que ela é pressuposta no raciocínio desenvolvido pelo autor resenhado -, o texto fere, efetivamente, uma das principais preocupações, que é a do papel que sobraria para o Estado no contexto da globalização, em que se afirma cada vez mais a lex mercatoria, sobretudo porque a própria realização dos direitos fundamentais depende da existência de um aparato que permita sua efetivação a despeito da resistência daquele que esteja obrigado a desempenhar o dever correlato, recordando, ainda, que o caráter de não comerciabilidade dos direitos fundamentais viria a apontar para a inadequação ao sistema constitucional alemão da denominada "Análise econômica do Direito" (p. 63). Isto depois de haver demonstrado a impossibilidade de se reduzir o interesse público a uma dimensão de custo e dispêndio, qual desejado pelos próceres da "Teoria social econômica", notadamente Nozick, Hayek e Buchanan (p. 50-51).
A gradual mitigação da posição do Estado como instância máxima de poder, exemplificada pelas questões à volta do terrorismo, das migrações humanas, dos danos ecológicos, da circulação de capitais internacionais pelas vias eletrônicas (p. 25), é tratada com muita precisão. Por outro lado, a paulatina substituição da coação pela persuasão como característica predominante das relações postas entre o particular e o Poder Público prognosticada pelo autor (p. 69-70) está posta mais como um rumo desejável, no sentido de se salvar a civilização, do que propriamente como uma tendência empiricamente verificável, embora venha a resgatar uma das críticas mais incisivas à consideração do elemento "subordinação" como nota distintiva das relações jurídicas de direito público, formulada por Santi Romano, dado que também os interesses privados "se graduam e a tal graduação pode corresponder uma posiçao de preeminência ou de subordinação atribuída a seus titulares. Isto era freqüente no direito antigo, que não era informado pelo princípio da igualdade de todos, mas também hodiernamente pode ocorrer que se atribuam aos particulares poderes de supremacia: por exemplo, ao chefe de família perante seus componentes, a uma corporação ante seus membros, aos dirigentes de um negócio para com os dependentes" (Princípios de Direito Constitucional geral. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1977, p. 101). De qualquer sorte, a obra é importante, merece ser lida e discutida por quantos tenham preocupações com os temas jurídicos suscitados pela globalização. A Profª Kelly Susane Alflen da Silva, responsável pela primorosa tradução, oferta, ainda, notas de aclaramento dos temas familiares ao jurista alemão e que constituem, em geral, novidade para o leitor brasileiro.
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